Pesquisadores do FoRC tentam aperfeiçoar alimento cremoso probiótico

Depois de patentear uma margarina com efeitos probióticos, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos criam alimento cremoso mais saboroso, com maior porcentagem de gordura do leite

Fronteira do conhecimento

Quem costuma dar suas voltinhas no supermercado já deve ter percebido que as margarinas estão ganhando novos atributos sensoriais e funcionais: há margarinas com grãos, com fibras, margarinas aeradas e, ao que tudo indica, outras novidades podem vir por aí. “Existe uma tendência para explorar inovações na margarina. Ela é um produto que se presta muito a versões inovadoras”, resume Juliana Ract, engenheira de alimentos e especialista em lipídios da Faculdade do Ciências Farmacêuticas da USP (FCF/USP). Tanto que, há alguns anos, pesquisadores da FCF depositaram a patente de uma margarina com efeitos probióticos. Agora, cientistas ligados ao Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center) retomaram o projeto e tentam melhorar as qualidades sensoriais do produto – que ganhou, em sua formulação, maior porcentagem de gordura do leite (e por isso passou a ser chamado de ‘emulsão espalhável’, já que a margarina deve ter, segundo as normas vigentes, no máximo 3% de gordura do leite em sua formulação). 

“Naquele primeiro momento, o desafio era encontrar um micro-organismo que sobrevivesse em produtos com altos teores de gordura e mantivesse sua ação probiótica durante toda a vida de prateleira desses produtos. A margarina, um alimento que se ingere todo dia, tem certa quantidade de gordura, então pensamos: ‘pode ser que essa gordura proteja o micro-organismo probiótico no ambiente do estômago e do intestino, durante a etapa de digestão.’ Era algo diferente que até ali não havia sido testado”, lembra a professora Susana Saad, titular da FCF, pesquisadora do FoRC, especialista em probióticos e uma das mentoras da patente da margarina probiótica, ao lado de Cíntia Hoch Batista de Souza e Luiz Antonio Gioielli.

Na primeira tentativa de formulação do produto, muitas bactérias não conseguiam sobreviver. “Tínhamos notícias de que nem a indústria conseguia fazer os micro-organismos probióticos sobreviverem na margarina”, lembra Susana. Primeiro, porque o micro-organismo ficava privado de oxigênio, já que o ambiente da margarina é uma emulsão do tipo água em óleo. “O probiótico provavelmente fica na parte aquosa, mas cercado de óleo, o que o priva de oxigênio. Nessas condições, o Bifidobacterium animalis sobreviveu, porque ele precisa de um ambiente ausente de oxigênio. Já os Lactobacillus necessitam, ao menos, de um pouco de oxigênio.”

Mas havia um segundo problema. “Percebemos que, dependendo da formulação da margarina, mesmo o Bifidobacterium animalis não sobrevivia, porque não havia um substrato para ele consumir”, recorda Susana. Ele só sobreviveu quando os pesquisadores tiveram o insight de inserir um prebiótico na formulação: a inulina. “A inulina é um alimento para o Bifidobacterium animalis e, na presença dela, ele sobreviveu. Mas, infelizmente, a parte sensorial do alimento não agradou. Fizemos análise sensorial e a aceitação não foi muito boa”, admite Susana.

Mais gordura do leite – Foi então que, anos depois, a professora Juliana Ract sugeriu uma melhora na parte sensorial, com o uso de maior teor de gordura do leite na formulação. “Propus o uso da gordura do leite no lugar do óleo de palma, que é muito neutro e não favorece o gosto, nem o aroma. A gordura do leite, ao contrário, impulsiona as vendas da manteiga e faz muita gente preferir a manteiga à margarina. A manteiga é muito gostosa e muito aromática por causa do ácido butírico. Sugeri misturas de gordura do leite com um óleo vegetal, a oleína da palma, uma fração mais insaturada da palma”, explica a engenheira de alimentos.
Sob a orientação de Juliana e Susana, a pesquisadora Clara Simone dos Santos partiu da gordura do leite e misturou a ela um óleo vegetal. “A gordura do leite sozinha é muito dura, não espalha direito quando está refrigerada – basta lembrar o quanto é difícil passar no pão uma manteiga que acabou de ser tirada da geladeira. Fizemos várias misturas de oleína de palma e gordura do leite e, entre essas várias misturas, selecionamos duas”, detalha Juliana.

Desta vez, todas as fórmulas testadas incluíam, além do Bifidobacterium animalis, também a inulina. “Nessas formulações em que adicionamos mais gordura do leite, percebemos que a sobrevivência do micro-organismo foi um pouco maior, o que é uma sugestão de que a gordura do leite talvez possa ser ainda mais protetora do que os óleos vegetais usados no primeiro trabalho, que gerou a patente. Não sabemos ainda o porquê. Talvez pelo ponto de fusão maior, ou pela própria viscosidade, enfim, ainda não sabemos ao certo”, adianta Susana. O Bifidobacterium animalis também se saiu bem no teste de sobrevivência gastrointestinal simulada in vitro, ou seja: quando os pesquisadores simularam as condições do aparelho digestório, o micro-organismo mostrou-se resistente ao estresse e manteve sua concentração, diferentemente de quando o ensaio era aplicado a outros produtos alimentícios.

“Estamos comprovando que realmente a gordura está protegendo o micro-organismo do pH ácido e das enzimas digestivas, porque a emulsão espalhável que criamos chega à fase final com a sobrevivência do micro-organismo”, conclui a professora Susana Saad. Segundo ela, ao longo da vida de prateleira do produto, o micro-organismo deve manter as condições que conferem ao alimento atributos funcionais. “No primeiro trabalho, foram feitos testes até o 35º dia, e percebemos que a formulação que tinha mais inulina conservou melhor o micro-organismo. No segundo, testamos até o 28º dia e vimos que a sobrevivência se manteve, e melhorou com a gordura do leite.” 

Já o aspecto sensorial continua sendo um desafio. “Fizemos um teste sensorial do alimento cremoso com cem provadores, sendo 52% mulheres e 48% homens, com idade média de 26 anos. As opiniões variaram entre gostei regularmente (72%) e gostei muito (50%). O desempenho melhorou, mas ainda não é suficiente para colocar um produto no mercado. Entretanto, nosso trabalho, como cientistas, não é desenvolver o produto completo, mas fazer as descobertas que permitam à indústria desenvolver produtos. Descobrimos o micro-organismo que conseguia sobreviver em alimentos com alto teor de gordura, descobrimos que essa sobrevivência está conectada à inclusão de um prebiótico na formulação e descobrimos que, na presença de gordura do leite, o micro-organismo sobrevive mais e melhor. O restante – melhorar o paladar desse produto, inserir aromatizantes que o tornem mais atrativo para o consumidor, etc – é uma tarefa para a indústria alimentícia”, diz Juliana. 

Chocolate e mercado – Há alguns meses, a pesquisadora Marluci Palazzolli da Silva, mestranda da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, causou sensação na mídia com estudo que originou um chocolate meio amargo probiótico. Sob orientação da professora Carmem Sílvia Favaro Trindade, foram aplicados ao chocolate o Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium animalis.

O alimento é uma alternativa para substituir os produtos lácteos encontrados nos supermercados que não podem ser consumidos por pessoas com intolerância à lactose e por alérgicos ao leite, por exemplo. O fato de certos produtos lácteos contribuírem para a sobrevivência dos probióticos ao suco gástrico fez com que a indústria de laticínios tenha encontrado neles uma boa ferramenta para o desenvolvimento de novos produtos com esse apelo, mas nem todos podem consumi-los.

Dados recentes indicam que há um mercado promissor para os probióticos. O relatório Probiotic Products: a Global Market Overview, publicado em outubro de 2015, aponta que o mercado norte-americano de probióticos será o mais próspero do mundo entre 2015-2020, com um crescimento médio de 11,4% durante esse período. Atualmente, o maior mercado está na Ásia e no Pacífico, onde esses alimentos movimentaram 15 bilhões de dólares em 2015.

Imagem: Pixabay/CC

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