Até 30% dos frangos podem estar contaminados por Salmonella; saiba como se proteger

Legislação permite que frangos sejam comercializados mesmo com a contaminação, pois hoje é impossível erradicá-la. Cuidados no manuseio também são necessários com ovos.

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A probabilidade de um frango comprado em um supermercado, açougue ou qualquer outro estabelecimento estar contaminado com a Salmonella são grandes. Segundo levantamentos do Departamento de Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR), publicados em 2019 no Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science e no Brazilian Journal of Microbiology, cerca de 30% dos frangos comercializados no estado, o maior produtor do Brasil, entre 2007 e 2013, estavam contaminados com a bactéria.

O estudo realizou uma avaliação de todos os estabelecimentos do Paraná que recebem visitas do Serviço de Inspeção Federal. A alta porcentagem encontrada supera os dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), presentes no Anuário dos Programas de Controle de Alimentos de Origem Animal do DIPOA de 2023, que apontam 18% de amostras positivas em uma análise com 2.980 carcaças de frangos e galinhas.

A alta carga de bactérias ocorre por diversas dificuldades na criação do animal, que impossibilitam a eliminação completa do patógeno. É por esse motivo que, inclusive, é permitido pelo MAPA, na Instrução Normativa nº 20, de 2016, a presença de até 12 carcaças de frango ou galinha positivas para Salmonella em grupos de 51 frangos analisados (23,5%).

“Seria um erro proibir totalmente a Salmonella, pois isso seria impossível de ser cumprido pelos produtores. A instrução vigente hoje considera que cerca de 25% dos frangos e galinhas estejam contaminados, um valor próximo do número de carcaças obtidas em diversos levantamentos. A tendência é que, com o passar dos anos, com a evolução das formas de combate à bactéria, a legislação se torne cada vez mais rigorosa”, afirma Luciano Bersot, professor da UFPR e coordenador do levantamento.

No entanto, isso não é motivo para desespero, pois eliminar a bactéria durante o preparo do alimento na cozinha é uma tarefa relativamente simples. “A manipulação correta começa na aquisição do produto. Neste momento, devemos sempre verificar a integridade da embalagem, se apresenta selo do serviço de inspeção sanitária, se o produto está dentro do prazo de validade e se está armazenado em um local com a temperatura correta, refrigerado ou congelado. Em seguida, devemos armazená-lo na nossa geladeira ou refrigerador o quanto antes, para que o produto não esquente e o líquido do descongelamento do frango escorra para outros alimentos — podendo assim ter uma contaminação cruzada. Ao preparar o frango, precisamos cozinhá-lo em uma temperatura superior a 70 °C, a fim de eliminar a Salmonella e até outros patógenos potencialmente presentes. Após o cozimento, deve-se higienizar bem todos os utensílios usados para evitar que o caldo do frango contamine outro alimento que cozinharmos depois”, explica o docente. Todas as superfícies que tiveram contato com o frango cru ou utensílios usados também devem ser higienizadas.

Em virtude da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 13, de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), essas orientações devem estar descritas nas embalagens dos alimentos. No entanto, segundo levantamento realizado pelo grupo de Bersot, apresentado no Congresso Brasileiro de Microbiologia, em 2017, 70% dos entrevistados não conheciam a lei ou não sabiam que essas informações estavam no rótulo. “Muitas vezes elas estão no fundo ou no verso da embalagem e com letras pequenas. É necessário que a indústria melhore a legibilidade dessas orientações e que sejam feitas campanhas de conscientização incentivando a leitura”, aponta o pesquisador.

Caso as práticas não sejam adotadas, ao ingerirmos o frango estamos sujeitos à salmonelose, nome dado à doença causada pela bactéria, e que tem como principal sintoma um quadro de gastroenterite, que causa diarreias, náuseas e vômitos e pode ser perigoso, sobretudo, aos grupos imunossuprimidos, e das crianças e idosos.

“A Salmonella é um organismo complexo, com mais de 2.600 sorovares [também conhecidas como ‘variantes’], então a gravidade da doença varia bastante de acordo com o sorovar e com a pessoa. Além dos imunossuprimidos, há também um risco significativo para pessoas que fazem tratamento para gastrite, pois as terapias alteram o pH do estômago, o que enfraquece a proteção contra a Salmonella”, afirma Maristela da Silva do Nascimento, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP. “Vale destacar que as Salmonelas são resistentes a diversas classes de antibióticos, dificultando o sucesso do tratamento da infecção”, acrescenta Bersot.

Também é preciso tomar cuidado com os ovos - A salmonelose também pode ocorrer após a ingestão de ovos contaminados. Essa contaminação é mais rara, com cerca de 0,3% a 0,5% de chance de encontrar Salmonella a cada mil ovos (quatro a cada mil), conforme aponta a literatura internacional, mas nem por isso deve ser descartada. Além disso, pelas características da criação de ovos no Brasil, pode ser que o número de contaminações no país seja muito maior.

“A gente tem o agravante no Brasil que é a criação de ovos caipiras de criação domiciliar em pequenas propriedades rurais, onde os órgãos de vigilância sanitária têm pouco ou nenhum acesso. E as aves que criam esses ovos, via de regra, não passam por nenhum tipo de controle sanitário, o que inclui a vacinação contra a Salmonella”, afirma Nascimento. “Por esse motivo, não temos dados claros sobre a prevalência da Salmonella em ovos no nosso país”, complementa.

Para prevenir esse tipo de contaminação, é essencial evitar, primeiramente, o consumo de ovos criados nessas condições. Caso o consumo seja feito, tanto desses ovos como dos ovos de granja, como são conhecidos aqueles criados em grandes galpões, que encontramos em supermercados e há o controle da cadeia produtiva, é necessário cozinhar ou fritar bem o ovo.

“O ideal é que o ovo, seja na panela ou na frigideira, seja bem cozido até ficar com a gema dura. Evitar o consumo cru ou de gema mole, assim como o ovo líquido, muito utilizado em receitas como mousses e maioneses. Para essas ocasiões, o ideal é utilizar a gema ou a clara pasteurizada, que são envasados de forma isolada”, detalha a professora. “Para bolos, farofas e outras preparações que utilizam o forno não há preocupação, pois para fazê-las o ovo atingirá a temperatura correta”, acrescenta.

Recomendações sobre não comer o ovo cru e mantê-lo sob refrigeração estão dispostas nas embalagens, conforme exigência da Anvisa na RDC nº 727, de 2022.

Como as aves se contaminam - Por serem considerados animais de sangue quente, uma vez que sua temperatura corporal é por volta dos 42 °C, quando o intestino das aves está contaminado com Salmonella, elas podem liberar a bactéria em suas fezes e contaminar umas às outras.

“Para que a ave esteja com salmonelose e transmita a doença aos humanos, estima-se que é necessário ter em seu intestino um contingente de mais de um milhão de bactérias — quantidade muito superior à encontrada normalmente em aves saudáveis. Número esse que, no entanto, varia bastante de acordo com os mais de 2.600 sorotipos”, explica Nascimento.

Esse contingente extra de Salmonella pode ser absorvido de diversas formas. A principal delas é a horizontal, que ocorre pela via orofecal, quando a ave coloca seu bico em objetos contaminados. Nas galinhas ocorre também a transmissão vertical, que é a contaminação de mãe para o ovo e o filhote pelo aparelho reprodutivo. “Ainda pode acontecer do ovo ter uma trinca ou rachadura e se contaminar pelo ambiente”, detalha a docente.

A contaminação do frango e da galinha acontece principalmente nas granjas, onde, na avicultura contemporânea, as aves são criadas juntas em confinamentos dentro de galpões. Essa medida é adotada para que haja um controle da produção e para que o frango ganhe peso mais rápido, a fim de servir porções maiores e diminuir ao máximo o tempo de abate — a média atual no Brasil é de 42 dias de vida do animal.

No entanto, no confinamento, as aves não pisam diretamente no solo, mas sim na chamada cama de frango, uma espécie de serragem que acaba, muitas vezes, sendo utilizada por vários dias. Assim, essa cama pode ser contaminada e contaminar outros animais à medida que grandes quantidades de aves depositam seus excrementos nela. Além disso, existem riscos de contaminação cruzada, em função do descumprimento ou má condução de práticas de biossegurança, como a higienização de equipamentos, e a ingestão de águas e rações contaminadas.

A contaminação por alguns sorotipos patogênicos de Salmonella específicos de aves pode levar esses animais a óbito. Isso acontece depois que as bactérias colonizam as células do intestino, gerando um quadro de gastroenterite, e que, após se instalarem no intestino, essas bactérias passem a circular na corrente sanguínea, no fígado e em outros órgãos, o que causa diversas inflamações.

“A disseminação da Salmonella pode ser mitigada, porém nunca eliminada, tendo em vista que a quantidade de frangos abatidos é muito grande [só no interior do Paraná há municípios que abatem mais de 700 mil frangos por dia]. Com o que temos disponível hoje, não é possível eliminar completamente o patógeno na criação dos frangos. E assim precisamos conviver com a bactéria, e adotar diversas práticas para controlar a sua circulação”, aponta Bersot.

Quais práticas são essas? - O MAPA, por meio da Instrução Normativa nº 20, de 2016, também estabelece um Plano Nacional de Controle da Salmonella, que apresenta diversas recomendações. Entre elas, destacam-se testes frequentes para a pesquisa da Salmonella nos animais e o vazio sanitário, um procedimento em que, após a retirada de um lote de aves e a chegada de um próximo, é feita a troca da cama de frango e uma desinfecção rigorosa nos galpões.

Além disso, é estabelecida nessa lei a necessidade de vacinar o animal contra a Salmonella, fornecer água e ração de boa qualidade, restringir o acesso de pessoas externas aos galpões e de animais silvestres, que podem trazer a salmonela de insetos. Assim como outros cuidados na indústria, no que diz respeito ao tempo e a temperatura do ambiente no momento do abate, a necessidade de um sistema de higienização dos equipamentos, entre outros.

“Também há condutas que devem ser adotadas após o diagnóstico de Salmonella. Entre elas está a destinação de lotes positivos para o cozimento prévio na indústria, a fim de eliminar a Salmonella antes da sua comercialização, e o abate dos lotes positivos em momento separados dos lotes negativos para evitar uma nova contaminação — isso se o índice de contaminações for inferior a 12 casos por 51 frangos”, detalha o professor.

“No caso das galinhas criadas para a produção de ovos, quando há uma contaminação, todo plantel de aves é descartado. Mas esses ovos ainda podem ser pasteurizados e envasados para uso líquido, um potencial ainda pouco explorado pela indústria”, acrescenta a professora Maristela. “Vale destacar que são aplicadas vacinas específicas contra alguns sorotipos, mas não há vacinação para todos os 2.600 sorotipos da Salmonella”, complementa.

“Os procedimentos de controle e eliminação de Salmonella são extremamente rigorosos, pois a bactéria gera um prejuízo enorme aos produtores, que podem ter que descartar lotes que chegam a contar com mais de um milhão de aves. Por isso, costumo brincar que granjas para produção de aves para comercialização são um ambiente mais limpo do que em um hospital e é um local mais difícil de acessar. Mas nem isso é suficiente para garantir risco zero contra a contaminação por Salmonella”, afirma Nascimento.

Novas tecnologias em desenvolvimento - Além dos procedimentos previstos por lei, as empresas do campo aplicam diversos outros processos para a eliminação da Salmonella, e seguem desenvolvendo, em conjunto com a academia, novas tecnologias para um dia erradicar as contaminações.

Alguns exemplos já introduzidos no campo são as rações com probióticos para ajustar a microbiota intestinal das aves e assim dificultar a infecção por Salmonella, e a aplicação de bacteriófagos específicos contra o patógeno. Bacteriófagos são vírus que infectam apenas bactérias e atuam de forma muito específica. Além deles, estão em desenvolvimento vacinas que sejam válidas contra as sorovares da Salmonella para os quais hoje não há imunização; ácidos e óleos essenciais extraídos de plantas para uma proteção mais potente da cama de frango também são estudados para aplicação.


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