Seletividade alimentar é barreira na nutrição de crianças com Transtorno do Espectro Autista

Recusa a alimentos e até a categorias inteiras, como legumes e outros vegetais, é o principal fator para levar essas crianças ao ganho ou à perda de peso. Isso pode ser combatido com uma reintrodução aos alimentos de forma adequada, sem necessitar de dietas especiais.

Nutrição na medida

A alimentação para a criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) exige um cuidado especial. Isso ocorre porque algumas crianças no transtorno têm seletividade alimentar, o que aumenta a preferência por industrializados e, consequentemente, favorece o ganho de peso ou a sua perda. A seletividade começa a dar sinais por volta dos 18 meses de vida até os seis anos, e pode afetar o desenvolvimento da criança, pois ela passa a recusar alguns alimentos e até categorias inteiras, como legumes e outros vegetais. A boa notícia é que já existem estratégias para melhorar esse quadro, algo que vem sendo pesquisado e aplicado por uma nutricionista do Instituto Santos Dumont (ISD), situado em Macaíba (RN).

“A seletividade alimentar é comum para boa parte das crianças, mas é um problema mais acentuado em algumas crianças com TEA, porque elas gostam de previsibilidade. Portanto, elas hesitam em comer uma fruta porque pode estar mais madura ou menos doce do que a mesma fruta que ela comeu anteriormente. Por isso, acabam preferindo o alimento industrializado, que mantém praticamente sempre o mesmo padrão”, explica Luciana Câmara, nutricionista que integra a equipe multidisciplinar que atende pessoas autistas no ISD.

Câmara atua há dois anos em conjunto com médica neurologista, fonoaudióloga, psicóloga e terapeuta ocupacional. Seu trabalho é direcionado exclusivamente para crianças e consiste em fazer uma educação nutricional, visando à introdução de alimentos mais saudáveis. “Trata-se de um processo que pode levar tempo, já que a criança pode rejeitar o mesmo alimento até 20 vezes antes de decidir experimentá-lo novamente”, conta a nutricionista.

Exposição gradual – “O que não podemos fazer é deixar de expor a criança ao alimento, pois ela entende isso como um sinal de que está certa ao não comê-lo. Por isso, meu trabalho é encontrar novas formas para incitar a criança a se aproximar desse alimento, com base no que ela já gosta, e ir colocando-o aos poucos na sua rotina alimentar. O que eu faço é dar estratégias para a família. Por exemplo, se uma criança gosta de alimentos empanados, mas não come frango, sugiro empanar um frango e oferecê-lo em pequenas quantidades. Caso ela aprove, vamos modificando a textura do frango aos poucos, até ela se sentir confortável para comer o frango sem nenhum empanamento”, detalha. “É de suma importância nunca mentir para a criança. Caso contrário, ela poderá perder a confiança em você, o que poderá atrapalhar a inserção de novos alimentos”, destaca.

A alimentação voltada para crianças com TEA também tem como particularidade a redução de açúcar. “É sabido que o excesso de açúcar pode deixar a criança mais agitada”, afirma a nutricionista. No entanto, ainda não há um consenso na literatura que aponte uma dieta específica na qual as crianças autistas possam se beneficiar, apesar de muitas pessoas sugerirem dietas com isenção de glúten e caseína – a principal proteína do leite”.

Além da educação nutricional, Câmara também orienta os pais de seus pacientes a criarem uma rotina de horários para a alimentação. “Caso contrário, a criança poderá ficar beliscando o dia todo e não terá vontade de comer na hora de fazer as refeições”. Assim como lidar com o problema com mais leveza. “Oriento a não exercer pressão ou dar punições caso elas deixem de comer algum alimento ou não comam tudo, pois elas podem associar a refeição a algo ruim”.

Cozinha terapêutica - O ambulatório de atendimento a crianças no TEA no ISD, onde Câmara atua, presta atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e é referência para cinco municípios da região metropolitana de Natal, incluindo a capital. Lá, a nutricionista também realiza atividades que buscam aumentar o conhecimento das crianças sobre os alimentos, a exemplo da “Cozinha Terapêutica”.

“É uma atividade na qual eu levo as crianças até a cozinha e as ajudo a preparar uma receita. Com isso, elas tocam, cheiram e brincam com uma grande diversidade de alimentos, o que contribui para reduzir a seletividade alimentar, uma vez que elas se aproximam do alimento sem pressão", conta Câmara, que já atendeu 60 pacientes no espectro ao longo dos últimos dois anos.

“Muitos dizem que a criança não pode brincar com a comida, mas às vezes fazer bagunça e se lambuzar é a forma para elas conhecerem e tolerarem alguns alimentos. Falo ‘conhecerem’ porque é comum que elas não saibam como é o alimento in natura. Um exemplo disso foi quando perguntei se conheciam batata frita e todas disseram que sim, mas quando perguntei da batata inglesa poucas levantaram a mão”, acrescenta. Para Câmara, isso é importante para dar autonomia para a criança quando se trata de alimentação. “Incentivo sempre os pais a contarem com a ajuda das crianças na cozinha.”

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