Dieta de atletas deve estar relacionada ao tipo de esforço físico

Você sabia?

27/10/2020 - Muita coisa pesa no desempenho de atletas dedicados a modalidades distintas de esporte, incluindo a alimentação. O professor do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), Bruno Gualano, explica que geralmente as modalidades esportivas são divididas pelo tipo de esforço que o atleta realiza. Assim, no que tange à nutrição, o que se recomenda, no geral, é o seguinte: para atletas que se dedicam a atividades de longa duração (corridas, montanhismo, escalada etc), uma dieta com alimentos ricos em carboidratos é muito importante para fornecer glicose. Já para aqueles engajados em treinos de força, recomenda-se o consumo de alimentos de alto teor de proteína, como carnes, ovos e leite, pois eles oferecem os aminoácidos essenciais que o organismo não consegue produzir. Para ambos os tipos de atletas, no entanto, uma dieta equilibrada é recomendada. 

Quanto às fontes, tanto de carboidratos como de proteínas, Gualano acrescenta que é uma questão mais complexa, não somente por não ser consenso entre os cientistas, mas também porque depende muito do paladar e das preferências de cada esportista. Segundo ele, no caso dos atletas que fazem atividades aeróbias, há uma variedade muito grande de carboidratos que podem fazer parte da dieta. “Vai depender muito das preferências de cada atleta, do que ele gosta de comer. O que não é interessante é a monotonia alimentar que cerca algumas modalidades, como, por exemplo, a batata doce para quem faz treino de força, como se não houvesse carboidrato em outros alimentos além dela.”

Gualano ressalta que, embora haja diferença na quantidade de carboidratos ou proteínas que os diversos alimentos contêm, se o indivíduo tiver a preferência por um ou outro alimento ele pode adequar a sua dieta. “No caso de atletas que se dedicam a treinos de força, recomenda-se a ingestão de carne, ovos, laticínios, proteína de soja, peixes; enfim, de alimentos que sejam boas fontes de proteínas, para maximizar o ganho de massa muscular. Mas sabemos, por exemplo, com base em um estudo do grupo de pesquisa em Fisiologia Aplicada em Nutrição da Faculdade de Medicina da USP, que seja o praticante vegano ou onívoro, a capacidade de ganho muscular com treinos de força é a mesma, contanto que as dietas sejam bem planejadas.”

Em resumo: o atleta vegano consegue suprir suas necessidades diárias de proteínas e de outros nutrientes comendo aquilo que é de sua preferência, desde que siga uma dieta adequada e bem orientada. “Existe muito mais flexibilidade no sistema fisiológico do que as pessoas imaginam.”

Nutrição clínica x nutrição esportiva – Ao falar de carboidratos, o professor faz questão de diferenciar nutrição clínica e nutrição esportiva. “Na nutrição clínica, faz sentido pensar que existem alimentos menos nocivos do que outros quando consumidos em excesso. Na nutrição esportiva, o contexto é um pouco diferente: no caso dos atletas que fazem exercícios de longa duração [atividades aeróbias], estamos falando de esportistas fisicamente muito ativos e que necessitam de um aporte alto de carboidratos.”

Ele reitera que os açúcares (glicose, sacarose etc), que não costumam ser utilizados na nutrição clínica, têm uma importância enorme para esse esportista, que depende muito da quebra de glicose para obtenção de energia. O carboidrato simples gera uma resposta mais imediata, tanto ao ser metabolizado quanto para repor o carboidrato que o indivíduo produz endogenamente: o glicogênio muscular e o glicogênio hepático.

“Por isso, em algumas circunstâncias utilizamos, sim, com esses atletas, o carboidrato simples, que também está presente em açúcares, doces, pães.... Talvez seja a única população para a qual se faz esse tipo de recomendação nutricional, porque o que esse atleta ingere de açúcar ele tende a metabolizar, não vai ficar acumulado no organismo”, ressalta.

Segundo ele, a flutuação do acúmulo do açúcar contido no carboidrato ingerido, no organismo desse atleta, é um ponto chave. “O atleta abastece o músculo com glicogênio, por exemplo, e gasta ao realizar a atividade física. Então abastece de novo, repõe. E gasta novamente... E assim sucessivamente. Essa flutuação que acontece em seu organismo faz com que o consumo de carboidrato simples não seja um problema para a saúde metabólica dele. O que acontece com o ‘mero mortal’, que não faz tanta atividade física assim? Ele consome em excesso, e acumula. E esse acúmulo tem repercussões metabólicas não benéficas para ele.”

O atleta que se dedica a modalidades de longa duração muitas vezes tem de consumir carboidrato durante a prova, e pode fazer isso de diversas maneiras. “Ele pode consumir o alimento mesmo, se não tiver desconforto gastrointestinal, mas geralmente prefere os suplementos, que podem ser à base de maltodextrina, de frutose, ou de glicose (isolada). Há muitas opções de suplementos.”

Nesse sentido, diz o pesquisador, as diretrizes nutricionais para o atleta são um pouco diferentes daquelas que servem para o indivíduo comum que busca saúde. “Mas é evidente que se formos pensar na dieta do indivíduo como um todo, valem as mesmas recomendações: é importante uma alimentação variada, uma dieta rica em alimentos in natura e moderada em alimentos processados... Isso vale para todo mundo.”

O professor lembra, por fim, que o atleta mira desempenho, e isso não faz dele exemplo para um indivíduo que está atrás de saúde ou de um efeito estético ao praticar uma atividade física. “A confusão dessas diretrizes acaba gerando um problema grande, porque a dieta do atleta não é necessariamente saudável para um indivíduo comum, que pratica esporte sem visar ao desempenho. A dieta do atleta mira o desempenho. O treino do atleta não é necessariamente saudável, o stress ao qual ele é submetido não é sinônimo de saúde. Portanto, a dieta e os hábitos do atleta não podem servir de baliza para uma pessoa comum, que pratica esportes para manter a forma, a saúde, ou ambos.”

Tradição e superstições – Segundo Gualano, existem muitas superstições e tradições alimentares que cercam determinadas modalidades. Tanto entre aqueles que realizam treinos de força quanto de resistência. “Alguns atletas de fisiculturismo, por exemplo, modalidade que envolve treino de força, consomem muita batata doce e whey protein; alguns não tomam leite, porque acham que engrossa a pele, e comem uvas passas, pois acreditam que elas colaboram para dilatar os vasos sanguíneos e deixar as veias mais à mostra”, conta ele, acrescentando que cada esporte tem a sua crença, seu mito, e mesmo sua tradição alimentar. “Jogador de futebol come macarrão com frango em dias de jogo: é um ‘clássico’, embora existam muitos outros alimentos que contêm o carboidrato e a proteína que eles estão ingerindo naquela refeição. O que acontece, às vezes, é que os responsáveis pela nutrição dos atletas não conseguem ‘fugir da receita’.”

Os mitos também chegam à pessoa comum que busca saúde frequentando uma academia, correndo ou fazendo outro esporte qualquer. “Um exemplo: não existe nenhuma evidência científica sobre o consumo de banana para prevenção de cãibra. Mas todo mundo acha isso, porque por muito tempo se pensou que a ocorrência de cãibras fosse devida à falta de potássio no organismo, e a banana contém certa quantidade de potássio, embora outras frutas, como abacate e uvas passas, tenham muito mais. Não se sabe exatamente o que causa as cãibras. Há indicações de que elas são um problema causado por múltiplos fatores, incluindo a fadiga induzida pelo exercício extremo. O mito, entretanto, segue em frente e as pessoas comem banana antes de treinar. Não é ruim: é uma fonte de carboidrato.”

Empréstimo de conhecimento – De acordo com o pesquisador, as modalidades esportivas mais novas, a exemplo das que entraram na lista dos esportes olímpicos recentemente – como skate, surf e escalada – deveriam ter uma diretriz nutricional que as guiasse, o que nem sempre ocorre. “É por isso que, no geral, dividimos as modalidades pelo tipo de esforço que se faz: para ficar mais fácil agrupar aquele conjunto de atividades em uma diretriz já existente. Uma limitação dessa abordagem é que não há diretrizes específicas para todas as modalidades existentes. O que se faz, nesse caso, é ‘emprestar’ o conhecimento de outras modalidades. Não é o ideal, mas ocorre pela falta um conhecimento mais específico.”

Ele afirma que nas modalidades em que é necessário potência e resistência aeróbia, como futebol ou surf, por exemplo, é possível fazer as combinações necessárias na dieta do atleta. “A maior dificuldade é encontrar evidências com relação aos suplementos ergogênicos, que são aqueles que melhoram o desempenho em uma prova específica, como a creatina, por exemplo. Sabemos que ela melhora força em várias modalidades esportivas, mas, e no surf, qual é seu efeito? Não sabemos, porque não temos estudos para isso. Temos estudos mostrando seu impacto em outras modalidades. Mas, nesse caso, não é possível extrapolar os efeitos da creatina de uma modalidade para outra. É preciso testar na modalidade específica para ver se funciona.”

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