07/10/2019 - Os ácidos graxos ômega 3 tornaram-se populares como promotores de bem-estar desde que um estudo com inuítes (esquimós), feito na década de 1970 comparando migrantes e remanescentes, revelou que esses, com dieta rica em peixes, tinham menos incidência de doenças cardiovasculares do que os que haviam migrado para as cidades. Nas décadas seguintes, a ingestão dos ácidos graxos ômega 3 em forma de suplementação (cápsulas) passou a ser conectada com a redução dos triglicerídeos (TG) e das respostas inflamatórias do organismo.
Como as doenças cardiovasculares custam caro para o Sistema Único de Saúde (SUS), a nutricionista Cínthia Roman Monteiro resolveu investigar se valeria a pena, economicamente, que o SUS realizasse tratamentos à base de cápsulas de óleo de peixe (ômega 3 de origem animal) na tentativa de reduzir riscos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV). O resultado da pesquisa foi, no mínimo, surpreendente. Ela concluiu que o impacto do ômega 3 na redução de risco de doenças cardiovasculares foi mínimo, considerando os parâmetros avaliados, além de ser muito caro para o SUS.
A pesquisa é fruto de sua tese de doutorado no PRONUT – Programa de Pós-graduação Interunidades em Nutrição Humana Aplicada da USP, que envolve a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF/USP); a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP) e a Faculdade de Saúde Pública (FSP/USP). Cinthia contou com duas orientadoras: a economista Denise Cavallini Cyrillo, da FEA/USP, e a nutricionista Nágila Raquel Teixeira Damasceno, da FSP/USP.
“Fiz uma análise custo-efetividade, ou seja, avaliei o custo em função das melhorias em termos clínicos que seriam geradas: quantos reais seriam gastos por decilitro de colesterol total reduzido; por decilitro de triglicerídeos reduzido.... A análise foi feita em unidades clínicas”, resume Cínthia, professora do Centro Universitário São Camilo.
“Só vimos redução da HDL pequena, mesmo assim em indivíduos que também tomaram estatina. A HDL é o que se chama popularmente de colesterol bom. Mas alguns estudos apontam que uma grande quantidade de HDL pequena – ou seja, lipoproteínas muito pequenas em tamanho – também pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares.”
A pesquisadora afirma que esperava, ao menos, um impacto significativo na redução dos triglicerídeos (TG), efeito já atribuído ao ômega 3, o que não foi observado. “Eu não recomendaria ao SUS oferecer o tratamento com cápsulas de ômega 3, pelos resultados que obtive. A redução de 2,211 mg por decilitro de HDL pequeno em um paciente custaria, pelos meus cálculos, em um tratamento de dois meses, R$ 241,68. Ou seja: seriam R$ 109,71 para cada 1 mg/dL reduzido. É muito caro.”
Grupo pesquisado – Cínthia trabalhou com dados do projeto Cardionutri, da professora Nágila, em que 186 pacientes homens e mulheres, entre 30 e 74 anos, ingeriram voluntariamente cápsulas de ômega 3 (74 voluntários); de estatina (26 voluntários); de ambos (19 voluntários) ou placebo (67 voluntários). A estatina é um medicamento que reduz o colesterol e que é bem mais barato do que as cápsulas de ômega 3. “O desenho do estudo permitiu eliminar o impacto das estatinas, uma vez que houve um grupo de pacientes que não fazia o uso de medicamentos. Apesar disso, o tamanho amostral ainda é considerado pequeno, o que sugere que as ferramentas testadas sejam aplicadas em outras populações e amostras maiores.”
Segundo Cínthia, embora a metodologia utilizada seja robusta dentro das técnicas de econometria, não se pode desconsiderar o cenário atual, em que algumas estatinas são subsidiadas pelo governo, enquanto nenhum suplemento à base de ômega-3 possui tal benefício. “Ou seja, enquanto o custo do ômega-3 é o de livre mercado, as estatinas fazem parte de políticas públicas de subsídio.”
Comparando os resultados de cada grupo, ela projetou um cenário de tratamento de dois meses, levando-se em conta não somente os gastos com as cápsulas (ômega 3 e estatina), mas as consultas médicas, os exames periódicos e até medicamentos utilizados para minimizar os efeitos indesejados das cápsulas de ômega 3, como mal-estar gástrico, por exemplo.
Cínthia afirma que seus resultados estão alinhados com as últimas revisões sistemáticas e meta-análises realizadas com a suplementação com ômega 3 nos anos de 2018 e 2019. “Elas mostram que os estudos não estão conseguindo sustentar os benefícios da suplementação com cápsulas de ômega 3, assim como mostraram meus resultados.”
Metodologia complexa – A nutricionista atribui seus resultados ao método utilizado para a análise, chamado pelos economistas de Diferenças em Diferenças, ou Diff-in-Diff . “Selecionei algumas variáveis que podem ser avaliadas com um simples exame de sangue: colesterol total, TG, LDL, HDL. Essas variáveis, além de serem fatores de risco para as Doenças Cardiovasculares, são obtidas por meio de exames de rotina não muito caros e consequentemente fáceis de serem acompanhadas pelo SUS.” Além desses parâmetros tradicionais, ela investigou também o efeito da ingestão do ômega 3 sobre o tamanho das lipoproteínas – HDL, LDL.
“Inseri no modelo estatístico, para complementá-lo, outras variáveis que poderiam influenciar o resultado como, por exemplo, mudança de dieta ou início de atividade física. É o que se chama de ‘variáveis de confusão’. Assim, consegui avaliar efetivamente o efeito líquido das cápsulas de ômega 3, considerando o peso dessas variáveis”, explica.
As variáveis de confusão inseridas no modelo foram: estado nutricional, prática de atividade física, consumo alimentar (em kcal), idade, sexo, escolaridade, número de cápsulas ingeridas (representativas do grau de adesão), raça e tabagismo. Cínthia afirma que elas são importantes para que o modelo estime o efeito líquido do ômega 3 sobre os fatores de risco para as DCV.
“Acreditava-se que o ômega traria efeitos benéficos tanto em nível primário (que diz respeito ao risco de aparecimento de uma doença cardiovascular) quanto em nível secundário (quando o foco são pessoas que já tiveram uma ocorrência de problema cardiovascular e correm o risco de desenvolver uma outra doença do gênero). Eu avaliei em nível primário. E descobri que não há resultado que justifique o tratamento pelo SUS.”
A pesquisadora afirma que, apesar desses resultados, há consciência de que os benefícios atribuídos ao ômega-3, apesar de menores que o promovido pelas estatinas e fibratos, envolve múltiplas vias metabólicas cardioprotetoras e, portanto, em conjunto os efeitos biológicos podem ser favoráveis, conforme mostram alguns estudos epidemiológicos.
Quando faz bem? – A pesquisadora ressalta que esses resultados são específicos para suplementação com cápsulas de ômega 3 de origem animal, que pode ser encontrado no salmão, atum, cavalinha, truta, sardinha e outros peixes de águas salgadas, frias e profundas. Isso porque o ômega 3 também pode vir de fontes vegetais, como nozes, canola e linhaça (ácido linolênico).
“O ômega 3 gera efeitos benéficos, sim, mas na forma de alimentação. Até porque, toda vez que alguém escolhe um alimento rico em ômega 3, deixa de comer outros, cuja ingestão em excesso está conectada a doenças cardiovasculares, como a carne vermelha, por exemplo. Assim, o consumo do alimento fonte de ômega 3 é mais recomendável do que o consumo das cápsulas de óleo de peixe.”
De acordo com Cínthia e suas orientadoras, o uso de cápsulas em estudos clínicos é uma estratégia bastante positiva, pois facilita a individualização da intervenção e a avaliação do nível de adesão ao suplemento. Entretanto, para a população em geral, a matriz alimentar sempre será a recomendação de primeira linha, deixando o uso de cápsulas limitado àqueles indivíduos que não consomem peixes por questões particulares.
“Nossos resultados contribuem com as evidências científicas ao convidar pesquisadores da área de economia, saúde e biologia à reflexão sobre o ômega-3 em suas múltiplas dimensões. Ao mesmo tempo, convida a população a escolher fontes alimentares mais saudáveis na hora de preparar suas refeições”, complementa Cínthia.
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Imagem: Steve Buissinne por Pixabay">Pixabay
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