26/09/2019 - Quase todo mundo já ouviu falar sobre transtornos alimentares (TAs), tais como bulimia ou anorexia. São perturbações graves no comportamento alimentar e na imagem corporal, e seus critérios diagnósticos são estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde, no Código Internacional de Doenças (CID), e pela Associação de Psiquiatria Americana, no Manual de Estatísticas de Doenças Mentais (DSM). Mas e o chamado ‘comer transtornado’?
“Transtornos alimentares são doenças psiquiátricas com diagnósticos bem definidos, baseados em características psicológicas, comportamentais e fisiológicas claras”, resume a nutricionista Marle Alvarenga, Coordenadora do GENTA: Grupo Especializado em Nutrição, Transtornos Alimentares e Obesidade, e supervisora do grupo de Nutrição do Programa de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “Já o ‘comer transtornado’ se refere a problemas alimentares relacionados a comportamentos que incluem práticas purgativas, compulsões, restrições alimentares e outros métodos inadequados para perder ou controlar o peso, mas que ocorrem de maneira menos frequente e menos grave do que o exigido para um diagnóstico de TA”, explica.
Ambas as expressões vêm do Inglês: “transtornos alimentares” (eating disorders) e “comer transtornado” (disordered eating). “Este último se refere a um espectro de problemas relacionados à alimentação, que abrange da simples dieta aos transtornos alimentares clínicos. É um termo ainda um pouco vago, até porque não se trata propriamente de um diagnóstico, e sim de um termo utilizado na literatura.”
Marle ressalta que a prática mais comum dentre o que se denomina ‘comer transtornado’ é a adesão a dietas. “A restrição alimentar, ou a redução drástica na quantidade de comida ingerida, são fenômenos que começam, muitas vezes, na adolescência. Eu costumo dizer que é quase um ritual de passagem: é difícil achar uma menina adolescente que nunca tenha feito dieta, por conta até das questões de pressão de grupo. Existem vários trabalhos analisando esse fenômeno, e um deles, particularmente, lança uma questão interessante: se existe um problema de interpretação do que seria fazer dieta. Muitas meninas, ao serem indagadas sobre o tema, dizem que não estão fazendo dieta, só estão tentando cortar algo da alimentação. Elas entendem que dieta é, por exemplo, um regime da moda. Se estão tentando não comer doce, ou cortar isso ou aquilo, não chamam de dieta.”
Comportamentos – Os sintomas típicos dos transtornos alimentares são: restrição alimentar, compulsão e compensação. E, assim como os TAs começam tipicamente na pré-puberdade e na puberdade, o comer transtornado também. “No caso do ‘comer transtornado’ estamos falando de pessoas que chegam a ter esses comportamentos, mas com frequência e gravidade menores. Além disso, o ‘comer transtornado’ inclui outros comportamentos inadequados para controlar ou perder peso, especialmente jejuar, pular refeições, usar substitutos alimentares e fumar mais para não comer”, revela Marle.
Um dos modelos utilizados pelos especialistas para entender os TAs é conhecido como “modelo tripartite”. Segundo ele, a família, os amigos e a mídia são os principais fatores que influenciam o surgimento desse tipo de problema. “Esses fatores levam a uma internalização de questões relativas à alimentação e à imagem corporal. Elas viram verdades para o indivíduo, gerando comportamentos de comparação social. Estes são os mecanismos psicossociais que mediam a insatisfação com o corpo, sendo essa insatisfação o grande gancho também para o ‘comer transtornado’. A mídia, segundo o modelo, é a mais persuasiva dos três. Por incrível que pareça, ela influencia mais do que os pais e os amigos.”
Avaliar a frequência de ocorrência do chamado ‘comer transtornado’ é um desafio, por diversos motivos. “Uma das maneiras em que o termo ‘comer transtornado’ é utilizado pela comunidade científica refere-se a comportamentos de risco para transtornos alimentares, entendendo que a restrição, a compulsão e a compensação podem estar presentes em gravidade menor, mas podem evoluir para uma frequência de gravidade tal que preencha os critérios que nos permitem diagnosticar um TA.”
Ela lembra que, em uma revisão sobre comportamento de risco para transtornos alimentares em adolescentes, envolvendo 76 artigos e publicada por ela e seu grupo no Jornal Brasileiro de Psiquiatria há alguns anos, foram encontrados 27 diferentes termos ou conjunto de termos para caracterizar "comportamentos de risco para TA", e que “comer transtornado” apareceu em segundo lugar, logo atrás de "risco de transtornos alimentares".
Outra dificuldade é que a maioria dos estudos é realizada especificamente com adolescentes ou adultos jovens, no início da universidade, e há uma variabilidade muito grande nos dados.
Insatisfação generalizada – Marle ressalta que há diversos estudos em diferentes lugares do mundo mostrando que a frequência ou a prevalência da insatisfação com o corpo é muito alta. Mesmo em crianças e adolescentes com peso normal. “Na Dinamarca, 32% das crianças com peso normal querem perder peso; na Croácia, 28% destas. Vivemos uma pressão cultural por certos ideais de magreza e beleza que nos fazem internalizá-los, e começamos a ver uma disparidade entre os ideais e o corpo que temos, o que gera uma insatisfação.” Ela reitera que são justamente as pessoas insatisfeitas as mais propensas a adotar qualquer tipo de comportamento, mesmo disfuncional, para modificar seu peso e seu corpo – como é o caso do ‘comer transtornado’.
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