Cafeína tem efeito comprovado na melhora da performance de esportistas

Estudo publicado por equipe da USP derruba mito de que atletas com dieta rica em cafeína não responderiam a suplementos à base da substância; veja em nosso último texto da série "cafeína"

Séries especiais

A cafeína é um dos raríssimos suplementos nutricionais que realmente funcionam para melhorar o desempenho de esportistas, e que tem respaldo científico. Quem afirma é o professor Bruno Gualano, do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), pesquisador na área de nutrição esportiva. Para fins de suplementação esportiva, a substância pode ser consumida de várias formas, geralmente por via oral: em cápsulas, em tabletes, em bebidas energéticas e até mesmo em forma de goma de mascar.

“A cafeína é um dos suplementos mais usados no mundo, principalmente por esportistas de provas de longa duração, corredores, ciclistas. Dez entre dez ciclistas usam a substância, mas também há relatos de que ela pode melhorar a performance de atletas como halterofilistas, por exemplo”, revela Gualano, que também é pesquisador do NAPAN (Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição).

Mas a lua-de-mel dos atletas com a cafeína é recente. Em 2003 ela ainda era considerada doping e fazia parte da lista de substâncias proibidas pela Agência Mundial Anti-Doping (WADA), na classe dos estimulantes. Até essa data, o atleta que tivesse mais de 12µg/mL (micrograma por mililitro) de cafeína na urina era considerado caso positivo de doping.

“Entretanto, havia dificuldade de se estabelecer um limite, porque o consumo da cafeína varia muito culturalmente. Em países onde alimentos à base de cafeína são muito populares, como o Brasil, por exemplo, ela é parte da dieta do indivíduo”, explica Gualano. Assim, em 2004, seu uso pelos atletas deixou de ser proibido, mas apenas monitorado.

Atualmente, ela é mais utilizada por esportistas que se dedicam a modalidades longas como ciclismo de estrada, maratona, competições do tipo Iron Man, e também nas modalidades coletivas, como futebol, basquete, etc. 

Mito no chão – A novidade no meio esportivo, revelada em um artigo publicado pelo grupo de Gualano em 2018 no Journal of Applied Physiology, é que mesmo que o atleta tenha o hábito de consumir alta quantidade cafeína em sua dieta, o efeito da ingestão antes da prova ainda é observado.

“Havia esse mito da tolerância para o desempenho esportivo. Imaginava-se que os atletas que já faziam uso da cafeína em sua dieta não responderiam à ingestão do suplemento antes das provas como os outros. Mas nosso estudo mostrou que os atletas que consomem muita cafeína na dieta respondem tão bem à suplementação quanto os que consomem pouca cafeína. Derrubamos o mito.” 

Para chegar aos resultados publicados, os pesquisadores recrutaram 40 ciclistas e os dividiram em três grupos, de acordo com o consumo de cafeína na dieta: baixo, médio e alto. No laboratório, os ciclistas foram submetidos a três testes físicos de máximo esforço com duração aproximada de 30 minutos, em três dias diferentes. No primeiro dia receberam, em jejum, uma cápsula que continha aproximadamente 400 miligramas de cafeína, o equivalente a cerca de quatro xícaras de café. No segundo dia, nas mesmas condições, receberam uma cápsula de gelatina: um placebo. E, no terceiro, não ingeriram nada.

Quando os cientistas compararam os tempos para completar o exercício, concluíram que quase todos os ciclistas pedalavam mais e mais rápido após engolir a pílula de cafeína, completando seu percurso 3,3% mais rápido, em média, do que haviam feito sem tomar nada, e 2,2% mais rápido do que quando tomaram o placebo. 

“Além de constatar que os ciclistas que costumavam beber grandes quantidades de cafeína todos os dias tiveram o mesmo estímulo que os consumidores leves após receberem o suplemento, apesar de não terem cortado a cafeína da dieta, constatamos também que há um efeito placebo considerável.” O trabalho repercutiu bastante no meio científico, e o artigo também foi objeto de uma matéria no The New York Times

Gualano lembra que não há necessidade de usar muita cafeína na suplementação esportiva, porque os atletas respondem a uma quantidade baixa. “Há um teto para o efeito. A partir de uma certa dose, o indivíduo não responde mais. Estudos que mostram que com 2 a 3 mg/kg (miligramas por quilo de peso) o atleta já apresenta melhora de desempenho. É preciso tomar antes da prova ou do jogo para sentir os benefícios durante a performance.”

Atletas mirins – De acordo com Gualano, há consenso de que não se deve usar suplementos de nenhum tipo em atletas mirins, salvo poucas exceções ou recomendações profissionais.

“Nisso concordam todas as associações de medicina esportiva, nutrição esportiva e de pediatria, mundo afora... salvo alguma recomendação profissional específica. Por exemplo: se o atleta não alcança a quantidade de carboidratos que deveria consumir somente por meio da dieta, por conta de alta carga de treinamentos, aí é outra coisa. Pode-se pensar em suplementar com carboidrato para atingir a necessidade energética do adolescente. Mas, no caso da cafeína, não faz sentido”, diz ele, salientando que há exceções que confirmam a regra.

“As exceções são atletas de elite que ainda são muito novos: por exemplo, nadadoras como a chinesa Ye Shiwen ou a lituana Ruta Meilutyte, que ganharam medalhas de ouro em suas modalidades nas Olimpíadas de Londres, em 2012, respectivamente aos 16 e aos 15 anos de idade. Atletas como essas, ainda que adolescentes, competem em altíssimo nível contra os melhores do mundo, e precisam lançar mão de suplementos específicos para otimizar o rendimento”.

Curiosidade:
Segundo Bruno Gualano, há poucos estudos sobre as interações de suplementos à base de cafeína com outros alimentos ou com outros suplementos. “Essas interações são pouco conhecidas na nutrição esportiva: se há potencialização ou atenuação dos efeitos, se os suplementos agem por mecanismos distintos... No geral, não sabemos até que ponto a interação pode incorrer em risco à saúde para o atleta e eventual piora do seu desempenho, ou mesmo até que ponto ela pode potencializar o rendimento esportivo”

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