Quase todo mundo já ouviu a tradicional lenda da descoberta do café: lá pelas tantas, um pastor etíope percebeu que suas cabras ficavam mais elétricas após ingerir os grãos vermelhos de um certo arbusto. A euforia dos bichinhos, hoje se sabe, deve-se a uma substância chamada cafeína – também encontrada no chá mate, no chá verde, no cacau e no chocolate, no guaraná, nos refrigerantes do tipo “cola” e nas chamadas “bebidas energéticas”, entre outros alimentos.
Ao longo dos séculos, o consumo de cafeína tem sido fonte de discussão, tanto por conta dos atributos da substância quanto de seus efeitos colaterais no organismo. Ela é um estimulante do sistema nervoso central, ao qual são atribuídas qualidades como redução da fadiga e da sonolência, além de efeitos benéficos sobre a concentração, melhora na atenção e na performance esportiva, entre outras tantas. Mas, como nada nesse mundo é perfeito, o excesso de consumo desse alcaloide também acarreta efeitos como taquicardia, insônia, arritmia, ansiedade, dor de estômago e estado constante de alerta.
“É necessário lembrar que a cafeína é uma droga. Ela é social e culturalmente aceita, mas é uma droga. Há relatos de sintomas de abstinência, como dores de cabeça, por exemplo, na literatura sobre o tema. E há circunstâncias em que seu consumo não é recomendado. A alta ingestão por gestantes, por crianças, ou por indivíduos com condições cardíacas como arritmia, por exemplo, não é indicada”, observa Bruno Gualano, professor do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e pesquisador do NAPAN (Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição).
A OMS recomenda uma ingestão máxima de 200 mg/dia de cafeína, mas na verdade é complicado cravar um limite seguro para a ingestão da substância, até porque há indivíduos mais ou menos sensíveis a ela. “A resposta individual é muito diversa e estamos tentando entender o porquê. Existem alterações, ou polimorfismos, que de certa forma predizem uma resposta mais ou menos intensa à cafeína. Teoricamente, quem metaboliza mais lentamente a substância está mais exposto a seus efeitos, tanto positivos quanto negativos, porque ela permanece mais tempo no organismo”, explica o professor.
Para se ter uma ideia de “limites” de consumo, uma xícara de café expresso de 30 mL tem aproximadamente 64 mg de cafeína (e uma latinha de energético de 250 mL tem cerca de 80 mg). De acordo com pesquisa da Euromonitor divulgada no final de 2018, o brasileiro consome em média 839 xícaras de café de 40 mL por ano. Os números indicam que o Brasil responde por 16% do volume total de café consumido no mundo, somadas as categorias torrado e moído, em grãos, em cápsulas e solúvel, tanto dentro quanto fora de casa. Somos os maiores consumidores de café do planeta, excluídas as bebidas à base de café prontas para beber.
Segundo Gualano, uma das dificuldades de mensurar os riscos associados ao excesso de consumo da substância é que há uma variação muito grande da concentração de cafeína nos produtos em que ela é encontrada. “O café expresso de uma padaria pode não ter a mesma quantidade de cafeína encontrada no café expresso de uma cafeteria, por exemplo, e isso concorre para confundir os resultados das pesquisas.”
Ele afirma que é mais fácil saber a quantidade de cafeína presente nos chamados energéticos do que numa xícara de café, porque a rotulagem é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e traz a quantidade de cafeína e de outros estimulantes, como a taurina, contidos na bebida. “Só que, para fazer pesquisa sobre consumo, efeitos e limites recomendáveis, os pesquisadores dependem do relato do indivíduo para estimar sua ingestão. Temos de confiar no que as pessoas dizem e, muitas vezes, nem elas se lembram o que consumiram. Somadas todas essas variáveis, determinar um limite de segurança para ingestão de cafeína acaba se revelando uma tarefa muito complexa.”
Saiba mais:
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