Imagine que você comprou no supermercado um guacamole importado, mexicano. Se eu fosse você, ficaria curiosa a respeito do caminho que aquele abacate temperadinho fez para chegar até a sua mesa, vindo de tão longe, e sendo tão perecível. Faz sentido para você?
Bem, existem alguns tratamentos normalmente aplicados a alimentos para livrá-los de micro-organismos indesejados e alongar sua vida de prateleira, como os tratamentos térmicos (esterilização, pasteurização), a irradiação, e o uso de alta pressão. No caso do nosso guacamole, os tratamentos térmicos estão descartados (imagine como ficaria esse abacate depois de aquecido a uma temperatura de 63 °C ou mais, sendo em seguida resfriado, como acontece na pasteurização) e a irradiação também (alimentos gordurosos, quando irradiados , podem formar substâncias nocivas). Já a tecnologia de alta pressão “cai como uma luva”, conforme explica o professor Marcelo Cristianini, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.
“A tecnologia consiste em colocar um alimento, já em sua embalagem final, em uma câmara que será pressurizada utilizando um fluido, normalmente água. A embalagem tem de ser flexível – vidro e lata, por exemplo, não se pode usar. Esse alimento será processado a pressões que podem chegar perto de 6 mil atmosferas, por um período entre 1 e 6 minutos. E a temperaturas abaixo de 30 °C, ou seja, temperaturas que não causam alterações sobre os nutrientes e os compostos que conferem aroma, sabor e cor aos alimentos.”
De acordo com ele, a tecnologia de alta pressão é um processo não térmico que visa eliminar bactérias deteriorantes e patogênicas dos alimentos e que tem algumas vantagens em relação aos processos térmicos. “Nos processos em que existe condução de calor, a geometria e o volume daquilo que é processado são importantes. Na alta pressão, o processo é instantâneo e isostático, ou seja, a aplicação da pressão independe do volume do que é processado. O tempo de processamento é o mesmo para uma embalagem de 100 mL, 10 litros ou 500 litros.”
A segunda vantagem, segundo ele, é que, por não usar altas temperaturas, as alterações nutricionais e sensoriais dos alimentos são mínimas. Por isso, é bastante indicado para alimentos sensíveis a tratamentos térmicos como açaí, água de coco, polpas de frutas diversas, sobretudo as mais viscosas, além de sucos. “É o que chamamos de tecnologia emergente, mas isso não significa que seja nova. O primeiro artigo que o descreve é do final do século XIX.”
A alta pressão pode ser aplicada a qualquer tipo de alimento. De acordo com o engenheiro de alimentos há no mundo, hoje, pouco mais de cem máquinas em operação, a maioria nos países desenvolvidos. “Estados Unidos, Europa e Ásia já usam. O México usa muito, justamente por causa do guacamole.”
Cristianini esclarece que a tecnologia de alta pressão não tem apenas aplicações de extensão de vida de prateleira dos alimentos, mas também se presta para a extração de componentes e de resíduos dos alimentos. “Uma das vantagens é que a alta pressão quebra células facilitando a extração de bioativos e aumentando, assim, a biodisponibilidade, para o organismo, dos nutrientes e dos compostos presentes nos alimentos.”
O processo possibilita, ainda, o amaciamento de carnes, e também pode ser usado para evitar recontaminação em produtos cárneos já pasteurizados e fatiados posteriormente, por exemplo. “A indústria de cárneos usa muito a alta pressão. Um bloco de presunto já sai pasteurizado do processo produtivo, mas quando é fatiado, na própria fábrica, há recontaminação – que pode se dar pelo ambiente, pela faca, pela pessoa que manuseia o equipamento.... Se a recontaminação for apenas com micro-organismos deteriorantes, menos mal, porque isso só reduz a vida de prateleira do produto no supermercado. Mas mesmo isso pode ser evitado se a bandeja com o produto fatiado passar pelo processo de alta pressão. É como uma repasteurização, mas sem perda de qualidade.”
Nichos especiais – Como toda tecnologia, a alta pressão também tem desvantagens. “A principal delas é que o processo é feito por batelada, e não em fluxo contínuo. Você coloca uma quantidade de alimentos no equipamento, fecha, processa, tira, coloca outra e assim por diante. Os processos térmicos, contínuos, ganham em velocidade e volume processado.”
Cristianini afirma que já existem máquinas de alta pressão em fluxo contínuo, mas que a construção desse tipo de equipamento é muito complexa e que o custo, muitas vezes, não é compensatório. “Estamos falando de pressões acima de 6 mil atmosferas. Qualquer componente desse equipamento tem de suportar altas pressões. Isso encarece muito o produto, além de conferir a ele uma característica não linear em termos de escala. Significa que os custos são exponenciais. Um exemplo: se eu quiser aumentar em cem litros a capacidade de uma autoclave de 500 litros, eu vou gastar muito dinheiro para aumentar um pouco a minha capacidade de processamento. Diferentemente de um trocador de calor (usado na na pasteurização) que funciona com placas, por exemplo, em que o custo é correlato ao número de placas que são colocadas.”
Para o engenheiro, a alta pressão não é uma tecnologia que irá substituir os processos térmicos, mas que ficará restrita a nichos específicos, especiais. “Quem quiser pagar mais caro por um suco recém extraído, com propriedades sensoriais mais próximas às do natural, vai ter esse produto à disposição. Porque o produto vai chegar mais caro para o consumidor.”
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Imagem: Pixabay
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