FoRC e IPEN trabalham juntos em pesquisa sobre irradiação de alimentos

Cientistas querem saber se os subprodutos formados pela irradiação em alimentos altamente gordurosos se depositam no fígado do consumidor.

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Utilizada há mais de 60 anos, a irradiação de alimentos é uma técnica que vem sendo aplicada para reduzir a níveis bem baixos a contaminação microbiológica em alimentos que possam conter carga de micro-organismos (como especiarias, por exemplo) e para inibir o brotamento em alimentos como batata, alho e cebola. Agora, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP), trabalham para saber se essa técnica, quando utilizada em alimentos com alto teor de gordura, gera algum dano para o fígado dos consumidores.

“A técnica é segura quando aplicada com finalidade definida e nas doses requeridas, mas nem todos os alimentos podem ser processados por radiação. Um bom exemplo são alimentos com alto teor de gordura, mais susceptíveis à oxidação lipídica. Nos alimentos gordurosos processados com altas doses de radiação há a formação de subprodutos originários de ácidos graxos, denominados de  alcilciclobutanonas – consideradas na literatura como substâncias tóxicas. Estudos mostram ainda que, de acordo o com o aumento da dose de radiação em determinados alimentos, principalmente nos que contém gordura, também ocorre uma forte alteração nas suas propriedades sensoriais”, afirma a pesquisadora Anna Lucia Villavicencio, do IPEN.

O trabalho que o FoRC realiza em parceria com o IPEN visa saber se essas alcilciclobutanonas se depositam ou não no fígado. “Estamos trabalhando com cultura de células e camundongos”, explica o professor Eduardo Purgatto, que lidera o projeto de pesquisa no FoRC. “Nossa proposta é estudar o efeito delas no organismo com doses mínimas e máximas permissíveis para o consumo”, acrescenta.

A colaboração do FoRC se dá na análise das amostras irradiadas. “Estamos desenvolvendo e otimizando tecnologias para a detecção dessas alcilciclobutanonas. Há metodologias descritas na literatura, mas precisamos adaptá-las às nossas condições”, conta. 

Nessa primeira etapa, os cientistas estão alimentando os camundongos com ração de laboratório com pouca gordura. “Até agora, são conhecidos alguns subprodutos específicos, originados de determinados ácidos graxos, formados exclusivamente pelo processo de irradiação. Estes subprodutos já são identificados em normas europeias de detecção de alimentos irradiados. Em estudos preliminares com culturas de células nós já vimos que não há toxicidade que vá promover algo como um câncer. Mas queremos saber mais”, anuncia ele. 

Segurança e processos – Segundo a professora Anna Lucia, a irradiação de alimentos pode ser realizada por dois processos: por raios X provenientes de aceleradores de elétrons (construídos para produzir elétrons acelerados em um campo elétrico); e por máquinas que utilizam uma fonte de Cobalto 60 (60Co) – um isótopo radioativo. Ela afirma que os irradiadores de 60Co estão sendo cada vez menos utilizados, e nos próximos anos a tendência do mercado aponta para a utilização crescente dos aceleradores de elétrons, pela facilidade de controle do processo em situações de emergência, tal como a possibilidade de desligamento imediato da energia, por exemplo. 

“O importante é ressaltar que tanto a radiação ionizante originária de fonte de Cobalto 60 (60Co) quanto aquela realizada por meio de raios X provenientes de aceleradores de elétrons não induzem a radioatividade nos alimentos processados, quando seguidas as especificações corretas de energia para o processamento dos alimentos”. Ou seja: ambas emitem ondas eletromagnéticas que penetram no alimento, mas sem deixá-lo radioativo.

A pesquisadora do IPEN reforça que é importante definir o objetivo do processamento por radiação e a dose adequada. A legislação brasileira aprova o uso da radiação ionizante por meio da RDC n° 21/2001 ANVISA, desde que seu uso seja para finalidades sanitárias, fitossanitárias e/ou tecnológicas. “A dose mínima absorvida deve ser suficiente para alcançar a finalidade pretendida e a dose máxima deve ser inferior à dose que comprometa as propriedades funcionais ou quaisquer atributos do alimento”, esclarece a professora Anna Lucia.

Controle e rotulagem – Na avaliação da pesquisadora, seria necessário um laboratório ligado ao órgão fiscalizador do poder público para fazer esse controle para o consumidor. O estudo do FoRC em conjunto com o IPEN poderá fornecer parâmetros científicos para que esse controle ocorra. De acordo com Anna Lucia, o importante é assegurar ao consumidor o poder de escolha na compra de alimentos irradiados ou não. “Ele deve ter o direito de livre escolha entre o alimento irradiado e o não irradiado. Por esta razão, a identificação de alimento irradiado deve constar no rótulo; este é um processo indispensável.”

A resolução ANVISA já citada descreve que, na rotulagem dos alimentos irradiados, além dos dizeres exigidos para os alimentos em geral e das informações específicas relativas àquele alimento particular, deve constar no painel principal: "ALIMENTO TRATADO POR PROCESSO DE IRRADIAÇÃO", com as letras de tamanho não inferior a um terço (1/3) da letra de maior tamanho do rótulo. E, quando um produto irradiado é utilizado como ingrediente em outro alimento, deve-se declarar essa circunstância na lista de ingredientes, entre parênteses, após o nome do ingrediente. Além da frase, o rótulo pode trazer a imagem da radura – um logotipo internacional utilizado para identificar um alimento irradiado (imagem que ilustra este post).

Imagem: By United States Department of Agriculture, Food Safety and Inspection Service The original uploader was CALTD at English Wikipedia [Public domain], via Wikimedia Commons

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