Os conservantes são responsáveis por prolongar o tempo de conservação dos alimentos, protegendo-os de alterações decorrentes de micro-organismos ou da ação de enzimas. Na medida certa, garantem os especialistas, não fazem mal à saúde, mas mesmo assim essas substâncias são muito criticadas.
Embora se imagine que a primeira medida da indústria alimentícia para garantir o tempo de prateleira (ou prazo de validade) de um alimento seja o uso de conservantes sintéticos, de acordo com o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Uelinton Pinto, também pesquisador do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC - Food Research Center), há uma série de procedimentos e tecnologias utilizados pelos produtores para minimizar o uso desses aditivos.
“A indústria e a academia (universidades e centros de pesquisa) levam em consideração o que chamamos de teoria das barreiras: para se controlar o desenvolvimento de um determinado micro-organismo, são usados vários artifícios, na tentativa de reduzir ao máximo a quantidade acrescentada de conservantes e otimizar a qualidade dos produtos. A própria embalagem é uma barreira, que pode impedir o acesso do micro-organismo ao alimento, além de muitas vezes, interagir positivamente com o mesmo, impedindo também reações bioquímicas desfavoráveis ao produto. Uma outra é o uso de vácuo: ao embalar a carne à vácuo, eliminam-se diversas bactérias que não se desenvolvem sem a presença de oxigênio. Em alguns casos, injeta-se CO2 dentro da embalagem, o que inibe, inclusive, alguns fungos.”
O professor cita ainda o uso de uma atmosfera gasosa modificada, que impede o desenvolvimento de micro-organismos que precisam de oxigênio (se você costuma consumir salada minimamente processada, já deve ter percebido que a embalagem vem estufada, cheia de gás. É a tal atmosfera gasosa modificada). Além disso tudo, pode-se utilizar tratamento térmico (pasteurização, esterilização térmica), ou ainda o processamento por alta pressão. “Existe uma reclamação da sociedade com relação aos tratamentos térmicos, de que mudam algumas características dos alimentos e de que podem reduzir a quantidade de nutrientes. Para responder a esse problema, algumas indústrias utilizam o tratamento de alta pressão, que é um tratamento a frio: mata o micro-organismo e mantém a concentração dos nutrientes”, explica o pesquisador.
De acordo com ele, a desidratação ou redução da quantidade de água no alimento também é uma excelente barreira, pois os micro-organismos precisam de água para multiplicação, pois reações enzimáticas e bioquímicas são altamente afetadas a medida que a quantidade de água disponível diminui. A defumação é outro artifício que apresenta atividade antimicrobiana. “A fumaça, além de tirar um pouco da quantidade de água do produto, incorpora nele alguns compostos presentes na madeira, o que dá uma vida de prateleira maior, além de influenciar positivamente nas características sensoriais do produto.”
Com isso tudo, muitas vezes, é possível eliminar completamente o uso do conservante, e ainda assim garantir uma vida de prateleira mais longa para o produto. “É o que acontece com vários sucos, por exemplo: além de passarem por processamento térmico de pasteurização, eles têm o pH ácido (baixo). Quando o pH é baixo, o tratamento térmico pode ser mais brando. A tendência da indústria, para atender o desejo de um consumidor cada dia mais exigente, é tentar reduzir o nível de utilização dos conservantes sintéticos, alvos de muitas críticas.”
Sal e açúcar – O mais antigo conservante de que se tem notícia é o sal (NaCl). Ele extrai a água do alimento e, assim, os micro-organismos não têm água disponível para crescer. “O sal também causa uma pressão osmótica muito grande na célula microbiana. Assim como retira a água da carne, ele extrai a água que está dentro da bactéria, causando sua morte”, explica.
Nas compotas, conservas e doces que nossos avós costumavam fazer, o açúcar, aliado à temperatura elevada, também fazia o papel de conservante. “O açúcar liga as moléculas de água presentes na fruta; o micro-organismo não tem acesso àquela água e não consegue se multiplicar. Entretanto, isso não acontece com os fungos. Eles morrem com o tratamento térmico, mas, se a compota for deixada aberta, com o tempo vai aparecer o crescimento do bolor, pois o que contamina é o que vem de fora: o esporo do fungo que está no ar e se deposita no alimento. Como há oxigênio disponível, porque o fungo precisa dele, essa compota vai se deteriorar. Mas isso normalmente demora um tempo para acontecer.”
Atualmente, há diversos tipos de conservantes, a maioria sintéticos (embora pesquisadores venham estudando o uso de compostos antimicrobianos naturais ). Os mais comuns são usados para controlar fungos e leveduras. Outros, para controlar bactérias e escurecimento enzimático.
Segundo o professor, o que determina o tipo de conservante que vai ser usado no alimento é aquilo que se quer controlar (bactérias, fungos, escurecimento enzimático), e o tipo de alimento em que o conservante vai ser incorporado, de acordo com o que a legislação permite e com as propriedades do próprio conservante. Os principais conservantes sintéticos utilizados pela indústria hoje são: ácido benzoico e seus sais, parabenos (ácido p-hidroxibenzóico e seus ésteres), ácido propiônico e propionatos, ácido sórbico e sorbatos, sulfito e derivados, ácido acético e acetatos, ácido lático e seus sais, nitratos e nitritos.
“O maior problema, em muitos produtos, são fungos e leveduras. Agora, nos embutidos (como salsicha, linguiça, salame) e nas carnes, é a bactéria Clostridium botulinum. Nos embutidos, embora se faça um tratamento de eliminação de água, ele não é suficiente para eliminar água a ponto de inibir a germinação dos esporos. Então, nesses casos, é necessário adicionar nitrato/nitrito para garantir a segurança. Esses compostos também realçam a cor desses alimentos.”
Conheça os principais tipos de conservantes
Ácido sórbico e seus derivados. Este ácido orgânico e seus sais, como o sorbato de potássio, são mais eficientes em meio pH reduzido. Eles inibem o aparecimento de bolores e leveduras, mas têm pouco ou nenhum efeito na inibição de bactérias. São usados, geralmente, em alimentos com pH inferior a 6,5, tais como queijos, laticínios, carnes, produtos à base de peixe, pão e produtos de confeitaria. Usa-se, normalmente, um grama de sorbato de potássio por quilo de produto, sendo a dosagem padrão da ordem de 0,05% a 0,2%. Dificilmente solúvel em água, o ácido sórbico foi obtido pela primeira vez em 1859, do óleo de frutos verdes da sorveira (Sorbus aucuparia), um arbusto com até 3 metros de altura. Há mais de 70 anos se conhece sua eficácia antimicrobiana.
Ácido benzoico e seus sais. Por apresentarem baixo custo, o ácido benzoico e seus sais (Na e K) são os conservantes alimentícios mais usados pela indústria. Descoberto no século XVI, o ácido benzoico foi obtido pela primeira vez da essência do benjoeiro, uma árvore nativa da ilha de Sumatra. O ácido benzoico e seus sais foram os primeiros conservantes químicos permitidos pelo FDA. Com efeito bactericida e fungicida, têm uso recomendado para produtos com pH inferior a 4,2. Em muitos casos, são usados em combinação com outros conservantes. Entretanto, por apresentar gosto residual, sua utilização é restrita a certo número de produtos, como as bebidas carbonatadas, geleias, doces, margarinas, balas, tortas de fruta e molhos.
A dosagem habitual do ácido benzoico e seus sais é de 0,05% a 0,1 %. Em estudos de toxicidade crônica, eles apresentaram possíveis efeitos que levaram a Comissão Científica Alimentar da então UE (União Europeia) a determinar uma Ingestão Diária Aceitável (IDA) temporária de 5 mg/kg de peso corporal. Reações de intolerância, como urticária e asma, também podem ocorrer.
Ácido propiônico e seus sais. É um ácido graxo que se apresenta, em estado natural, como um dos produtos da digestão da celulose pelas bactérias que residem no rúmen (primeiro compartimento do estômago dos ruminantes) de animais herbívoros. Muito eficazes contra bolores, têm pouca ação contra a maioria das bactérias e também não apresentam efeito contra as leveduras, nas quantidades recomendadas para uso em alimentos. Os propionatos são bastante usados na indústria de panificação, pois possuem pouca atuação contra os fermentos biológicos. Normalmente, usa-se o propionato de cálcio nos produtos salgados e o propionato de sódio nos produtos doces. Os propionatos são naturalmente produzidos por bactérias propiônicas encontradas em alguns produtos lácteos fermentados.
Ácido acético e acetatos. O ácido acético é um ácido natural que se forma no vinagre pela ação da bactéria Acetobacter. Sua ação conservante já era conhecida desde a Antiguidade. Ele inibe micro-organismos como Bacillus, Clostridium, Listeria, Salmonella, Staphylococcus aureus, Pseudomonas, E. coli e Campylobacter, além de alguns tipos de fungos. O ácido acético também é usado como sequestrante, acidulante e flavonizante, e ainda para estabilizar a acidez dos alimentos. A dosagem recomendada é de 0,1% a 5%.
Nitritos e nitratos. Os nitritos e nitratos de sódio e de potássio são usados em produtos cárneos e embutidos para conservá-los e ajudar a evitar o crescimento do Clostridium botuliniun. Seu uso também está associado à obtenção de cor, sabor e textura. Eles servem ainda como antioxidantes. “O perigo de toxidade desses conservantes é bem conhecido, devido a formação de substâncias como a metahemoglobina e as nitrosaminas, conectadas ao surgimento de câncer”, afirma Uelinton. São considerados seguros quando utilizados nas concentrações recomendadas.
Parabenos. Os parabenos são mais ativos contra fungos e leveduras do que para inibir bactérias, sendo mais eficazes em meios com o pH baixo. São usados como conservantes desde a década de 1930. No geral, o metil e o propil parabenos são mais utilizados, devido à maior solubilidade e grande atividade. Dois outros (o etil e o butil) são autorizados somente em alguns países. O Brasil permite o etil parabeno. Embora tenham sido muito utilizados como conservantes em alimentos no início do século passado, esses produtos geram gosto residual. Por isso, hoje, é mais comum encontrá-los em produtos farmacêuticos e cosméticos. Mas ainda podem ser usados em bebidas fermentadas e não carbonatadas. De acordo com a literatura médica, as reações adversas aos parabenos incluem broncoespasmo, prurido, urticária, eczemas e angioedema (inchaço na pele, comumente confundido com a urticária, cuja causa mais comum é a alergia a alimentos e medicamentos).
Ácido lático e seus sais. O ácido lático e seus sais, os lactatos de sódio ou de potássio, podem aumentar o tempo de latência de micro-organismos como a Salmonella, a Listeria, o Staphylococcus e o Clostridium ou diminuir sua taxa de crescimento. Eles agem diretamente sobre o metabolismo bacteriano. Os lactatos também reduzem a atividade da água, o que contribui para reduzir o desenvolvimento bacteriano aumentando, assim, o tempo de conservação. A dosagem normalmente usada está na faixa de 0,05% a 2 %.
Dióxido de enxofre e os sulfitos. Os romanos já os utilizavam para conservar vinho, pois além de antimicrobianos, são antioxidantes. O dióxido de enxofre (SO2) possui um cheiro muito desagradável, sendo tóxico especialmente para organismos como fungos. Os sais são o sulfito de sódio, o sulfito de potássio, o bissulfito de potássio, o bissulfito de sódio e o metabissulfito de potássio e de sódio. Eles são capazes de inibir a formação de mofos, o desenvolvimento de bactérias e, em menor escala, de leveduras. A atividade do dióxido de enxofre depende do pH: quanto mais baixo, maior será a sua ação antisséptica. A IDA é de 0,7 mg/kg de peso corpóreo. Na literatura médica, há relatos de casos de anafilaxia (reação alérgica grave que pode levar à morte) provocada pelo metabissulfito de sódio. O primeiro caso foi relatado em 1976, num paciente que havia se alimentado de salada em um restaurante.
Sulfitos são também agentes muito úteis para o controle do escurecimento enzimático de alimentos provocados pela ação das enzimas polifenol oxidases. Entretanto, existem alternativas para o controle do escurecimento enzimático como o uso de ácido ascórbico (vitamina C) muito comum em sucos, além de agentes quelantes como EDTA (ácido etilenodiamino tetra-acético).
Confira aqui a ingestão recomendada de alguns conservantes e os locais em que seu é permitido:
Algumas reações adversas em indivíduos sensíveis já foram associadas à alguns conservantes como no caso dos parabenos, tais com urticária, eczemas, prurido e asma. Os sulfitos geralmente são inativados por reação enzimática e excretada na urina, mas na ausência ou diminuição da enzima sultito-oxidase, poderia haver reações como diarreia, dor abdominal e cefaleia. Os nitratos e nitritos raramente apresentam reações adversas, mas podem estar associados a alguns casos de urticária.
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