Pesquisa abre caminho para a produção de alimentos por impressão 3D

Pesquisadores usaram tecnologias sustentáveis para modificar a estrutura do amido e conseguiram criar um gel adequado a impressoras 3D. Objetivo é desenvolver alimentos formulados para atender necessidades específicas em nutrição.

Fronteira do conhecimento

09/02/2022 - O amido tem propriedades texturizantes há muito usadas na indústria, mas aplicá-lo como ingrediente na produção de alimentos por impressão 3D era um desafio a ser superado. Isso só foi possível com a adoção de novas metodologias que possibilitaram modificar suas propriedades, de forma a criar um gel mais consistente e adequado à tecnologia.


O feito foi de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, em parceria com colegas da École Nationale Vétérinaire Agroalimentaire et de l’Alimentation Nantes Atlantique (Oniris) e do Institut National de la Recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement (INRAE), da França. A pesquisa tem financiamento do programa francês Food for Tomorrow, que foi iniciado em 2018 e hoje envolve testes com novas fontes de amido e aplicações também na área biomédica. Atualmente, a pesquisa conta ainda com a participação de pesquisadores do Departamento de Química da USP de Ribeirão Preto e do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC).


O objetivo final da pesquisa é o desenvolvimento de alimentos formulados para atender necessidades específicas, como exemplifica o professor Pedro Esteves Duarte Augusto, da Esalq: “As perspectivas de aplicação são várias: alimentos com textura adequada para pessoas com dificuldade de deglutição, idosos, crianças; alimentos coloridos e saborosos, mas com nutrientes importantes para o desenvolvimento de crianças; com adição de compostos bioativos para suplementação etc.”


Redes tridimensionais – Nos dois primeiros anos da pesquisa, o foco foi o método de alteração das propriedades de amidos. “Foram usadas tecnologias que envolvem processos de modificação por ozônio, aquecimento a seco e campo elétrico pulsado, que se mostraram eficientes para mudar a estrutura do amido, tornando melhor a interação entre os polímeros de amido e permitindo a constituição de redes tridimensionais mais firmes”, explica Bianca Maniglia, Jovem Pesquisadora FAPESP no Departamento de Química da USP de Ribeirão Preto. Seu foco é a área de bioimpressão, e o projeto que vem desenvolvendo tem como pesquisadora associada a professora Ana Paula Ramos, do Laboratório de Físico-Química de Superfícies e Colóides (FFCLRP/USP).


Com essas tecnologias, foram realizados experimentos com amidos oriundos da mandioca e do trigo. Modificações permitiram ao amido de mandioca formar géis mais rígidos do que os feitos com amido nativo. O amido de trigo, que já formava géis com certa firmeza, passou por alterações que o tornaram ainda mais consistente. As modificações também possibilitaram a formação de géis sem a presença de sinérese, água que é liberada ao formar o gel. “Essa água prejudica a formação do objeto 3D, pois deixa as linhas da impressão sem estabilidade.”

 

Impressão 3D interna


A modificação do amido por meio de tecnologias verdes possibilita géis firmes, com estrutura adequada à impressão 3D. Imagem fornecida por Bianca Maniglia, pesquisadora associada ao projeto.


Sustentável e com menor custo – A sustentabilidade, segundo Maniglia, é um grande diferencial da pesquisa em relação às tecnologias empregadas no processo de modificação do amido. “São tecnologias ‘verdes’, que não geram resíduos – o que não ocorre na maioria dos processos convencionais de modificação do amido”, afirma. “O problema é que a maioria das tecnologias convencionais usadas para modificar o amido gera resíduos exigem pré-tratamento de custo elevado antes do descarte, já que podem causar danos ao meio ambiente”, acrescenta.

 
"Além disso, o amido modificado por alguns métodos convencionais pode conter restos dos agentes químicos usados no processo, tais como ácido clorídrico e éteres, o que representa potencial risco à saúde, e pode inviabilizar sua utilização na indústria de alimentos e biomédica. Para permitir sua utilização pelo consumidor, o amido precisa ficar livre de resíduos; para tanto, são realizadas sucessivas lavagens, resultando em maior gasto de água e liberação de resíduos no meio ambiente. Por outro lado, as empresas que tratam a água antes de descartá-la veem aumentar seu custo de operação”, explica.

 
Avanços na pesquisa – O projeto entrou em nova fase este ano, com a participação da professora Carmen Tadini, do Laboratório de Engenharia de Alimentos da Escola Politécnica da USP, e da pesquisadora de pós-doutorado Fernanda Thaís Vieira Rubio. Ambas são integrantes do FoRC e, no projeto, são responsáveis pelos experimentos com uma quarta tecnologia verde para a modificação do amido: a extrusão.


A extrusão é um processo mecânico, já bem conhecido. Ao passar pela extrusora, o amido segue por duas roscas que o empurram pela máquina. “Ele sai em forma de filamento, bem comprido e com espessura pequena; com uma pelletizadora, o cortamos em pedaços pequenos, chamados de pellets, e é a partir deles que fazemos o hidrogel", explica Rubio. O processo tem sido testado em temperaturas variando entre 50 e 80 graus Celsius e também tem como objetivo formar ligações mais coesas entre moléculas e apropriadas a géis utilizados na impressão 3D.


Além do uso da extrusão, nessa nova fase será testada a adição de outros componentes aos géis de amido. Entre os ingredientes testados, estão a carragena, molécula oriunda de algas, e o colágeno, proteína na forma de gelatina. Ambos têm propriedades texturizantes e adicionam valor nutricional aos géis de amido.

 
Maniglia explica: “Sempre trabalhamos com amido e água, mas não há alimentos só com estes dois componentes. Temos aditivos de cor, sabor, conservantes… então estamos começando a deixar mais complexo esse gel, para ver se quando houver outros ingredientes, haverá também um aspecto final diferente.”

 
Ainda são necessárias mais análises para que os alimentos impressos em 3D possam chegar ao consumidor como um produto alimentício de fato. “O primeiro passo é encontrar os materiais com as características desejadas. Depois, verificar o aspecto sensorial, a textura, o sabor e a aparência. Sempre que estamos lidando com alimentos, queremos algo que tenha aceitação pelo consumidor”, conclui Rubio.

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