27/11/2019 - O coco é um fruto muito versátil e, dele, praticamente tudo se aproveita: a polpa, a água, e a própria “casca”, usada como adubo, na fabricação de vasos e em substituição aos famosos xaxins, e até para fazer estofamento de automóveis. No Brasil, temos a tradição de consumir a água do coco verde e a polpa do coco marrom, mas muito raramente consumimos a água do coco marrom e a polpa do coco verde – ambas ricas em compostos benéficos para o organismo. Também é pouco comum o consumo do açúcar de coco que, segundo estudo realizado sob a orientação da professora Selma Sanches Dovichi, do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, é o produto mais rico em compostos fenólicos e flavonoides dentre todos os subprodutos dessa fruta tipicamente tropical – e o mais caro deles.
“Primeiro é bom deixar claro que coco verde e coco marrom são apenas diferentes estágios de amadurecimento do mesmo fruto. O coco verde é colhido do 5º ao 7º mês após a abertura das inflorescências, podendo se estender até o 8º mês. Já o coco marrom, ou seja, o fruto maduro, é colhido entre o 11º e o 12º mês. É possível encontrar na Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA 7.0) a composição nutricional da polpa de coco marrom e a da água de coco verde, mas não as da polpa do coco verde e da água do coco marrom. Portanto, ainda não temos dados de composição confiáveis para poder fazer a comparação adequada entre as polpas e as águas em diferentes estágios de maturação”, explica Selma.
Apesar das lacunas de informações sabe-se, por exemplo, que o grau de amadurecimento do fruto interfere muito na quantidade de compostos fenólicos e moderadamente na de flavonoides presentes no fruto e em seus subprodutos. “Quanto mais maduro o coco, maior a quantidade de compostos fenólicos e, possivelmente, maior também será a quantidade de flavonoides presentes”, revela Selma, que contabilizou a presença dos dois compostos nas polpas, águas, leite, açúcar e óleo de coco, adquirindo amostras de frutos e produtos no comércio local. Por diferentes métodos, ela e suas alunas Letícia Freitas Marques e Rafaela Oliveira Cardoso extraíram as águas de coco verde, marrom e o leite de coco em laboratório, e determinaram os compostos fenólicos totais e os flavonoides totais das amostras. O trabalho foi apresentado recentemente no 15º Congresso da SBAN (Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição), em São Paulo.
Ela acredita que, tanto no âmbito doméstico quanto no industrial, a polpa de coco verde poderia ser mais e melhor explorada como alimento in natura – seja consumida na forma original, seja em receitas doces ou salgadas. E que a água de coco marrom, embora necessite de filtragem e tenha um rendimento pequeno, também deveria ser melhor utilizada como base para molhos salgados, sucos e caldas doces, em vez de ser descartada. “A polpa do coco verde tem um sabor bastante suave e textura delicada e gelatinosa. Pode ser usada in natura, sem açúcar ou adoçada de acordo com a preferência (açúcar, mel, açúcar mascavo ou açúcar de coco), batida com frutas variadas (como vitamina, milk shake ou frozen) e até com café, ou ainda na forma de preparações doces (como pudim, mousse, etc). Batida com um pouco da água de coco, ela pode ser fermentada e produz um iogurte bem saboroso. Há um trabalho, feito por uma aluna de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), de produção industrial de sorvete substituindo o leite pela polpa de coco verde. Ela também pode ser usada em receitas salgadas; em geral, depois de batida, pode substituir o creme de leite. É um ingrediente muito versátil. Já a água do coco marrom é mais controversa, porque a quantidade contida em um coco é muito menor que a de água no coco verde, e ela também é mais densa, com um conteúdo de gordura expressivamente maior do que a do coco verde. É atualmente considerada um refugo pela indústria de alimentos. Poucos sabem que, quando abrimos um coco marrom, é possível aproveitar a sua água tendo o cuidado de filtrar antes. Adicionada a pedaços da polpa do fruto, ela rende um belo suco”, ensina Selma.
Açúcar – De acordo com a nutricionista, o açúcar de coco é obtido a partir da coleta e da secagem da seiva e das flores do coqueiro, independentemente dos frutos estarem verdes ou maduros. “Só que, neste caso, a utilização das flores impede que os frutos se desenvolvam, ou seja: quando se extrai a seiva do coqueiro e, principalmente, das flores do coco, abre-se mão dos frutos. Então, há uma questão de sustentabilidade da cultura de coco que não pode ser ignorada”, salienta.
De acordo com dados preliminares obtidos pela professora e suas alunas, a diferença no teor de compostos fenólicos e flavonoides do açúcar de coco com relação aos outros subprodutos do fruto é muito grande. “A maior concentração de compostos fenólicos e flavonoides, provavelmente, pode ser atribuída à origem do produto: as seivas do coqueiro e das flores contêm pigmentos, e muitos pigmentos vegetais são compostos fenólicos e, também, flavonoides – o próprio nome flavonoide vem justamente da propriedade de atribuir cor, sabor e aroma aos alimentos”, revela.
Segundo Selma, o processo de extração do açúcar de coco, composto basicamente pela coleta da seiva e pela secagem, é muito mais brando do que o da produção do açúcar de cana, o que também pode contribuir para preservar seus compostos bioativos. “Embora saibamos que no açúcar de cana existem compostos fenólicos, e dentre eles flavonoides, é preciso considerar que, durante seu processo de produção, ocorrem alterações qualitativas e quantitativas dos compostos com potencial bioativo. Ainda não conseguimos quantificar a presença desses compostos bioativos com acurácia suficiente para afirmar quais são as quantidades médias existentes no açúcar de cana. O mesmo acontece com a quantificação no açúcar de coco: fizemos um primeiro approach, mas são necessários mais estudos para que possamos comparar as quantidades de compostos presentes nesses dois produtos alimentícios de origens distintas.”
Vale lembrar que, independentemente da origem do açúcar, a quantidade a ser consumida na alimentação saudável sempre deve ser pequena.
Preços e custos – Embora não se consiga comparar o teor de compostos fenólicos e de flavonoides presentes nos açúcares de coco e de cana, é possível fazer a comparação dos preços de ambos: enquanto o açúcar de cana refinado custa em média R$ 0,25/100 g, o açúcar de coco pode variar de R$ 2,80 a R$ 6,00/100 g. “Se compararmos com outros produtos de coco, também observamos o alto preço: a unidade de coco verde pode ser comprada por R$ 1,10 a R$ 2,00; o coco seco a R$ 2,50. O leite de coco pode ser comprado por algo em torno de R$ 4,00 a R$ 5,00 a garrafa de 200 ml. O óleo extravirgem de coco seria o único rival à altura do açúcar de coco, no quesito preço, custando em média R$ 12,00/100 g.”
A professora esclarece que o alto custo do açúcar de coco se deve ao seu modo de produção que resulta, possivelmente, em um rendimento muito baixo.
Óleo – Outro subproduto do coco que vem dando o que falar é o óleo, que virou moda recentemente, para desespero dos nutricionistas e outros profissionais da área de saúde. Pelo público leigo, a ele são atribuídas qualidades como aumento da imunidade e ajuda na promoção do emagrecimento, entre outras. “Os alegados efeitos de aumento da imunidade e auxílio no emagrecimento não são comprovados pela ciência. Provavelmente, as alegações são precoces, feitas a partir de estudos de pequeno porte, com metodologias que não permitem distinguir as características da população que consome o produto, e que podem interferir ou mesmo ser parcial ou totalmente responsáveis pelos resultados obtidos.”
Há quem diga, nas mídias sociais leigas dedicadas à saúde e beleza, que o óleo de coco pode substituir o óleo de soja ou outros na cozinha. “O óleo de coco é predominantemente composto por ácidos graxos saturados, e sabemos que há necessidade de controlar o consumo deste tipo de ácido graxo a fim de evitar desfechos clínicos desfavoráveis. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura e a Organização Mundial da Saúde (FAO/OMS), uma dieta saudável pode ter no máximo 10% das calorias totais provenientes de ácidos graxos saturados”, alerta a nutricionista.
Para Selma, como a ingestão dos ácidos graxos saturados é muito mais frequente do que a ingestão dos mono ou poli-insaturados (já que os primeiros estão presentes em gorduras sólidas em temperatura ambiente e os demais são encontrados em gorduras líquidas em temperatura ambiente), o desbalanço no consumo destas gorduras é uma realidade no mundo todo, e o Brasil não é exceção. “Só pioramos a situação quando acrescentamos o óleo de coco à alimentação, porque é muito fácil ultrapassar o limite proposto pela FAO/OMS. No caso da substituição, ela sozinha também não traz benefício, porque em geral se substitui óleos vegetais, como os de soja, milho e girassol, predominantemente poli-insaturados, pelo óleo de coco, que é saturado.”
Curiosidades: O fruto da planta Coccus nucifera L., conhecida popularmente como coqueiro, é o que conhecemos como coco. O Brasil é o quarto maior produtor mundial de coco, aparecendo logo depois da Indonésia, das Filipinas e da Índia. A cultura, no Brasil, é realizada majoritariamente a partir do cultivo do coqueiro anão, que produz de 14 a 16 cachos do fruto por ano.
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