Antioxidantes: os dois lados da moeda

De um lado, eles preservam os alimentos e evitam que a oxidação libere substâncias nocivas ao organismo. De outro, boa parte dos antioxidantes sintéticos é potencialmente carcinogênica.

Séries especiais

Os antioxidantes são um conjunto de substâncias formado por vitaminas, minerais, compostos vegetais e até enzimas que podem ser usadas como aditivos para preservar alimentos retardando o processo de deterioração, rancidez e descoloração decorrentes da oxidação. Sua função é inibir ou retardar a oxidação lipídica de óleos, gorduras e alimentos gordurosos. No Brasil, os antioxidantes mais usados pela indústria alimentícia são BHT, BHA, TBHQ, ácido cítrico, ácido ascórbico (vitamina C), tocoferol (vitamina E) e ascorbil palmitato (composto semelhante ao ácido ascórbico). A maioria é sintética.

Esses aditivos são permitidos pela legislação numa dosagem limite e exercem a função de estabilizar as espécies reativas do oxigênio, protegendo o lipídio. São, em geral, componentes fenólicos. Os antioxidantes são muito usados em sorvetes, leite em pó, produtos de cacau, conservas de carne, cerveja, margarina, refrigerantes, farinhas e óleos e gorduras em geral. “A questão é que esses antioxidantes sintéticos são potencialmente carcinogênicos quando consumidos em doses elevadas”, afirma Inar Castro, pesquisadora colaboradora do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center) e professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Por outro lado, é preciso proteger os alimentos da oxidação pois, ao oxidar, eles produzem muitos compostos voláteis, tais como aldeídos e cetonas, que podem acarretar efeitos deletérios para o organismo. “Alguns deles, como o HNE (derivado da oxidação do ômega 6) e o HHE (derivado da oxidação do ômega 3), têm capacidade de oxidar o LDL (o chamado colesterol ruim). E o colesterol oxidado é um dos fatores de desenvolvimento da aterosclerose”, afirma.

Nó do problema – Segundo a pesquisadora, o grande problema é que com o aumento do consumo de gordura insaturada (muito em função da gordura saturada estar associada ao maior risco de problemas cardiovasculares) cresceu também o emprego dos antioxidantes, já que a gordura insaturada é mais propensa à oxidação. “Então, cada vez mais, nos deparamos com a seguinte situação: desenvolve-se um alimento, coloca-se nele ômega 3, por exemplo, que é altamente insaturado, e vende-se esse alimento com alegações de saúde. Mas, para estabilizar o alimento, adiciona-se TBHQ”, ressalta.

Há outro agravante. Os pesquisadores têm notado que nem sempre a gordura insaturada está devidamente protegida da oxidação e de seus efeitos deletérios. “Um exemplo: as cápsulas de ômega 3 estão entre os suplementos mais vendidos no mundo. Essa gordura é altamente insaturada. Ela deveria estar protegida de oxidação durante o período de consumo, mas não é o que a gente tem observado. Os valores de oxidação são altos”, relata. “Quando isso ocorre, o consumo pode anular o benefício, ou pior ainda, os malefícios podem ser maiores que os benefícios”, acrescenta.

Além disso, as consequências da transição do consumo de gordura saturada para a insaturada ainda não são conhecidas. Nas últimas décadas, a indústria de alimentos, lastreada pela ciência, passou a preconizar a substituição das saturadas pelas insaturadas – provocando uma mudança nos hábitos alimentares. “Não há um histórico passado de consumo de insaturados. Os resultados dessa transição só vamos poder enxergar daqui a alguns anos.”

Novas formas – Além dos antioxidantes sintéticos, há outras formas de conter a oxidação. “Em geral, as mais eficientes são muito caras, como a remoção de oxigênio da embalagem (a oxidação ocorre na presença de oxigênio) ou manter o alimento em baixa temperatura (o calor favorece a liberação de elétrons nas duplas ligações da cadeia carbônica dos insaturados). O óleo de linhaça, por exemplo, que tem alta taxa de oxidação, já é comercializado refrigerado em alguns lugares”, conta.

Pesquisadores também vêm tentando desenvolver antioxidantes naturais, menos nocivos que os sintéticos. Um deles é o extrato de alecrim. Empresas químicas já comercializam produtos à base dessa substância. No Estado de São Paulo, o grupo pesquisa da professora Inar Castro está estudando o ácido sinápico, um outro composto fenólico, e a rutina. Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP há outro grupo que trabalha com os compostos da própolis vermelha. 

“O problema dos compostos naturais, além da estabilidade, é a interferência nas propriedades sensoriais [cor, gosto]. É um enorme desafio tecnológico. Tanto que as maiores indústrias de alimentos do mundo, até hoje, pesquisam formas de evitar o uso dos antioxidantes artificiais.”

Por isso, ela acredita que o caminho mais promissor para a obtenção de um processo antioxidante eficiente e saudável seja a combinação de estratégias, tais como a tecnologia de embalagens e a alteração das moléculas dos antioxidantes naturais. “Por exemplo: fazer com que antioxidantes hidrofílicos fiquem mais hidrofóbicos, e assim possam agir de maneira mais eficiente no meio em que os colocamos.”

Insaturados e oxidação – Segundo a pesquisadora Inar Castro, os ácidos graxos insaturados têm várias duplas ligações na cadeia carbônica. “Elas tendem a liberar elétrons com muita facilidade: com um pouquinho de calor, ou com a presença de outros componentes no alimento, há um favorecimento da liberação de elétrons (hidrogênio) e a molécula se rearranja. Nesse rearranjo acontece uma série de reações e uma das consequências é a formação de compostos que têm odor agressivo, que o ser humano rejeita, e alguns desses compostos são potencialmente tóxicos para o organismo”, explica.

Por isso, uma das estratégias com melhor custo benefício é a adição de compostos que têm a capacidade de doar esse elétron, esse hidrogênio, antes que o lipídio o libere: os antioxidantes. “Eles agem estabilizando a espécie reativa de oxigênio, que precisa de menos energia para tirar o hidrogênio dessas substâncias antioxidantes do que de uma outra molécula. Assim, os antioxidantes estabilizam a espécie reativa e, por uma série de características que possuem, eles também se auto estabilizam, ou seja: não propagam a reação, ao contrário do lipídio que, ao perder o hidrogênio, vai buscá-lo de volta.”

tabela antioxidantes

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Imagem: Pixabay/atribuição não requerida

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