05/05/2020 - Embora estudos já contestem a sustentabilidade dos análogos e substitutos da carne bovina, a maior polêmica, por enquanto, diz respeito a expressões como ‘carne de laboratório’, ‘carne limpa’, ou ainda ‘carne cultivada’. De acordo com Lisa M. Keef, autora de um artigo sobre o assunto, publicado na revista Animal Frontiers, a chegada de análogos feitos de vegetais e a perspectiva de comercialização da ‘carne’ cultivada em laboratório está agitando a indústria de carne nos Estados Unidos. E, segundo ela, a primeira fonte de celeuma é a nomenclatura. “Por exemplo, ativistas veganos cunharam a expressão ‘carne limpa’ para tecido muscular cultivado em laboratório, porque o produto final, como não depende do abate de um animal, seria livre de todos os contaminantes presentes em um animal vivo, como fezes e patógenos”, diz o artigo.
Segundo a autora, a migração do termo para as mídias não especializadas, para veículos do mainstream – deixando implícito que a produção que não se encaixasse nesse novo modelo não daria origem a uma ‘carne limpa’ – acendeu um alerta na indústria. No início de 2018, diferentes corporações lançaram campanhas em níveis federal e estadual para impedir que o tecido cultivado em laboratório fosse considerado ‘carne’ no código regulatório, ou chamado de ‘carne’ em anúncios, rótulos e etiquetas. Para designá-lo como carne, argumentaram, esse produto deveria estar sujeito ao mesmo nível de escrutínio regulatório aplicado à indústria tradicional de carne.
“Os criadores de bovinos e a cadeia industrial pleiteiam que esse produto seja chamado de algo como uma proteína de origem animal cultivada a partir de células de boi. De fato, conceitualmente, carne é algo mais complexo: para ser carne tem de ter nervo, sangue, tecido conjuntivo, gordura. Tanto que a expressão ‘carne de soja’ não se ouve mais. Proteína texturizada de soja é o que se diz hoje em dia”, lembra Viviane Abreu Nunes Cerqueira Dantas, professora livre docente no curso de Biotecnologia da USP.
Ao que tudo indica, o desafio da regulação dos análogos – tanto os que se fiam em células animais cultivadas em laboratório quanto os de origem vegetal – será quase tão grande quanto o de fazê-los chegar ao mercado a um preço razoável para o consumidor. “A União Europeia já está regulamentando os análogos vegetais, porque não se poderia chamá-los pelos mesmos nomes dos elaborados com carne. Para que se aproximem da carne, é preciso enriquecê-los e aditivá-los com ferro, com vitamina B12 e outros nutrientes”, diz a diretora do Centro de Tecnologia de Carnes do Ital, Ana Lúcia Silva Corrêa Lemos.
Segundo ela, o que a cadeia de produção busca cada vez mais é um modelo com o menor impacto possível no meio ambiente. “Produtos cárneos, como hambúrguer, salsicha, linguiças e presunto, são muito tradicionais, e a estratégia de imitá-los no formato, na aparência, na textura e no sabor, usando ingredientes de origem vegetal, ainda não incomodou a indústria frigorífica brasileira, pois trata-se de um nicho muito pequeno no País e o setor tem expertise técnica e infraestrutura adequada à sua produção, podendo inclui-los rapidamente no seu portfólio”, opina.
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