Hoje é muito normal ir ao supermercado e ver uma gôndola inteiramente preenchida com leite embalado em caixinhas cartonadas, e fora da geladeira. Mas nem sempre foi assim. Há 40, 45 anos, o leite vendido nos supermercados e padarias era embalado em saquinhos, ficava na geladeira e durava poucos dias. As mães, por cuidado, o ferviam antes de dar às crianças.
A diferença básica entre o leite “de saquinho” e o “de caixinha” são os tipos de tratamento térmico que eles recebem para eliminar organismos indesejados. O leite envasado nas caixinhas cartonadas passa por esterilização, em um sistema conhecido como ultra alta temperatura – UAT (do inglês ultra high temperature – UHT), enquanto o leite de saquinho passa pelo processo de pasteurização.
Os tratamentos térmicos têm como objetivo debelar bactérias indesejadas (especialmente as que provocam doenças de origem alimentar, mas também as que deterioram os alimentos), evitando, assim, que sejam produzidas no leite toxinas e enzimas tais como proteases e lipases (que degradam proteínas e lipídios, respectivamente).
“O objetivo principal da esterilização é matar todos os microrganismos capazes de se desenvolver no leite contido na embalagem e, consequentemente, permitir que o produto possa ser armazenado por longo período à temperatura ambiente, sem nenhuma alteração. O leite esterilizado, por exemplo, pode chegar a 180 dias de armazenamento”, explica o doutor em microbiologia de alimentos Natan de Jesus Pimentel Filho, professor e pesquisador na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Lagoa do Sino.
“Já a pasteurização tem como foco tecnológico, eliminar microrganismos patogênicos, mas não necessariamente os deterioradores. O leite dura, no máximo, uma semana, pois ali continuam a se desenvolver algumas bactérias chamadas psicrotróficas, que são aquelas capazes de crescer lentamente mesmo em ambiente refrigerado. A esterilização, em que são usadas temperaturas entre 130 º C e 150 º C em tempo que varia de 2 a 4 segundos, é um processo muito rápido e a redução microbiana também é. Isso garante que o leite não vai sofrer deterioração após o tratamento térmico”, afirma Pimentel, ressaltando que, quando se aplica um tratamento térmico a um alimento, a morte dos organismos contaminantes nunca é imediata. “Ela é gradativa. Quanto mais contaminantes há, mais tempo é necessário para debelá-los.”
De acordo com o professor, às vezes, as bactérias são eliminadas, mas os produtos do metabolismo delas não são. Então, mesmo esterilizado, às vezes o leite pode sofrer deterioração. “Há ainda, por exemplo, enzimas produzidas por microrganismos que crescem no leite antes do tratamento térmico, como as proteases e lipases, que são resistentes a altas temperaturas. Mesmo após o tratamento térmico, essas enzimas permanecem ativas e degradam o alimento. Elas são responsáveis pelo que chamamos de ‘coagulação doce’ do leite”.
Já a ‘coagulação ácida’ do leite ocorre quando crescem no alimento os coliformes termotolerantes, também chamados coliformes de origem fecal. “Eles têm grande capacidade de produzir ácido que desestabiliza as proteínas do leite, formando coágulos. A presença de tais coágulos e o sabor ácido do leite são considerados alterações indesejáveis, e indicam deterioração.”
Embalagem e efeitos da esterilização – A esterilização pode ser feita de três maneiras: por aquecimento direto (o leite recebe vapor em alta pressão); por aquecimento indireto (com trocadores de calor ou tubulações) ou por meio de uma autoclave (o leite envasado em garrafas plásticas é colocado dentro de uma autoclave que enche de água, a uma temperatura de 121 º C, por 15 minutos).
“Nesse último caso, o leite muda um pouco de cor, fica levemente caramelizado, por causa do excesso de temperatura. Porém, ele não precisa da adição de estabilizantes, o que é uma vantagem.” O tipo mais comum adotado pela indústria é a esterilização por aquecimento indireto.
Pimentel ressalta, porém, que o leite esterilizado só dura 180 dias quando se utiliza matéria prima de boa qualidade. “O que garante esse tempo de prateleira é a alta temperatura, o envase em ambiente asséptico e as embalagens estéreis e sem contato com o oxigênio. As caixinhas cartonadas Tetrapak revolucionaram a indústria de laticínios, porque o grande desafio era esterilizar o produto e mantê-lo em um ambiente asséptico. O leite UHT, como tecnologia, surgiu na década de 1940, mas a proposta das embalagens Tetrapak só surgiria na década de 1960. E, até que isso chegasse amplamente às indústrias, demorou um pouco mais”, lembra.
De acordo com ele, o leite esterilizado normalmente é adicionado de um estabilizante, para que possa ser armazenado por tanto tempo. “Não é um conservante; é um estabilizante, para prevenir a separação do leite.”
O professor admite que, do ponto de vista das características nutricionais, o leite pasteurizado supre com mais eficácia as necessidades microbióticas de quem o ingere do que o esterilizado. As altas temperaturas do processo UHT também têm o efeito de leve redução de vitaminas e de desnaturação de proteínas. “Quando se aplica temperatura muito elevada, o principal efeito negativo é a redução do teor de vitaminas solúveis em água e a desnaturação de proteínas. As proteínas têm uma estrutura tridimensional. Expostas a altas temperaturas, sofrem alteração em sua forma. É a isso que chamamos desnaturação. Quando muito acentuada, a desnaturação pode levar à redução do teor de proteínas do leite.”
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