Pesquisadores da USP apostam em dois novos compostos bioativos para prevenir o câncer de fígado

Um deles é a tributirina, encontrada no leite e seus derivados; cientistas estão testando sua administração associada a outros medicamentos para prevenir o aparecimento de novos tumores

Fronteira do conhecimento

Depois de mais de 20 anos de pesquisas buscando mecanismos de atuação preventiva contra o câncer em compostos bioativos presentes nos alimentos, o médico Fernando Moreno, doutor em clínica médica e chefe do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP chegou, juntamente com sua equipe, a duas substâncias com grande potencial farmacêutico: a beta ionona e a tributirina. A primeira está presente nas duas extremidades da molécula do betacaroteno, da vitamina A e do ácido retinoico. Já a segunda é uma substância encontrada no leite e seus derivados, além do mel. 

No Laboratório de Dieta, Nutrição e Câncer da FCF, Moreno, pioneiro no estudo dos compostos bioativos como agentes de prevenção do câncer no Brasil, vem estudando sua atuação na prevenção do câncer de fígado desde a década de 80. Trata-se da terceira causa de morte por neoplasias no mundo e também do quinto tipo de neoplasia mais frequente.

Ele explica que a quimioprevenção pode ser dividida em três etapas distintas: a primária, que tem o objetivo de prevenir o início do câncer em indivíduos saudáveis, porém com alto risco de contração da doença, como fumantes e trabalhadores na indústria de amianto, por exemplo. A prevenção secundária, destinada a pacientes já portadores de lesões pré-neoplásicas. E a terciária, cujo objetivo é evitar a reincidência de um tumor já controlado, ou ainda o aparecimento de um outro tumor primário.

"Isso acontece na neoplasia de fígado com relativa frequência: muitas vezes não se sabe se é uma metástase que está surgindo, se é o próprio tumor que recrudesceu ou se é um segundo tumor primário aparecendo. Para lidar com esse tipo de situação, hoje se cogitam associações de fármacos. Então, estamos agora estudando a associação dos quimioterápicos com a tributirina”, resume. 

A tributirina é uma gordura que tem três ácidos butíricos em sua composição. E o ácido butírico é um agente diferenciador celular. De acordo com Moreno, a diferenciação celular é um mecanismo importante para se estudar, porque uma das explicações para o câncer é que ele seria um bloqueio dela. 

“Só que o ácido butírico tem uma meia vida muito curta no organismo. Por isso, em vez de focar no ácido butírico, focamos na tributirina.” Poucos grupos no mundo trabalhavam com a tributirina quando o médico começou a fazê-lo, juntamente com sua equipe. “Nós já identificamos proteção, em diferentes instâncias, de forma pronunciada mas experimental, em cultura de células e em animais.” 

A tributirina, lembra Fernando Moreno, já figura como um produto com características GRAS (General Recognized as Safe), designação da Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, dando conta de que um produto químico ou substância adicionada ao alimento é considerado seguro por especialistas.

Histórico - A importância da alimentação para a prevenção do surgimento do câncer foi detectada ainda na década de 1990. “Nessa época, se confirmou que a alimentação influenciava cerca de 30% das neoplasias. Mais, eventualmente, do que o próprio tabaco, mais do que o stress, que a poluição. E se observou que frutas e hortaliças eram ricas em compostos bioativos e que teriam um papel importante na quimioprevenção.”

Moreno começou estudando o betacaroteno, derivado isoprênico presente em alimentos como cenoura e mamão, que se transforma em vitamina A no organismo. “Em seguida, estudamos a própria vitamina A e seus derivados, como o ácido retinoico. E detectamos atividade quimiopreventiva tanto do betacaroteno quanto dessas outras substâncias. Então, nos interessamos pelos mecanismos que possibilitam essa ação”, recorda. 

Depois de estudar compostos como o geraniol (encontrado na uva e no capim cidreira) e o farnesol (presente em frutas cítricas, capim cidreira e camomila), e ainda o licopeno (encontrado no tomate) e a luteína (em hortaliças de cor verde escuro), Fernando Moreno e sua equipe acabaram focando na a beta ionona e na tributirina. 

Durante todo o processo, ele e sua equipe vêm trabalhando com ratos, pois esse modelo reproduz de forma bastante similar a hepatocarcinogênse no ser humano. “Trabalhamos em fase de lesão pré-neoplásica, ou seja, antes do desenvolvimento do câncer, que levaria de um a dois anos, em ratos. Fica mais factível, é um período mais curto, leva de 8 a 12 semanas. Produzimos as lesões e depois tratamos os animais – atualmente com a tributirina, ministrada uma vez ao dia. Estamos correndo atrás de mecanismos pelos quais se dá a quimioprevenção.”

O cientista diz que, no modelo, são obtidas lesões que evoluem para os cânceres, que são as chamadas persistentes e perfazem cerca de 5% das lesões produzidas, e outras 95% – que regridem. “Queremos saber o porquê tanto da progressão quanto da regressão.”

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