O Brasil está entre os dez maiores produtores mundiais de maçã e o brasileiro, ao contrário dos consumidores de outros países, prefere o fruto in natura. Em boa parte do mundo, o suco é mais consumido. Para retardar e prevenir a deterioração do suco ao longo do período de estocagem, garantindo a segurança e a estabilidade, realiza-se um processamento térmico, geralmente pasteurização ou esterilização. Os métodos tradicionais de pasteurização/esterilização de alimentos líquidos incluem injeção de vapor (aquecimento direto) ou uso de trocadores de calor (aquecimento indireto). Mas podem levar a perdas sensoriais e nutricionais do alimento. Uma alternativa para minimizar essas alterações seria utilizar a tecnologia de aquecimento por micro-ondas em fluxo contínuo. Em seu doutorado na Escola Politécnica da USP (EP/USP), a engenheira de alimentos Érica Siguemoto estudou o potencial da pasteurização contínua por micro-ondas do suco de maçã em escala piloto. Além da tese, Érica publicou os resultados da pesquisa em diversos periódicos de abrangência internacional.
“A maçã é rica em compostos fenólicos e vitaminas, contudo estudos relatam que há uma redução de 50% a 90% da concentração de fenólicos após a pasteurização do suco de maçã. Então, minha primeira pergunta foi: será que o suco pasteurizado por micro-ondas preserva mais os compostos fenólicos e as vitaminas? Assim para uma avaliação apropriada de um tratamento térmico, parti para um estudo dos parâmetros cinéticos da inativação de enzimas e micro-organismos patogênicos que podem estar presentes no suco. Realizei uma modelagem do histórico tempo-temperatura e busquei uma metodologia que me permitisse identificar se a pasteurização por micro-ondas seria adequada, ou não, para o suco de maçã. A questão de fundo era a seguinte: se eu usar essa outra tecnologia, vou oferecer um produto com uma qualidade melhor?”, resume Érica, que defendeu o trabalho em julho último.
A pesquisadora diz que a pasteurização por micro-ondas tem vantagens e desvantagens. “Entre as vantagens podemos citar o aquecimento volumétrico e o menor tempo de processamento – portanto, a economia de energia. Entre as desvantagens, contamos a dificuldade de uniformidade durante o aquecimento, a difícil previsão da distribuição de temperatura na etapa de aquecimento por micro-ondas e a necessidade de maior investimento inicial por parte da indústria.” Ela trabalhou com sucos naturais não filtrados, obtidos de diferentes variedades de maçãs, e também com suco de uma planta industrial, igualmente não filtrado (chamado tecnicamente de não-clarificado), e foi orientada por Jorge Gut, professor da Escola Politécnica da USP (Poli/USP) e pesquisador do Centro do Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center).
A investigação de Érica foi além dos efeitos térmicos do processamento por micro-ondas. “Há uma discussão sobre os efeitos não térmicos das micro-ondas. Data de 1944 o primeiro relato sobre os efeitos não térmicos na inativação de Escherichia coli. É um tema que divide a comunidade científica, pois não há evidências suficientes para uma conclusão satisfatória”, diz. Sem fugir da celeuma, a cientista estudou e modelou cinéticas de inativação de E. coli e de Listeria monocytogenes a fim de avaliar os efeitos não térmicos da radiação de micro-ondas, em parceria com o Instituto de Agroquímica y Tecnología de Alimentos (IATA), localizado em Valencia (Espanha). “Inoculamos uma amostra de suco com E. coli e L. monocytogenes, levamos ao micro-ondas com um sensor de fibra ótica e, após um tempo de tratamento, levamos a um banho de gelo para cessar a inativação dos micro-organismos. Na maioria dos casos, as micro-ondas foram mais eficientes do que o aquecimento convencional no tocante à inativação dos micro-organismos. O aquecimento usando energia de micro-ondas foi mais eficaz na inativação dos micro-organismos em 18 dos 28 experimentos realizados.”
A engenheira de alimentos também examinou a inativação das enzimas polifenol oxidase, peroxidase e pectina metilesterase, e a hipótese de que ela fosse uma consequência dos efeitos não térmicos das micro-ondas. “As curvas de inativação enzimática do suco de maçã preditas para pasteurização a temperaturas de referências de 70 °C e 80 °C mostraram que não houve evidência significativa de efeitos não térmicos.”
Outra conclusão da pesquisadora foi que, apesar de ter trabalhado com sucos de diferentes variedades de maçã, eles apresentaram o mesmo comportamento dielétrico, ou seja, respondem da mesma forma quando aquecidos por micro-ondas. “As propriedades dielétricas dos diferentes sucos foram determinadas entre 500 e 3000 MHz a temperaturas entre 10 °C e 90 °C. Nessas frequências, a variedade da maçã apresentou pouca influência e, em todos os casos, a permissividade elétrica diminuiu quase linearmente com a temperatura.”
Ela ainda identificou 56 compostos voláteis responsáveis pelo aroma do suco e fez uma análise dos principais componentes. “Em relação aos compostos voláteis, concluímos que o suco não processado está mais próximo do grupo de sucos que passou pelo processamento com micro-ondas do que daquele em que se usou processo tradicional. Além disso, após a pasteurização do suco, tanto por método convencional quanto por micro-ondas, verificamos um aumento de compostos fenólicos e de atividade antioxidante devido à uma possível extração do material em suspensão durante o aquecimento”, revela.
Para Érica, a pasteurização por micro-ondas é uma boa alternativa para o processamento de suco de maçã, mas ainda esbarra em fatores limitantes como o alto investimento inicial e pouco interesse das indústrias locais a respeito do processo. Mas ela crê que há potencial. “Hoje, o consumidor demanda alimentos mais naturais, que usem tecnologias de processamento menos invasivas. Nesse sentido, o processamento por micro-ondas é uma opção interessante.”
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Imagem: Pixabay/CC
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