Pesquisa sobre fibras solúveis aponta fontes importantes e pouco conhecidas para a redução da glicemia

Depois de analisarem 64 estudos, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC) elencaram três fontes – menos conhecidas – com melhor efeito na redução da glicemia.

Fronteira do conhecimento

31/08/2023 - As propriedades de todo e qualquer alimento, como sua estrutura e composição, afetam a digestão e a absorção dos nutrientes – impactando, portanto, a saúde dos indivíduos. Cientistas investigam há décadas as vantagens potenciais do consumo das fibras alimentares. Entre outros benefícios, eles verificaram que as fibras, em especial as solúveis e viscosas, podem afetar a resposta glicêmica aos carboidratos, retardando e reduzindo a elevação da glicemia que ocorre após o consumo de alimentos fontes de carboidratos.

O Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC) da USP publicou recentemente na revista Foods um artigo de revisão no qual foram analisados 64 estudos realizados por centros de pesquisa e universidades ao redor do mundo sobre fibras alimentares e controle glicêmico. O assunto interessa à população em geral e em especial a diabéticos, uma vez que a redução da resposta glicêmica evita descargas de insulina e diminui a glicemia plasmática (quantidade de glicose no sangue), mantendo-a mais controlada.

Toda fibra funciona? – Para obter esse efeito, no entanto, não basta dizer que o alimento é rico em fibra alimentar. “Há muitos compostos dentro desse grupo, e cada fibra tem uma característica própria. Umas são insolúveis, outras solúveis. Mesmo entre as solúveis, nem todas são viscosas, nem todas fermentam, e muitos dos efeitos delas estão alinhados a essas características”, explica a nutricionista Eliana Bistriche Giuntini, pesquisadora do FoRC e primeira autora do artigo.

As fibras viscosas incluem polissacarídeos como gomas, pectinas, psyllium e β-glucanos. Nos alimentos, as pectinas dão a textura encorpada das geleias, por exemplo. Segundo Giuntini, as fibras viscosas, em contato com a água, tornam o conteúdo alimentar mais grosso, encorpado e menos fluído. Sua ingestão tende a dar uma resposta glicêmica mais baixa (liberação do açúcar no sangue) porque interfere no esvaziamento gástrico e no processo de digestão e absorção.

A ideia da análise feita pelo FoRC, que é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi a de fazer uma revisão da literatura e fornecer uma visão geral e atualizada de como estão os estudos nesse sentido. De acordo com Giuntini, o trabalho excluiu os artigos centrados nas fibras de inulina e no amido resistente, uma vez que essas duas fontes já foram muito investigadas e o conhecimento sobre elas está mais consolidado. “Nos focamos em estudos sobre fibras menos conhecidas para mostrar que há outras fontes disponíveis na natureza e que também podem ser extraídas e utilizadas em produtos e suplementos”, conta a pesquisadora.

Fontes promissoras – Entre as fontes de fibras alimentares solúveis com resultados mais interessantes para o controle glicêmico observadas pelas autoras estão o psyllium, extraído da casca das sementes da planta Plantago ovata e já bastante utilizado para combater constipação intestinal; a goma guar, feita com parte da semente da planta Cyamopsis tetragonolobus, oriunda da região da Índia e do Paquistão; e os alginatos, extraídos das paredes celulares de algas marinhas marrons, conhecidos da indústria de alimentos por funcionarem como agente estabilizante, espessante e gelificante. “A maior parte dos estudos mostra realmente que essas fibras têm um potencial de efeito sobre a resposta glicêmica; porém são dose-dependentes. Ou seja, é necessária uma dose maior para se obter uma resposta glicêmica menor.

A quantidade, no entanto, pode interferir na textura e no sabor do alimento, comprometendo a parte sensorial, o que representa um desafio tecnológico para o fabricante de alimentos que queira produzir um produto com adição dessas fibras, por exemplo. “Na questão de palatabilidade, se não podemos aumentar muito uma determinada fibra, podemos trabalhar com um blend – mistura de duas ou três fibras em quantidades menores – e isso não alteraria a característica do produto, não afetaria a parte sensorial e daria os mesmos efeitos benéficos sobre a resposta glicêmica ou sobre outros parâmetros de saúde”, diz Giuntini.

Suplementos para diabetes – A resposta glicêmica também foi objeto de uma pesquisa feita por Giuntini, em conjunto com pesquisadoras de uma empresa. No estudo, foram relatados os resultados de um ensaio clínico para determinar o índice e a carga glicêmica de três produtos disponíveis no mercado brasileiro, registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e usados como suplemento nutricional e/ou fórmula alimentar para nutrição enteral. Dois deles são voltados especificamente às pessoas com diabetes e o terceiro deles destina-se a estimular cicatrização de feridas.

Financiado pela empresa que comercializa os produtos, o estudo foi realizado com 16 voluntários saudáveis, entre 18 e 45 anos, ao longo de seis semanas. Os três produtos avaliados apresentaram baixa resposta glicêmica. Os resultados foram publicados na revista brasileira Nutrire. “Todos os produtos atenderam às expectativas quanto a uma reduzida resposta glicêmica – menor que 55 % em relação à glicose. Um deles, desenvolvido para problemas de cicatrização, apresentou o melhor resultado. O índice glicêmico dele é o mais baixo entre os três [IG= 35%]”, afirma. “Essa informação é importante tanto para os consumidores quanto para profissionais de saúde, os quais podem ter mais tranquilidade em recomendar o uso desses produtos, tanto para casos de hospitalização como para uso em domicílio.”

O artigo de revisão “The Effects of Soluble Dietary Fibers on Glycemic Response: An Overview and Futures Perspectives” pode ser lido em https://www.mdpi.com/2304-8158/11/23/3934.

Já os resultados do ensaio clínico podem ser conferidos no artigo “Glycemic response of volunteers to the consumption of supplements and food formulas for oral and/or enteral nutrition”. O resumo do paper está no link https://link.springer.com/article/10.1186/s41110-022-00182-8.

Ao pé da Letra:

Nutrição enteral: alimento formulado para uso por sondas ou via oral, com ingestão controlada de nutrientes, usado para substituir ou complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos, conforme suas necessidades nutricionais.

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