No processamento de alimentos, o controle microbiológico é importante para ter um produto inócuo, seguro e estável. Hoje, na indústria de alimentos, existem três principais métodos físicos para controle microbiológico: calor, que inativa os micro-organismos presentes no alimento (pasteurização ou esterilização comercial); frio (refrigeração ou congelamento), que inibe o crescimento dos micro-organismos; e secagem (por ar quente, vácuo ou liofilização), que impede o desenvolvimento dos micro-organismos com a retirada da água. No caso do calor, embora seja um método simples e eficiente, a exposição prolongada a altas temperaturas pode causar perda de nutrientes e de características sensoriais do alimento, com alterações no sabor, na cor e na textura.
Para contornar esse problema, novas tecnologias estão sendo estudadas – e algumas já são aplicadas em pequena e grande escala – a partir de processamentos considerados não-térmicos, ou seja, que não ultrapassam 60 °C, ou processamentos térmicos mais eficientes. “São tecnologias que buscam inativar os micro-organismos a temperaturas mais brandas ou que reduzem o tempo de exposição a altas temperaturas. Com isso, a perda de qualidade nutricional e sensorial é minimizada”, afirma o pesquisador Jorge Gut, do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center). Conheça os processamentos emergentes:
Alta pressão hidrostática – Reconhecida pela Food and Drug Administration (FDA), essa estratégia já é utilizada na indústria para o processamento de sucos em vários países e vem ganhando espaço no Brasil. O alimento, que pode ser líquido ou sólido, deve estar em uma embalagem flexível, que ficará mergulhada em água. O equipamento submete o alimento a uma pressão muito elevada (aproximadamente 6.000 atm) e aumenta a temperatura até no máximo 60 °C, depois despressuriza e diminui a temperatura. Essa variação é capaz de inativar os micro-organismos. A pressão é aplicada igualmente em todas as direções, não interferindo no formato dos alimentos sólidos.
Ultrassom – Trata-se de uma vibração mecânica em uma frequência de 20 a 100 kHz e uma intensidade de 10 a 1000 W/cm², que consegue romper as paredes celulares dos micro-organismos. “Para esse processamento, o alimento deve ser líquido e homogêneo. A ponta do ultrassom mergulhada no alimento gera as ondas, que se propagam pelo produto”, explica o professor. O ultrassom também possui outras aplicações na indústria, como fatiamento mais preciso, homogeneização e amaciamento de carne.
Além do efeito físico de quebra de membrana celular, o ultrassom libera radicais livres a partir da molécula da água que também ajudam a inativar as bactérias, mas esses têm vida curta e não permanecem no alimento. “Quando exposta ao ultrassom, a água sofre um fenômeno chamado cavitação. Ela forma microbolhas que implodem e esse ponto de implosão apresenta uma temperatura muito alta (5.000 °C)”.
Por possuir algumas limitações, o método ainda está em pesquisa e tem sido usado apenas em pequena escala. O principal desafio é fazer o tratamento ser homogêneo: o sensor é inserido dentro do líquido, no centro, e alguns micro-organismos mais afastados podem não ser eliminados. Segundo Gut, uma possível alternativa seria agitar o líquido.
Plasma frio – Ainda em estudo e aplicada em pequena escala, essa técnica utiliza um gás (argônio, nitrogênio ou oxigênio) que, ao ser exposto a uma alta diferença de voltagem entre dois eletrodos, é ionizado e emite luz ultravioleta. “O mecanismo de inativação de micro-organismos é o mesmo que ocorre sob lâmpadas UV. Com a alta voltagem alternada, o gás se torna um plasma. Além de emitir ultravioleta, o plasma possui radicais livre, que são moléculas ou átomos oxidantes”, diz o pesquisador. Este é um tratamento para desinfecção superficial: o gás é liberado sobre um alimento sólido e elimina os micro-organismos presentes na superfície como, por exemplo, de uma fruta.
Luz pulsada – É um pulso de luz visível ou ultravioleta curto e com alta intensidade, a uma frequência de até 20Hz. Assim como o plasma frio, gera radicais livres pela ação da radiação UV e é um tratamento superficial para alimentos sólidos, com pequeno poder de penetração. “Contudo, esse processo é mais eficiente do que usar uma lâmpada UV. Em vez de emitir a luz ultravioleta continuamente, são aplicados curtos pulsos intensos, que facilitam a quebra do DNA dos micro-organismos”.
Aquecimento ôhmico – Nesse caso, aplica-se um campo elétrico no alimento – só funciona para alimentos líquidos e homogêneos. “São utilizados dois eletrodos com tensão alternada. Com isso, ocorre passagem de corrente elétrica dentro do alimento, que o aquece por inteiro e inativa as bactérias”, esclarece Gut. Apesar de ser um tratamento térmico, a grande vantagem do aquecimento ôhmico é que ele é uniforme e aquece o alimento muito mais rapidamente que métodos convencionais, evitando a exposição prolongada ao calor. Além disso, o campo elétrico gera poros na membrana celular dos micro-organismos, o que facilita a sua destruição.
“Deve ser usado com cuidado para alimentos heterogêneos, como uma sopa, porque o campo elétrico dentro de um grão de ervilha será diferente do campo elétrico dentro do caldo, por exemplo. Então você não garante um aquecimento uniforme”, completa.
Micro-ondas – Como a radiação das micro-ondas consegue penetrar em alimentos, gerando um aquecimento volumétrico, pode ser usada para proporcionar um rápido aquecimento. É um processo térmico, mas com menor exposição do alimento a alta temperatura. Sua desvantagem é o aquecimento não uniforme, como observamos em fornos domésticos, o que exige um controle cuidadoso do processo.
Campo elétrico pulsado – É uma variação não-térmica do aquecimento ôhmico. Enquanto no ôhmico o campo elétrico funciona o tempo todo, nesse método há uma série de pulsos elétricos de alta voltagem, aplicados sobre alimentos líquidos e homogêneos. Também pode ser combinado com calor (até 60 °C) e começou a ser usado recentemente pela indústria. A inativação se dá pela geração de poros na membrana celular.
“O diferencial de todas estas tecnologias emergentes é o uso de energia elétrica. No caso de processos térmicos como o aquecimento ôhmico ou por micro-ondas, tem-se uma eficiência de 90% do uso de energia. No aquecimento convencional, é necessário ter uma caldeira que gera vapor e queima combustível, com menor aproveitamento de energia. Em processos não-térmicos o consumo de energia é ainda menor. Além disso, usar energia elétrica de fonte renovável, como hidrelétrica ou eólica, é mais sustentável”.
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