28/01/2022 - Pesquisadores de São Paulo e Minas Gerais provaram que diferentes manejos de uvas, com o mínimo de interferência do enólogo durante a fermentação, o que ocorre por meio da adição de aminoácidos, vitaminas e nutrientes, podem trazer diferentes características aromáticas para espumantes. Utilizando uma variação da uva Chardonnay, os cientistas produziram um vinho mais floral dessa cultivar, mas não tão doce quanto um moscatel. Ou seja, chegaram a um espumante que ainda não existe no mercado.
Os estudos foram realizados por especialistas do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC) e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), ambos da USP, e da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG). Os resultados parciais da pesquisa foram publicados no Informe Agropecuário da EPAMIG – Produção de Vinhos Espumantes na Serra da Mantiqueira (2020).
Desenvolvidos no campus da EPAMIG de Caldas, município da região sul de Minas Gerais, entre 2016 e 2018, os experimentos tiveram o objetivo de analisar a influência do manejo da videira na constituição das características aromáticas da uva Chardonnay – escolhida para o estudo em razão da sua boa adaptação às condições do solo e do clima da Serra da Mantiqueira.
Para isso foram testados seis tipos diferentes, chamados de clones, da Chardonnay. As clonagens de uvas são mutações somáticas que acontecem naturalmente e são propagadas ao longo do tempo conforme a planta vai se adaptando a doenças e às condições climáticas.
Também foram usadas diferentes técnicas de manejo. Os pesquisadores testaram dez porta-enxertos ou “cavalos” (parte da raiz e do caule de plantas americanas ou híbridas que trazem resistência às doenças e adaptação a diferentes tipos de solo); três sistemas de condução das videiras (Lira, GDC e Espaldeira), em condições de maior ou menor acesso à radiação solar, temperatura e umidade das folhas e cachos; e cinco densidades de plantio (espaçamento entre as plantas).
“São práticas que podem ser adaptadas para a produção em larga escala. E em todas essas condições de manejo analisamos que houve interferência no aroma da uva e no do produto final, o espumante. Cada um desses processos gerou um resultado aromático diferente”, afirma Naíssa Prévide Bernardo, primeira autora da pesquisa e doutora em Ciência dos Alimentos pela FCF-USP, orientada pelo professor Eduardo Purgatto, do FoRC, e coorientada pela pesquisadora Renata Vieira da Mota, da EPAMIG.
Com os diversos experimentos, o estudo constatou uma grande diversidade de aromas da Chardonnay 809 em comparação com a Chardonnay 76, que é o clone mais utilizado no Brasil. Isso aconteceu devido à alta quantidade de compostos químicos que suas plantas produziram, os monoterpenoides.
Esses resultados mostram que há um alto potencial para a implementação dessa uva no sul de Minas e em outras regiões do país com características similares de clima e altitude. Produzido e certificado na França há mais de 30 anos, esse clone foi importado pela Vitacea Brasil e está sendo adaptado pela EPAMIG para o cultivo em solo brasileiro.
“Existem clones aromáticos e não aromáticos da cultivar Chardonnay. Nesse caso, comparando os clones não aromáticos e o clone aromático 809, verificamos uma produção de monoterpenoides bem mais alta pelo Chardonnay 809, como resultado da mutação desse clone que catalisa a biossíntese de compostos voláteis monoterpenoides pelos frutos da uva, as bagas. São os compostos voláteis que trazem o aroma aos produtos. E na quantidade que a planta Chardonnay 809 produziu, obtivemos características mais florais, além do aroma conhecido da Chardonnay de abacaxi e maçã verde, oriundo dos ésteres formados”, destaca a pesquisadora.
Assim, foi produzido um vinho com um sabor diferente dos demais espumantes dessa cultivar. “Trata-se de uma bebida suave, não tão intensa e doce como um moscatel, que é um vinho que também tem uma quantidade alta de monoterpenoides”, afirma Bernardo. “É um espumante com menos corpo, o que não significa que ele seja ruim. A proposta é ser um vinho para o dia-dia, então ele não pode ser pesado”, complementa Lucas Bueno do Amaral, enólogo da EPAMIG.
Etapas de produção - O processo se iniciou com a colheita das uvas em cada experimento estudado. Em seguida, as uvas passaram pelo desengace e prensagem, gerando o mosto. Do mosto, com ajuda de enzimas, foram retiradas as cascas e as sementes, procedimento necessário nos vinhos brancos. Então, se iniciou a fermentação alcoólica, que tem a adição de leveduras e coadjuvantes (aminoácidos, vitaminas, nutrientes), e a produção do vinho base. O espumante passou por uma segunda fermentação alcoólica, dessa vez em garrafas (método champenoise), em que foram adicionados açúcar e mais leveduras e coadjuvantes.
Na sequência, o produto passou por um período de 18 meses de repouso, proporcionando a morte das leveduras e a retenção do gás. Logo após, se deu o processo de dégorgement, etapa em que a borra do vinho é resfriada e retirada.
“O processo todo durou dois anos. Utilizamos leveduras neutras, porque não iriam alterar o aroma do vinho. Também não usamos aditivos para limpar o mosto; deixamos o frio realizar esse processo naturalmente. No vinho, tudo é modificável, mas quando mexemos o mínimo possível é que conseguimos avaliar o real potencial de uma uva”, detalha Lucas Bueno do Amaral, enólogo da EPAMIG.
Expansão das pesquisas - Um dos objetivos da equipe de enologia da EPAMIG é expandir a viticultura pelo país. De acordo com os pesquisadores, é possível adaptar o vinho e a metodologia que eles produziram nesse estudo para outras regiões. Situado em montanhas, o município de Caldas é um conhecido polo da produção de espumantes por conta de sua altitude de 1175 metros e um microclima específico: verão chuvoso, mas não tão quente, e um inverno muito frio e seco.
No caso da Chardonnay 809, os pesquisadores querem levar a produção para outras regiões com o intuito de avaliar, também, se os aromas permanecem os mesmos.
Atualmente, o espumante com a Chardonnay 76 foi lançado no mercado, com uma produção de 1.000 a 2.000 garrafas para apreciação de especialistas.
Sul de Minas - Com forte atuação da EPAMIG, a região do sul de Minas é reconhecida nacionalmente por seus espumantes. A cidade de Caldas, por exemplo, também é famosa pelo vinho Carvalho Branco, um espumante comercial de alta circulação. Já Poços de Caldas é tradicional na produção do Villa Mosconi e pelos espumantes produzidos pela Casa Geraldo em Andradas.
“Além da variedade Chardonnay, há uma gama de outros cultivares sendo produzidos no verão na região, alguns deles premiados”, afirma Amaral. “A EPAMIG também desenvolveu o sistema de dupla poda, que permite inverter o ciclo tradicional de colheita e colher as uvas no inverno, o que tem a vantagem de ser em uma época menos chuvosa. Assim podemos colher uvas mais sadias e com melhor maturação, elaborando vinhos tintos de alta qualidade e expandir nosso potencial”, complementa.
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