06/01/2020 - Quando assistimos a uma competição de ginástica artística e vemos aquele ginasta voar em uma barra, ou equilibrar-se em cruz num par suspenso de argolas, a impressão que temos é a de que são super-heróis. Mas não há nada de sobrenatural. O que existe é o esforço do atleta e o trabalho de diversos profissionais que o acompanham, entre eles os nutricionistas especializados em esporte. De acordo com Sueli Longo, nutricionista que já trabalhou com a seleção masculina brasileira de handball, a questão que mais preocupa quem a procura, tanto entre os atletas (os profissionais) quanto entre os desportistas (que praticam a modalidade porque gostam dela), é a relação entre o peso e a composição corporal: ou seja, a proporção de gordura corporal e de massa muscular, em relação ao quanto a modalidade esportiva exige. Em segundo lugar, aparece o rendimento, tanto no treino quanto nas provas ou jogos.
“Demora na recuperação pós treino e competição, aumento do número de lesões, alterações de indicadores em exames de rotina, que demandam alguma intervenção, cansaço e falta de fôlego também são questões comuns”, completa ela, especialista em nutrição e esporte, presidente do 15º Congresso da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN) e fundadora do Instituto de Nutrição Harmonie.
Sueli explica que o primeiro passo no atendimento de um atleta é fazer uma avaliação completa dele e de sua alimentação, entender sua composição corporal, colocar em uma planilha todos alimentos que ele consome (para compreender a oferta de energia – carboidratos, lipídios, vitaminas, minerais...), e correlacionar essas informações com o gasto que ele tem quando treina e quando compete. “É preciso ver se a equação bate. Pode acontecer de ele estar ingerindo menos do que precisa, pode acontecer de estar ingerindo mais.... Caso haja algum ajuste a ser feito, ele é realizado de acordo com o desgaste que o indivíduo tem e com sua demanda de energia, em função de fatores como o tipo de treino que ele está fazendo, o calendário esportivo que ele tem...”
O grupo que a nutricionista mais atende, hoje, é a população em geral que precisa de exercício por questões de saúde, e para fugir do sedentarismo. “Muitos começam caminhando, depois passam a correr pequenos circuitos, estabelecendo um desafio com elas mesmas, e depois, se gostam, correm grandes circuitos. Esta parcela da população está mais afeita a modismos alimentares. A síndrome da Deficiência Relativa de Energia em Esportes (RED-S), que acomete desportistas e atletas, requer atenção especial por parte dos profissionais que os acompanham, em função de suas consequências para a saúde e a performance deles.”
Modismos – Sueli afirma que o atleta treina sempre no limite, e tem de dar o melhor na modalidade. Já o desportista não está premido por essa condição. “O desportista é a vítima perfeita dos modismos alimentares, que incluem dietas restritivas, exclusões desnecessárias de alimentos... Estou falando de pessoas que treinam e seguem dietas da moda, muitas vezes com restrições severas. Nestes casos, muito provavelmente, faltarão nutrientes, porque elas não estarão comendo o suficiente. É provável que estejam ingerindo uma série de alimentos em menor quantidade, o que pode levar a uma condição de déficit nutricional.”
Segundo a nutricionista, diversos trabalhos científicos mostram que dietas da moda e dietas monótonas (consumo de poucos tipos de alimentos) são as que mais redundam em baixa oferta de vitaminas, minerais, e também em uma quantidade de energia insuficiente para a demanda gerada por uma atividade física regular. “Bons exemplos são o baixo consumo de leguminosas, peixe, oleaginosas, hortaliças, frutas, leite, carboidratos.... Isso pode gerar cansaço, irritabilidade, insônia, falta de atenção, dificuldade para perder peso, dificuldade para ganhar peso, stress, ansiedade, depressão, alterações do sistema imunológico... E, então, o desempenho e o rendimento caem.”
Sueli ressalta que não se deve subestimar as necessidades dos desportistas. “Por vezes, eles treinam mais do que o profissional. É preciso analisar o que ele faz: quanto tempo treina, com que frequência, tipo de treino, intensidade do treino.... E então avaliar a alimentação no contexto da atividade esportiva”.
Mas mesmo entre os atletas, afirma a especialista, pode haver problemas de adesão a dietas nas modalidades em que há a necessidade da manutenção de um peso muito baixo. “Ginastas, dançarinos, corredores, lutadores, patinadores artísticos – eles podem incorrer no mesmo tipo de restrição alimentar e acabar tendo o mesmo tipo de problema. É perfeitamente possível manter o atleta no peso que a modalidade pede, mas com uma alimentação que consiga suprir as necessidades nutricionais. É o tipo de caso em que o atleta precisa de um profissional acompanhando sua dieta. O que tem de ficar claro é que a modalidade não exige que ele seja desnutrido, mas que tenha um perfil de peso baixo, o que requer uma disciplina alimentar e de treinamento que demanda acompanhamento constante para evitar problemas, tanto no treino quanto na alimentação.”
Adolescentes – Sueli atenta ainda para os atletas crianças e os adolescentes, casos em que é preciso levar em conta a fase de crescimento, desenvolvimento e maturação sexual. “Nestes casos a maior preocupação é essa: o esporte não pode interferir em nenhuma das três fases. Mas, em modalidades que exigem preocupação extrema com o peso, dietas muito restritivas em energia e proteína, a criança pode ter um déficit de crescimento e o adolescente pode vir a ter um retardo na maturação sexual. Por causa de déficit proteico-calórico e por questões alimentares importantes, as meninas podem demorar mais para menstruar, por exemplo, ou os caracteres sexuais secundários acabam demandando mais tempo para aparecer”.
Com os adolescentes, alerta Sueli, é necessário ter atenção redobrada, pois são alvo de abordagens para uso de anabolizantes. “Isso existe, é uma preocupação, tanto com atletas quanto com desportistas”.
As meninas, nesta fase, sofrem mais cobrança no que diz respeito ao corpo. “Combinar as exigências do esporte com o padrão estético de beleza é mais difícil, em alguns casos. Um exemplo é quando começam a aparecer os caracteres secundários femininos, como o aumento da mama e do quadril.”
Longe de casa – É comum atletas jovens mudarem de cidade para poder seguir na carreira esportiva. Nesses casos, o trabalho do profissional de nutrição vai além da análise da dieta e de sua equalização, ou dos cuidados com as fases de desenvolvimento e de maturação sexual dos adolescentes.
“Muitos desses meninos nunca prepararam uma refeição, nunca fizeram uma feira ou um supermercado. Nesses casos, é preciso ensiná-los a comprar seus alimentos e a prepará-los”.
Atletas adultos profissionais que jogam longe de seus países de origem também precisam de um bom acompanhamento nutricional, individualizado. “Temos de trabalhar com os alimentos que o atleta gosta e está acostumado. Mas muitas vezes isso é impossível, porque ele veio de um país cuja tradição alimentar é completamente diferente. Então, é preciso adequar-se a essa condição.”
Saiba mais:
Você sabe quanto tempo leva para gastar a energia dos alimentos que consome?
Imagem: Przemysław Trojan por Pixabay">Pixabay
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