Na hora de preparar o jantar, você percebe que o pacote de arroz que ia abrir para cozinhar indica que o prazo de validade se esgotou três dias atrás. E agora? A data de validade indica que o produto estragou ou ele ainda pode ser consumido? E o que acontece se você o consumir? Aliás, já reparou nos produtos, como o vinagre, por exemplo, que não têm prazo de validade? Nestes casos, o que fazer se o produto apresentar mostras de deterioração?
Para o senso comum, o prazo de validade indica o tempo no qual o produto deve ser consumido. Mas, do ponto de vista técnico, trata-se do prazo no qual a empresa garante que o produto é seguro para a saúde do consumidor, observando-se as possibilidades de desenvolvimento e contaminação por micro-organismos, e também a manutenção de seu sabor, aroma, textura, umidade e outras qualidades sensoriais, explica Inar Alves de Castro, pesquisadora colaboradora do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center) e professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
Ela afirma que o prazo para consumo é determinado de acordo com a velocidade dos processos que promovem proliferação microbiológica e alteração nas características sensoriais. Esses, por sua vez, são relacionados ao que se chama técnica e cientificamente de nível de atividade de água. “É um indicador para a quantidade de água existente no alimento que está livre para reagir com outros nutrientes presentes ali, ou seja, para produzir outros compostos, participar de reações etc.”
Há alimentos que contêm água, mas ela não está disponível para participar de reações, pois está presa a outras moléculas. Eles têm prazo de validade bem maior, como é o caso, por exemplo, da carne de sol. Outros podem conter pouca água, mas boa parte dela está totalmente livre para reagir, como acontece com o pão de forma. “Quando o alimento tem bastante água ‘livre’, apresenta maior risco do ponto de vista microbiológico – desenvolvimento de bactérias, fungos etc –, já que os micro-organismos precisam dessa água para viver”, acrescenta Inar.
Segurança e responsabilidade – Por medida de segurança, as empresas costumam colocar prazos menores do que os que obtêm nos testes, simulações e processos de acompanhamento dos produtos já em circulação que elas fazem para saber qual seria o tempo ideal de consumo, a chamada ‘vida de prateleira’. “Mas não há garantias de que o produto não vá causar problemas ao consumidor, se ele optar por usar o produto depois do prazo de validade ter se esgotado. Caso o consumidor resolva utilizar o produto depois de findo o prazo de validade, ele será totalmente responsável por eventuais danos que venha a causar ou sofrer”, enfatiza a docente.
Isso muda se o produto está dentro do prazo de validade e apresenta atividade microbiológica danosa à saúde humana ou não mantém as características sensoriais esperadas pelo consumidor. Por exemplo, a bolacha precisa ser crocante e se manter assim até o prazo de validade se esgotar, e o pão de forma não pode desenvolver fungos (bolor, por exemplo) durante esse período.
“Essas mudanças anteriores à data de validade podem ser decorrentes de diversos fatores, desde falhas no processamento na fábrica até a forma de transporte e armazenagem no distribuidor ou na casa do consumidor. Porém, independentemente da causa, se está dentro do prazo de validade, o produto não pode apresentar problemas do ponto de vista microbiológico nem sensorial. Se isso ocorrer, a empresa fabricante pode ser acionada”, diz Inar.
As dicas são usar o bom senso e prestar atenção às diversas recomendações expressas nos rótulos para não ter problema com os produtos. Um exemplo é seguir a orientação sobre a armazenagem antes e depois de aberta a embalagem. O outro é observar se tem indicação sobre o prazo a ser consumido depois que ele é aberto.
Sem data de validade obrigatória – As informações da data de validade são obrigatórias por lei e devem ser expressas de acordo com o definido pela resolução RDC 259, de setembro de 2002, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) , que regulamenta a rotulagem dos produtos estabelecendo como o prazo de validade deve ser declarado. Ela também estabelece quais produtos não precisam especificar essa data, caso das frutas e hortaliças frescas, vinhos, bebidas alcoólicas que contenham 10% ou mais de álcool, vinagre, açúcar sólido, produtos de confeitaria à base de açúcar, aromatizados e ou coloridos (balas, caramelos, confeitos, pastilhas e similares), e sal (não se aplica para sal enriquecido). São exemplos de alimentos que têm baixo nível de atividade de água ou que podem ter alterações sensoriais não relevantes ou até mesmo benéficas para o consumidor – caso, por exemplo, das reações que ‘envelhecem’ o vinho ao longo do tempo.
“No caso de produtos com álcool, a partir de um certo teor, há inibição da ação microbiológica e, se acaso ela acontece, deriva da ocorrência de algum problema na embalagem ou na estocagem. É mais raro a gente observar problema em alimentos sem data de validade, mas se isso ocorrer, a responsabilidade é da empresa”, ressalta.
A água mineral não está entre os casos de produtos que não têm data de validade, e para ela valem as mesmas recomendações feitas para outros alimentos. “O consumidor pode ficar tranquilo em relação a produtos que não têm data de validade. A responsabilidade, no caso desse tipo de produto apresentar problema, é da empresa.”
Produtos de panificação e confeitaria que, pela natureza do conteúdo, sejam em geral consumidos dentro de 24 horas seguintes à sua fabricação também não precisam de prazo de validade obrigatório.
Reprocessamento – Quando alguns tipos de produto estão prestes a vencer nos postos de venda, a empresa pode recolhê-los e fazer um reprocessamento. Os produtos aptos ao reprocessamento são geralmente aqueles que passam por tratamento térmico para garantia microbiológica e que, sensorialmente, não se alterem muito com o procedimento, caso do chocolate, por exemplo, que pode ser derretido e reprocessado.
“A empresa não pode colocar uma data muito abaixo do que seria o limite para o produto começar a apresentar alterações sensoriais ou microbiológicas, porque isso vai aumentar o custo de reprocessamento e gerar prejuízo”, aponta Inar. Por outro lado, também não pode colocar um prazo muito longo, para não correr o risco de prejudicar a saúde do consumidor ou vender produtos com qualidade abaixo do esperado, que não satisfaçam os requisitos sensoriais.
“Nos cálculos, a empresa equilibra o custo de reprocessar, de ter de indenizar um consumidor e as medidas sensoriais e microbiológicas para fazer a estimativa da validade. O ajuste é muito bem feito.”
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Imagem: Pixabay (Creative Commons, atribuição não requerida)
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