Bio-enriquecimento é alternativa natural para aumentar o teor de nutrientes dos alimentos

Processo, que vem sendo pesquisado por uma bióloga da FCF-USP, é feito de maneira natural a partir de micro-organismos.

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As mulheres que já engravidaram conhecem bem a rotina do pré-natal: uma das primeiras coisas que o médico receita à gestante é um suplemento vitamínico que contém, entre outros nutrientes, ácido fólico. Pensando nesse grupo específico, a bióloga Marcela Albuquerque vem pesquisando, sob a orientação da professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), Susana Saad, a possibilidade de bio-enriquecer alimentos líquidos à base de soja utilizando micro-organismos produtores de folato (vitamina B9). O folato é o termo genérico utilizado para denominar as formas naturais da vitamina, bem como a forma sintética, quimicamente produzida, conhecida por ácido fólico.

“Enriquecimento ou fortificação é o processo de adicionar nutrientes – na maioria das vezes, sintéticos – a alimentos formulados ou manufaturados selecionados, frequentemente como medida de saúde pública. Exemplos são a adição de vitamina D ao leite, de ácido fólico às farinhas, ou de iodo ao sal. O bio-enriquecimento é um tipo de fortificação do alimento, mas feita de maneira natural. No nosso caso, usamos micro-organismos benéficos para produzir, por meio de fermentação, uma determinada vitamina: o folato”, explica Marcela.

Segundo ela, podem ser usadas para este fim bactérias ou leveduras, desde que sejam seguras para o consumo humano, evidentemente. “Os micro-organismos também podem ser combinados, pois, muitas vezes, um estimula o outro a produzir o nutriente desejado. Pelo que se sabe até agora, alguns micro-organismos são capazes de produzir algumas vitaminas do complexo B: tiamina (B1); riboflavina (B2); folato (B9) e cobalamina (B12); além de vitamina K.”

A pesquisadora trabalhou com um produto fermentado à base de soja, próxima de um iogurte, e testou treze cepas de micro-organismos benéficos sendo alguns deles probióticos, com o objetivo de fazê-los produzir folato. Das treze, chegou a uma combinação de duas cepas (Streptococcus thermophilus e Lactobacillus rhamnosus) para elaborar um produto de soja fermentado bio-enriquecido com folato. “Foram aquelas que me deram a melhor resposta em termos de quantidade de folato produzido. Observamos que o produto fermentado de soja bio-enriquecido por essa combinação de cepas pode contribuir com aproximadamente 14% da ingestão diária recomendada de folato se consumido até o dia 14 de armazenamento”, conta ela. 

A bióloga afirma que, primeiro, é preciso saber se os micro-organismos podem produzir naturalmente o nutriente desejado no alimento a que estão sendo aplicados. E ressalta que, para obter sucesso, é preciso fornecer aos micro-organismos as melhores condições de incubação para que se reproduzam e produzam a vitamina. “O processo depende dos nutrientes disponíveis, da temperatura ótima de crescimento, da atmosfera (com ou sem presença de oxigênio, dependendo do micro-organismo), do pH, entre outros fatores. Tudo isso pode influenciar o desempenho desses micro-organismos.” 

Mas nem todo alimento pode ser bio-enriquecido por esse processo, já que ele depende da fermentação. “Para que os micro-organismos produzam a vitamina desejada ou um composto antimicrobiano, por exemplo, dependemos do processo de fermentação. Não seria possível, por exemplo, bio-enriquecer um arroz por esse processo a não ser que fosse feito um fermentado do arroz. Aí sim, esse produto poderia ser bio-enriquecido.”

Ela ressalta que, para enriquecer grãos, cereais, vegetais e outros cultivos, o caminho seria a engenharia genética, e não a microbiologia. “Existe uma outra prática, que é a biofortificação. Segundo a Organização Mundial da Saúde, biofortificação é o processo pelo qual a qualidade nutricional de vegetais comestíveis é melhorada através de práticas de agronomia, melhoramento de plantas convencionais ou biotecnologia moderna. Para este fim, não é necessário o uso de materiais geneticamente modificados, como os transgênicos”.

Vantagens – Já alimentos como iogurte, leite fermentado, soja fermentada e produtos de panificação podem ser bio-enriquecidos pela metodologia utilizada por Marcela. Segundo ela, a fermentação é um processo barato se comparado à adição de um componente químico ao alimento, o que pode representar um ganho para a indústria. “Ela consegue transformar produtos baratos em produtos de alto valor agregado. O produto tem um apelo mais natural, tanto sob o ponto de vista funcional quanto nutritivo. E sabemos que o consumidor, hoje, busca produtos com apelos cada vez mais naturais”. 

Dependendo do que há vinculado ao produto, diz a bióloga, pode-se acumular mais de uma propriedade funcional aos alimentos bio-enriquecidos. “Se a bactéria usada para bio-enriquecer o produto também for um probiótico, ele vai ser um produto bio-enriquecido com características probióticas. Caso ele contenha também um prebiótico, será um produto multifuncional: bio-enriquecido, probiótico e prebiótico ou, simplesmente, um alimento simbiótico bio-enriquecido.” 

A orientadora da pesquisa, a professora Susana Saad, que também integra o Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC - Food Research Center), lembra que, do ponto de vista do processo produtivo, haveria uma única desvantagem para a indústria. “O produto fermentado demora mais para ficar pronto. Ele usa mais energia porque vai ter de ficar fermentando a uma certa temperatura. Muitas vezes é preciso ter um equipamento adequado para fazer a fermentação em grande escala”.

Ainda não existem, no mercado brasileiro, produtos bio-enriquecidos por esse processo. “Mas ele é viável e tem benefícios para o consumidor. Sobretudo para grupos que precisam de uma suplementação com determinados nutrientes, como o caso das gestantes”, afirma Marcela. 

Imagem: Pixabay/Creative Commons

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