Pesquisadores testam subprodutos do processamento de frutas e soja para bio-enriquecer alimentos

Eles podem ser usados para estimular a produção de vitaminas pelos micro-organismos benéficos utilizados no processo de bio-enriquecimento por fermentação

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31/10/2019 - Na tentativa de melhorar o processo de bio-enriquecimento da bebida fermentada à base de soja com a qual trabalhou, Marcela Albuquerque, orientada pela professora Susana Saad, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), usou subprodutos do processamento de frutas e de soja. “Subproduto de fruta é todo material descartado pela indústria processadora de frutas, principalmente as indústrias de suco, na forma de cascas, sementes, restos de polpa, entre outros. Grande quantidade desses subprodutos de fruta é subutilizado e acaba servindo, em grande parte, como ração para animais. Outra preocupação é o potencial poluente desses subprodutos no meio ambiente em virtude dos descartes inadequados.”

O material oriundo do processamento de frutas foi desidratado e transformado em um pó, usado na tentativa de estimular tanto o crescimento dos micro-organismos adicionados ao produto quanto a produção do folato (vitamina B9). 

Susana Saad, que atua também como pesquisadora do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC - Food Research Center), ressalta que o insight partiu de outro projeto temático que ela coordena, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e que está chegando ao final. O projeto chama-se BioSyn - Bioactive components from by-products of food processing used in a synbiotic approach for improving human health and well-being. “O objetivo era justamente testar a atividade prebiótica de subprodutos de frutas, oleáceas e até de cervejarias, como o malte, por exemplo. Saber se eles tinham a propriedade de estimular micro-organismos probióticos”, explica. Segundo ela, o grupo tem trabalhado muito com o resíduo da soja, o okara.

Em sua bebida fermentada à base de soja, Marcela testou, além do okara, os subprodutos de acerola, maracujá, laranja e da manga. Já a farinha de amaranto é um produto muito utilizado na indústria alimentícia e de alta qualidade nutricional. Ela revela que o melhor resultado, do ponto de vista do estímulo à produção de folato, foi obtido com o subproduto da laranja, mas o sabor residual amargo inviabilizou sua utilização. O subproduto do maracujá foi o mais viável entre os testados por apresentar a menor concentração da vitamina.

“O experimento foi exitoso para algumas cepas e alguns resíduos, que estimularam tanto o crescimento da bactéria quanto a produção de folato. Mas os resultados variaram, naturalmente. O okara, por exemplo, é rico em folato. Por isso, quando usamos o okara, constatamos que poucas cepas foram capazes de produzir a vitamina, possivelmente porque ela já estava presente no okara ali no meio de cultura. Testei vários resíduos de fruta e acabei optando pelo maracujá, porque era o que tinha o menor teor de folato. Então imaginamos que, por ter pouca quantidade de folato, o resíduo do maracujá não iria inibir a produção da vitamina pelas bactérias testadas nos experimentos seguintes.”

Marcela ressalta que o uso do subproduto de maracujá, juntamente com as cepas comerciais Streptococcus thermophilus TH-4 e Lactobacillus rhamnosus LGG, promoveu o bio-enriquecimento dos produtos fermentados de soja desenvolvidos em sua tese de doutorado. Tais produtos promoveram a sobrevivência do lactobacilo e aumentaram a bioacessibilidade do folato durante a digestão do produto bio-enriquecido utilizando um modelo de simulação gastrointestinal in vitro. 

“Simulamos a atividade gastrointestinal humana utilizando um modelo in vitro para saber como o nosso organismo reagiria à ingestão do produto fermentado de soja e constatamos que a bioacessibilidade do folato presente nos produtos fermentados de soja aumentou principalmente no intestino delgado, local de absorção desse nutriente. Ou seja: em um modelo simulado, constatamos que o folato ficou mais acessível à absorção pelo nosso organismo.”

Segundo Marcela, o próximo passo seria a realização de testes para saber se o produto bio-enriquecido com folato supriria a necessidade desta vitamina nos grupos que precisam de um aporte mais intenso do nutriente, como gestantes e demais pessoas com deficiência de vitamina B9.


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