08/04/2022 - A ciência ainda não encontrou a cura para as alergias alimentares. E por mais que boa parte delas surja e seja superada durante a infância, uma parte considerável afeta diretamente os adultos. No entanto, as ferramentas de tratamento disponíveis hoje são capazes de proporcionar ao alérgico uma tranquilidade maior, garantindo que ele possa consumir o alimento que lhe faz passar mal desde que seja em pequena quantidade.
O Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar de 2018, da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, baseado em pesquisas recentes, estima que as alergias alimentares afetem 6% das crianças¹ e 3,5% dos adultos². “Os números são discrepantes porque a maioria das crianças desenvolve tolerância aos alimentos dos três aos cinco anos de idade. No entanto, somente uma porção pequena delas se mantém alérgica até a fase adulta”, afirma o médico José Luiz de Magalhães Rios, membro da ASBAI.
Não há dados sobre a prevalência das alergias mais comuns em adultos, mas os especialistas apontam que a maioria das reações são ocasionadas por diversos tipos de frutos do mar e alimentos oleaginosos, como nozes, castanhas e amêndoas. Nas crianças, há um número maior de alimentos potencialmente alergênicos, o que inclui o leite, o ovo e o trigo. E por mais que a maioria surja na infância, novas alergias podem se manifestar a qualquer momento. “Não há uma certeza. É muito comum na clínica eu ver pacientes que comeram camarão ou castanha-do-Pará [também conhecida como castanha-do-Brasil] durante a vida toda e de repente passarem a ter complicações”, complementa.
Imunoterapia – Muitas alergias alimentares são superadas de forma espontânea. Contudo, ainda não há uma forma de garantir por meio da clínica a cura do paciente. O tratamento principal e mais tradicional consiste em identificar o alimento alergênico e educar a pessoa a não consumi-lo, especialmente quando ele pode ser apresentado sob formas de difícil identificação, junto com outros ou como parte de um produto industrializado. São os chamados antígenos ocultos.
Um novo método existente hoje, porém, permite que o alérgico não passe mal ao consumir pequenas quantidades do alimento alergênico. Trata-se da imunoterapia oral para dessensibilização ao alimento, por meio da administração de vacinas que incluem o alérgeno diluído em pequenas quantidades. Conforme vão sendo administradas as doses, a concentração do alérgeno vai aumentando e, com ela, a tolerância do indivíduo àquele alimento. Dessa forma, eventuais reações passam, gradativamente, a ser menos intensas.
A estratégia, que tem sido desenvolvida ao longo dos últimos 15 anos, promove a tolerância ao alimento e é destinada somente às formas graves de alergia, e apenas a alimentos universalmente presentes, que sejam difíceis de se evitar. “Se um adulto alérgico a nozes está fazendo imunoterapia e come, por engano, um alimento que leva nozes, ele não terá mais reações intensas. É um tratamento que possibilita que o paciente consuma, por exemplo, até quatro castanhas. É pouco para ele fazer uma refeição, mas é o suficiente para que não passe tão mal, podendo ter um choque anafilático por engano”, explica Rios.
A terapia leva meses e obriga que o paciente continue ingerindo o alimento após o seu encerramento para mantê-lo inibido pelo sistema imunológico. O acesso a ela ainda é difícil no país. “O método não é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas algumas universidades, como a Universidade de São Paulo, por meio do Hospital das Clínicas, e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, por meio do Hospital Pedro Ernesto, o promovem gratuitamente”.
Sem consenso – As causas por trás das alergias alimentares ainda não foram claramente compreendidas pela ciência, assim como as formas de prevenção, por mais que se trate de um tema pesquisado com ênfase e algumas hipóteses tenham sido consideradas nos últimos anos. “Sabe-se que o aleitamento materno é importante para evitá-las, mas nada além disso. Há muitos grupos que apontam os antibióticos como vilões, uma vez que causam o desequilíbrio da microbiota, podendo deixar o organismo mais suscetível. Outros indicam que a introdução de alimentos alergênicos na alimentação de bebês pode ser benéfica. Contudo, não se chegou a um consenso”, aponta o imunologista.
Também não há certeza de que mudar os hábitos alimentares seja uma forma de prevenção. “O que há de concreto é que temos um aumento no número de casos de alergias, ao mesmo tempo que temos um crescimento do consumo de alimentos industrializados. No entanto, ainda não dá para afirmar que esses dois índices caminham juntos”³.
Tipos de alergias – As alergias alimentares são reações originadas no tecido linfóide associado ao intestino, conjunto de células criadas pelo sistema imune para reconhecer e criar tolerância às proteínas alimentares que transitam pelo órgão. Elas ocorrem por conta de um erro nesse tecido que, por não ser capaz de tolerar certas proteínas, acaba desenvolvendo reações alérgicas como forma de alertar o sistema imune da presença do componente.
O conceito é diferente de outras reações como a intolerância à lactose ou a vermelhidão no rosto causada por bebidas alcoólicas, por exemplo. “São reações que não passam pelo sistema imune. A intolerância é uma outra categoria porque consiste na incapacidade do organismo em digerir o alimento”, destaca o profissional.
As alergias alimentares ainda se dividem em duas categorias: as mediadas e as não mediadas pela imunoglobulina E (IgE), uma categoria de anticorpos que está envolvida nas reações alérgicas em geral. A diferença se dá na velocidade em que as reações ocorrem e no envolvimento de outros órgãos. “Uma reação mediada por IgE é, por exemplo, aquela em que minutos depois de comer um camarão, por exemplo, a pessoa alérgica sente coceira e inchaço na boca, mas também pode apresentar placas no corpo (urticária), falta de ar etc. Enquanto na reação não mediada por IgE, os sintomas são somente digestivos, e podem demorar dias para se manifestar, como, por exemplo, uma diarreia causada pelo leite”.
Os sintomas das alergias alimentares podem ser divididos em quatro categorias, listadas em ordem de frequência:
● Reações de pele: urticária (presente em cerca de 70% das reações), edemas (inchaços) na boca, nos olhos ou na glote;
● Reações intestinais: vômito ou ânsia de vômito e cólica;
● Reações respiratórias: falta de ar e rinite (mais comum em pessoas que já tem asma ou rinite crônica);
● Reações anafiláticas: quando reúne mais de uma categoria ao mesmo tempo. Pode ser leve ou muito grave, como em um choque anafilático, proporcionando queda na pressão arterial, paralisação da respiração, e inchaço no rosto e na glote, podendo levar à morte. Porém, essa manifestação ocorre em uma frequência muito pequena.
Referências:
1. Labrosse R, Graham F, Caubet J-C. Non-IgE-Mediated Gastrointestinal Food Allergies in Children: An Update. Nutrients. 2020 Jul 14;12(7):2086.
2. Nwaru BI, Hickstein L, Panesar SS, Roberts G, Muraro A, Sheikh A, et al. Prevalence of common food allergies in Europe: a systematic review and meta-analysis. Allergy. 2014;69(8):992–1007.
3. Savage J, Johns CB.Food allergy: epidemiology and natural history. Immunol Allergy Clin North Am. 2015;35(1):45-59.
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