Eficácia da suplementação com vitamina C para prevenir resfriados é relativa

Você sabia?

A vitamina C, ou ácido ascórbico, atua no sistema imunológico, por isso sua ingestão regular pode estar relacionada com redução de risco de gripes e resfriados. Mas, de acordo com a nutricionista Eliana Bistriche Giuntini, do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), essa capacidade de redução do risco ainda é controversa no meio científico. “Todo mundo associa vitamina C com prevenção e melhora de resfriado e gripe. Embora haja estudos revelando que, se você consome regularmente, pode haver certa proteção, não dá para cravar essa informação com cem por cento de certeza”, afirma.

Ela cita uma revisão feita em 2013 com bases de dados de 1996 a 2012, com o objetivo de avaliar se a vitamina C reduz a incidência, a duração ou a gravidade de um resfriado comum, quando usada como suplementação diária e contínua (prevenção) ou de forma terapêutica (após o início dos sintomas do resfriado). Suplementação, aqui, quer dizer a ingestão da vitamina na forma de suplemento (os famosos efervescentes, ou a vitamina C em gotas). Foi avaliado o risco relativo (RR) de desenvolvimento de um resfriado durante a suplementação em 29 diferentes comparações, que envolveram 11.306 participantes. 

Os dados obtidos indicaram que, nos estudos que incluíam a população em geral (10.708 participantes) o RR foi de 0,97 e, nos estudos incluindo maratonistas, esquiadores e soldados (598 participantes), o RR foi de 0,48. Com base nos resultados, os autores concluíram que a suplementação diária com vitamina C pela população em geral com o objetivo de prevenir um resfriado não se justifica, pois o risco relativo permaneceu muito alto. “Mas a intervenção pode ser útil para pessoas expostas a curtos períodos de exercício físico intenso”, afirmaram. Neste caso, como mostram os resultados, o RR foi reduzido pela metade.

Por outro lado, diz o levantamento, a análise de 31 estudos comparando 9.745 pessoas comuns no tocante ao efeito do uso regular diário de vitamina C na duração do resfriado (número médio de dias que dura o evento) mostrou que a suplementação provoca uma redução pequena, mas consistente. Os autores concluíram que a suplementação diária com uma dose maior ou igual a 0,2 g/dia de vitamina C reduziu a duração do resfriado comum em 8% nos adultos e 14% em crianças, e a suplementação com 1 a 2 g/dia de vitamina C reduziu em 18% a duração do resfriado comum em crianças.

Já a eficácia do uso da vitamina C como tratamento não foi comprovada. “Os resultados dos estudos em que os voluntários ingeriram altas doses de vitamina C como tratamento, depois do início dos sintomas de resfriado, indicam que ela não produz nenhum efeito consistente sobre a duração ou a intensidade dos sintomas do resfriado comum”, diz o resumo do estudo, ressalvando que existem poucos estudos a esse respeito e nenhum deles inclui crianças – grupo em que o uso de vitamina C na prevenção do resfriado foi mais significante.

“O consumo de alimentos fontes de vitamina C é essencial ao organismo humano. Mas, se o intuito de uma suplementação for reduzir o risco de pegar uma gripe, como se viu, os estudos mostram que essa ingestão extra pode fazer pouca diferença para a população normal em geral”, reitera Eliana. 

Benefícios comprovados – Apesar da conexão entre ingestão de vitamina C e prevenção da gripe não ser um dado cem por cento comprovado, há bom material na literatura especializada sobre os efeitos benéficos desse micronutriente. “Ele atua como antioxidante e participa na síntese de aminoácidos e hormônios, principalmente dopamina e norepinefrina, que são neurotransmissores relacionados ao humor, à atenção, ao sono, ao estresse e à ansiedade. Também auxilia na cicatrização de tecidos, promovendo reações químicas, como a hidroxilação do colágeno e a síntese de elastina e outras substâncias do tecido conjuntivo, e na formação da parede de capilares sanguíneos, reduzindo sua rigidez e a agregação plaquetária”, resume a nutricionista.

A falta de vitamina C geralmente está associada ao escorbuto, cujos sintomas são a presença de hematomas, sangramento nas gengivas, fraqueza nas pernas e braços, perda de dentes e dor nas articulações. Durante muito tempo, o escorbuto foi chamado de “doença dos marinheiros”, pois eles passavam meses no mar sem consumir vegetais frescos (uma das fontes da vitamina C) ficando, assim, mais suscetíveis ao desenvolvimento da doença. “Atualmente ela é bastante rara, mas pode ocorrer em portadores de diarreia crônica e de alcoolismo, quando associada à desnutrição. Em pessoas que se alimentam de forma adequada, normalmente, uma deficiência de ingestão só apareceria depois de cerca de 6 meses de baixo consumo. A anemia pode ser um alerta de deficiência, uma vez que a vitamina C ajuda na absorção do ferro presente nos alimentos. Outros sintomas mais graves são petéquias – pontos vermelhos no corpo causados por uma pequena hemorragia de vasos sanguíneos – e equimoses ou hematomas, quando ocorrem rupturas de capilares do tecido subcutâneo. Podem ocorrer também sintomas de ordem psicológica, como histeria e depressão”, alerta Eliana.

Câncer de pulmão – Dados de um estudo no Canadá (1996-2002) foram utilizados para investigar o papel da ingestão de alimentos fontes de carotenoides e vitamina C no risco de desenvolvimento de câncer de pulmão. O estudo envolveu dados sobre a dieta de quase 2.500 pessoas (entre casos incidentes e população controle). Foram avaliados dados de questionários semi quantitativos de frequência alimentar relacionados ao consumo de 49 frutas e vegetais num período de dois anos antes do diagnóstico. “Naqueles que fumam uma quantidade maior ou igual a 1.310 cigarros por ano, os cientistas observaram um efeito protetor nas pessoas do sexo masculino com a ingestão elevada de carotenoides; e o mesmo aconteceu com a ingestão de vitamina C por mulheres”, informa Eliana.

Os autores perceberam ainda que vários antioxidantes, incluindo a vitamina C, encontrados em fontes alimentares comuns, principalmente vegetais crucíferos (como couve, brócolis, rúcula, agrião e repolho) – e frutas cítricas – como laranja, tangerina (mexerica ou bergamota) e limão – podem proteger contra o câncer de pulmão, mesmo entre fumantes pesados.

Quanto se deve ingerir – A vitamina C não é produzida no organismo humano nem armazenada por ele; por isso, devemos consumir diariamente alimentos que sejam fontes desse micronutriente. A vitamina C é solúvel em água e está presente tanto em células animais quanto vegetais, embora as principais fontes sejam as frutas e hortaliças. As mais conhecidas fontes são laranja e outros cítricos, mas abacaxi, acerola, caqui, caju, goiaba, mamão, manga e morango também são fontes de vitamina C. Entre as hortaliças, destacam-se o agrião, a rúcula, e o pimentão.

De acordo com Eliana, a vitamina C é um micronutriente muito sensível e sua concentração pode variar durante a maturação dos vegetais, a maneira como são transportados ou armazenados. “Também se sabe que há perdas significativas durante a cocção dos alimentos, mas é difícil quantificar exatamente. A Food and Agriculture Organization (FAO) e a World Health Organization estimaram essas perdas em algo entre 52% e 82% em um documento de 2004.”

Segundo FAO/WHO, normalmente a ingestão de 45 mg/dia é suficiente para as nossas necessidades, mas gestantes e mulheres que estão amamentando devem consumir mais, algo entre 55 mg/dia e 70 mg/dia. 

Para se ter uma ideia de quantidades, dados da Tabela Brasileira de Composição Alimentar (TBCA), apontam que uma laranja pera tem 52,2 mg de vitamina C e um copo com 100 ml de suco de laranja tem 73,3 mg de vitamina C. “Como nossa dieta diária recomendada tem mais ou menos 2 mil kcal, a princípio, com pouco mais de uma laranja por dia, o indivíduo supre a sua necessidade diária de vitamina C. Um copo de suco tem quase o total diário necessário para um indivíduo comum”, contabiliza Eliana. Segundo ela, como o organismo não armazena a vitamina C, vai reter apenas o necessário. O restante, ele dispensa.

“É muito raro que a pessoa tenha uma superdosagem de vitamina C, justamente porque o organismo se livra dos excessos e não armazenamos esse micronutriente nos tecidos. Mas é possível, devido à ingestão da vitamina na forma de suplemento (efervescentes ou vitamina C em gotas), se o consumidor achar que quanto maior o consumo, maior sua proteção. A ingestão desses suplementos é muito comum, geralmente porque a pessoa tem consciência de estar fazendo uma alimentação inadequada e quer corrigir isso, ou está preocupada em ‘prevenir’ um resfriado, uma gripe. Acontece que a quantidade de vitamina C presente nesses suplementos é, geralmente, bem maior do que a recomendada pela FAO/WHO. E megadoses podem interferir na disponibilidade da vitamina B12 dos alimentos, o que poderia causar deficiência dessa vitamina”, revela a nutricionista.

Entre os efeitos do consumo excessivo ela lista problemas gastrointestinais, principalmente diarreia, cálculos renais e absorção excessiva de ferro. “A vitamina C pode aumentar a biodisponibilidade do ferro, pois o mantém na forma ferrosa, o que facilita sua absorção. Isso é bom, mas deve-se evitar excessos”, explica.

Curiosidades

- A vitamina C foi isolada pela primeira vez por volta de 1930 e desde então tem sido usada no tratamento de infecções respiratórias. Tornou-se bastante popular na década de 1970, quando o prêmio Nobel Linus Pauling concluiu, com base nos primeiros estudos controlados por placebo, que a vitamina C poderia prevenir e melhorar o resfriado.

- Diferente de outros animais, os homens e vários outros primatas, não podem autosintetizar a vitamina C. A hipótese é que com a evolução, o homem perdeu a enzima l-gulonolactona oxidase, necessária na fase terminal da biossíntese do ácido ascórbico, porque houve uma grande mutação do gene relacionado à produção dessa enzima. É por isso que seres humanos têm que consumir alimentos fonte de vitamina C.

Fontes

FAO/WHO Expert Consultation on Human Vitamin and Mineral Requirements. Vitamin and mineral requirements in human nutrition: report of a joint FAO/WHO expert consultation, Bangkok, Thailand, 21–30 September 1998. Segunda edição, 2004

Shareck et al. Inverse Association between Dietary Intake of Selected Carotenoids and Vitamin C and Risk of Lung Cancer. Frontiers in Oncology. 7. Article 23. Feb. 2017 Disponível em: https://doi.org/10.3389/fonc.2017.00023

Hemilä, H; Chalker, E. Vitamin C for preventing and treating the common cold. Disponível em: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD000980.pub4/full

Imagem: Pete Linforth por Pixabay">Pixabay

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