Corantes naturais feitos de resíduos têm potencial para substituir os sintéticos

Para serem aplicados na indústria, no entanto, será necessário resolver problemas como a estabilidade dos compostos e a padronização das cores.

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01/07/2020 - Casca de uva, de tomate, de beterraba, de cenoura, de amora e de framboesa. Esses são alguns resíduos da indústria de alimentos e bebidas que têm grande potencial de serem fontes de corantes naturais. Além de ricos em carotenoides e antocianinas (substâncias químicas responsáveis por dar cor aos vegetais), vários deles carregam propriedades benéficas à saúde, mesmo que em pequenas quantidades. A uva, por exemplo, tem alto teor de resveratrol, uma substância antioxidante, anti-inflamatória e cardioprotetora.

O uso desses resíduos para a produção de corantes está no radar dos cientistas há décadas, mas ainda não despertou a atenção da indústria. Embora hoje alguns dos corantes mais utilizados pela indústria alimentícia sejam naturais, como extratos de urucum, carmim de cochonilha, curcumina, antocianinas e betalaínas, os sintéticos ainda são muito mais vantajosos para determinados alimentos e processos, uma vez que os corantes naturais têm alguns problemas que a tecnologia ainda não resolveu.

Segundo o engenheiro de alimentos Rodrigo Nunes Cavalcanti, pesquisador do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), um dos maiores inconvenientes para o uso de corantes naturais é sua alta instabilidade. “Eles são facilmente degradados em altas temperaturas e, dependendo do corante, muito instáveis ao oxigênio e à luz. As antocianinas, por exemplo, são muito suscetíveis a todos eles. Por isso, as condições operacionais e de processo são mais complicadas do que as utilizadas no trato com os corantes sintéticos”, explica.

É possível minimizar os problemas causados pela exposição à luz e ao oxigênio com o uso de embalagens adequadas, por exemplo. No entanto, a questão da temperatura é mais complexa. “Isso, porque os processamentos da indústria alimentícia que envolvem pasteurização e esterilização implicam no uso de alta temperatura, necessária para se ter um alimento seguro para o consumo”, diz.

Além disso, complementa Cavalcanti, é muito mais fácil manipular a intensidade e as nuances da cor nos corantes sintéticos do que nos naturais. “Vamos supor que se queira usar o repolho roxo como fonte. A intensidade da cor dessa fonte é variada na natureza; é preciso padronizar. A intensidade tem a ver com o grau de diluição do corante, mas há uma limitação para isso, que é a fonte do corante. Além do mais, no caso dos naturais, é muito mais difícil, por exemplo, deixar uma cor mais vibrante e intensa que a coloração da concentração base sintetizada a partir da matéria prima orgânica. Com os sintéticos, há mais margem para manipulação. Para trabalhar com os naturais, é preciso saber muito bem qual é a amplitude de cores que aquele corante permite”, resume.

As antocianinas encontradas na uva, framboesa, amora e mirtilo, por exemplo, fornecem tonalidades diferentes que variam desde o vermelho, violeta ao azulado, dependendo da acidez. “É preciso garantir que o pH do produto se mantenha estável para se ter uma cor igualmente estável.”

Custo atrativo – O maior apelo para o investimento em corantes feitos de resíduos seria o custo, crê Cavalcanti, que trabalhou com extração de antocianinas a partir de resíduo de jaboticaba durante o seu doutorado. “É mais barato extrair o corante do resíduo. No caso da uva, por exemplo: extrair o corante da fruta ainda não processada teria um impacto de custo muito alto. Mas, se a indústria já é a detentora do resíduo, o custo de obtenção do resíduo é praticamente zero. Mesmo que o resíduo seja adquirido por outra indústria, certamente custará bem menos do que a uva íntegra. Além disso, o fato de o corante vir do resíduo facilita a extração, pois na uva a antocianina está na casca. Assim, pré-separada a casca, o processo de obtenção do corante é facilitado”, explica.

Outro apelo para a substituição dos sintéticos pelos naturais está relacionado à saúde. Apesar de os sintéticos terem a seu favor o domínio do processo e a qualidade e a estabilidade do produto final, há uma preocupação se eles poderiam provocar danos à saúde. “Alguns estudos indicam, por exemplo, que determinados corantes sintéticos poderiam estar associados a efeitos prejudiciais em alguns órgãos ou serem carcinogênicos, dependendo da quantidade ingerida e da frequência de uso, assim os problemas seriam decorrentes de efeito cumulativo”, afirma Cavalcanti.

Embora muitos consumidores rejeitem os aditivos artificiais por esses motivos, cabe lembrar que os corantes naturais, assim como os sintéticos, também podem ser responsáveis por algumas reações adversas em pessoas sensíveis a um componente específico.

De todo o modo, os corantes naturais têm a vantagem de conter compostos bioativos benéficos à saúde, porém em pequenas quantidades. “Os resíduos geralmente mantêm essas propriedades, mas durante o processamento é preciso usar tecnologias adequadas para evitar sua degradação. Há métodos de processamento, como o uso da alta pressão, por exemplo, no qual a temperatura usada é mais amena, e a perda nutricional, menor.”

Pouco interesse – O pesquisador acredita que existe ainda pouco interesse da agroindústria em utilizar esses resíduos para a obtenção de corantes. “No Brasil, há poucas iniciativas nesse sentido, talvez porque as empresas imaginem que o uso de resíduos não terá grande impacto econômico no faturamento. Talvez se esqueçam que há outras vantagens além da econômica, como a sustentabilidade e a agregação de valor ao resíduo.”

Em sua avaliação, a disponibilidade da matéria prima ao longo de todo o ano é um dos pontos que devem ser observados para quem deseja implantar um projeto do gênero. “Também é aconselhável que seja um resíduo produzido em larga escala, em quantidade suficiente para manter a produção de corantes. A uva é uma excelente opção, porque existe a oferta do resíduo da indústria de sucos e do vinho. O tomate também é uma ótima opção, pois já existe resíduo da produção de extrato, polpas e de molhos prontos. No caso dele, o licopeno está no fruto todo, casca e polpa.”

O mesmo raciocínio vale para a produção de licores, de geleias e doces. “Tudo isso gera resíduos em grande escala industrial, que podem ser utilizados para a obtenção de corantes e outros subprodutos.”

Ele lembra que a beterraba, rica em betalaína, também gera um excelente corante, já muito utilizado pela indústria e fabricado como insumo por empresas do setor na Europa, nos EUA e na Ásia. O principal obstáculo quanto ao uso do resíduo dessa raiz para geração de corantes, no Brasil, é que aqui ela é comumente consumida in natura, ou seja: o processamento se dá na casa do consumidor – a exemplo de outros vegetais, como o repolho roxo. Portanto, esses resíduos não estão disponíveis em grande escala. “Na Europa onde a beterraba é uma fonte de sacarose, ela é processada, inclusive para geração de corantes. Utilizar os resíduos também para esse fim seria somente um passo a mais.”

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