03/03/2021 - Como outros queijos artesanais, o porungo paulista é produzido com leite cru, a partir da reação com o coalho. A diferença é que, após a separação do soro, a massa é cortada, colocada em água fervente e sovada. É quando ganha uma consistência elástica e pode ser moldada, até ficar com um formato que lembra ao de uma cabaça (daí ser conhecido também por queijo cabacinha). Não é fácil explicar seu sabor: lembra muçarela, apresenta textura macia por dentro e, quando maturado, é crocante por fora. Difícil mesmo é comprá-lo, já que sua produção é artesanal e, no caso do Estado de São Paulo, restrita a produtores de alguns municípios da região sudoeste.
A boa notícia é que a produção e comercialização do produto nessa região caminha a passos largos, graças ao trabalho de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Lagoa do Sino em Buri. Eles fizeram uma pesquisa junto a mais de vinte produtores dos municípios de Angatuba, Buri, Campina do Monte Alegre, Itapetininga e Pilar do Sul, coletando amostras e informações para determinar as características físico-químicas do queijo e seu método de produção. Também realizaram análises microbiológicas e chegaram à conclusão de que o porungo paulista é seguro.
“Não identificamos nenhum patógeno como Salmonella ou Listeria monocytogenes nas amostras, que são dois dos principais patógenos de risco à saúde pública”, afirma Natan Pimentel, que coordenou a pesquisa ao lado de Naaman Francisco Nogueira da Silva – ambos professores da UFSCar. “A etapa de aquecimento da massa, em temperatura a cerca de 80 ºC, é suficiente para reduzir a contaminação e tornar o queijo seguro para o consumo”, explica Pimentel, que também é integrante da Rede de Pesquisas em Queijos Artesanais Brasileiros (REPEQUAB), vinculada ao Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center).
Regulamentação – Depois de finalizado esse trabalho (o estudo foi publicado no Journal of Dairy Research, da Cambridge University Press), os pesquisadores decidiram enfrentar outro desafio: abrir caminho para regularização do queijo. Além de ensinarem boas práticas de fabricação aos produtores participantes da pesquisa, eles elaboraram o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade (RTIQ) – base legal que determina todas as características que o produto precisa ter para ser comercializado.
Esse trabalho foi feito em parceria com o Núcleo de Extensão e Pesquisa em Alimentos (NEPA) da Unicamp, e foi voltado para os produtores do município de Angatuba. Paralelamente, os pesquisadores da UFSCar ajudaram a implantar nesse município o Serviço de Inspeção Municipal (SIM) de produtos de origem animal/vegetal – cujo selo é essencial para a comercialização formal do produto.
Agora os pesquisadores se preparam para outro desafio: auxiliar na regularização do porungo nos municípios vizinhos, onde também existem produtores. Porém, novas pesquisas precisam ser feitas a fim de identificar essa produção, que normalmente ocorre na zona rural dos municípios.
O grupo também está apoiando a implementação de um consórcio entre 23 municípios, para possibilitar a criação de um Serviço de Inspeção que atenda a todos. Segundo o professor Naaman Silva, uma vez que o produtor adere a um sistema de inspeção, ele pode registrar o seu produto e comercializá-lo formalmente. “Todo esse trabalho possibilita a geração de renda para a família, geração de emprego na região e segurança para os consumidores”.
Os pesquisadores também veem um futuro promissor para o queijo porungo a partir da organização de uma associação de produtores, bem como o registro de Indicação Geográfica, que é obtido para valorizar produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem.
Pimentel destaca que a produção do porungo na região é um negócio familiar, cuja tradição remonta a cem anos ou mais. “Os produtores contam que aprenderam com os pais, que por sua vez aprenderam com os avós e bisavós”, conta. No entanto, como não havia uma regulamentação específica para a produção do queijo, o negócio trazia baixo retorno financeiro, o que desestimula as novas gerações a darem continuidade ao negócio, havendo o risco da atividade se extinguir.
“Nossa proposta era agregar valor ao porungo. Se é um queijo que tem qualidade, regulamento próprio e selo de inspeção, isso significa que o seu valor de mercado pode aumentar. Os filhos começam a ver que o negócio é rentável e que vale a pena ficar na zona rural e manter a tradição familiar”, afirma.
E se depender desses pesquisadores, os produtores terão toda a ajuda neste sentido. “Por ser um produto da região, onde o campus da UFSCar está inserido, este queijo tem sido objeto de estudo de diversos trabalhos acadêmicos. Agora mesmo estamos finalizando pesquisas referentes à vida de prateleira do porungo, e há muito mais por vir”, conclui.
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