Quando se exagera na pimenta, a primeira providência que as pessoas costumam tomar é beber um copo de água. “Isso não adianta nada porque a capsaicina, o componente ativo responsável pela sensação de ardência da pimenta, é pouco solúvel em água”, afirma Eduardo Purgatto, pesquisador do FoRC e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
“O ideal é tomar um pouco de leite, em cuja composição há a proteína caseína, pela qual a capsaicina tem grande afinidade. Ela ‘adere’ mais à caseína se deslocando dos nociceptores presentes na língua”, explica.
Há quem diga também que comer pão ajuda a acabar com o ardor que a pimenta em excesso pode provocar. “Pode haver algum efeito por conta do processo mecânico da mastigação, que diminui o número de moléculas de capsaicina ligadas aos nociceptores, mas, assim como acontece com a água, a capsaicina não ‘adere’ aos componentes do pão, então boa parte dela continuará ligada aos receptores por um certo tempo”, diz Purgatto. “Quando se come carne com gordura, porém, é possível sentir uma redução do efeito. Isso ocorre porque a capsaicina é solúvel em gordura”, acrescenta.
Mas nada de beber cerveja ou refrigerante. “Isso até piora porque o gás carbônico presente nessas bebidas promove uma interação muito maior da capsaicina com o receptor. Você sentirá por mais tempo a sensação de queimação”, aponta.
Adrenalina por escalas – Mas, se sabemos que pimenta arde, por que gostamos de consumi-la? “As pessoas gostam, em geral, de comer pimenta justamente por causa do efeito psicológico que ela provoca: a antecipação de algo “perigoso”. Pesquisas feitas por psicólogos demonstraram que a sensação que as pessoas sentem ao comer pimenta é a mesma de quem pratica, por exemplo, esportes radicais, ou gosta de andar em montanha-russa”, conta Purgatto. Essa sensação causada pela pimenta, denominada pelos pesquisadores Paul Rozin e Deborah Schiller, da Universidade da Pensilvânia, de ‘risco contido’, ativa nosso sistema inato de ‘alerta’, o que provoca a liberação de adrenalina e noradrenalina: o coração começa a bater mais rápido e depois vem o suor.
E se quiser saber qual pimenta tem potencial para ‘despertar mais emoções’, há um processo científico de medição para definir quanto cada pimenta é mais ardida do que a outra. Trata-se da Escala de Scoville, criada pelo farmacêutico norte-americano Wilbourg Scoville.
Para fazer essa escala, é extraído o suco da pimenta que se quer medir a ardência. Um mililitro de suco é diluído em um litro de água. Se a ardência é sentida até essa faixa, diz-se que a pimenta tem 1.000 SHU (Unidades de Calor Scoville ou Scoville Heat Units, em inglês), a unidade de medida usada para essa escala. Se o gosto picante é sentido em até dois litros de água, a pimenta tem 2.000 SHU, e assim por diante.
Nessa escala, as pimentas mais fracas são o pimentão e a pimenta biquinho. O pimentão praticamente não tem capsaicina, daí não sentirmos queimar a boca quando comemos esse alimento. Em seguida há as pimentas com níveis pequenos de ardência, como o molho tabasco. As de posição intermediária são pimentas como a dedo de moça. A malagueta se aproxima mais das pimentas mais ‘quentes’.
As campeãs em ardência são a Trinidad Scorpion (originária de Trinidad e Tobago), a Carolina Reaper (Estados Unidos, também chamada de ‘Ceifadora’) e a Naga Viper (Inglaterra). Todas elas estão entre 1.300.000 SHU e 2.000.000 SHU. “Isso significa que elas são tão fortes que, se você colocar 1 mililitro de suco de uma delas em uma caixa de água de 2 mil litros, você ainda vai sentir a picância”, conta. Veja aqui a Escala de Scoville.
Aspectos nutricionais – Se é difícil consumir pimentas fortes como a Trinidad Scorpion e a Carolina Reaper, usar na alimentação as mais suaves, de maneira moderada, não faz mal. Elas não causam doenças gástricas como úlcera ou gastrite, mas devem ser evitadas por quem tem esse tipo de problema. Aliás, ao contrário do que muitos acreditam, a capsaicina não é um ácido, de forma que a ardência da pimenta não é provocada por substâncias desse tipo.
As pimentas têm vantagens nutricionais, dentre as quais se destacam os níveis das vitaminas C, B6 e niacina e de minerais, como cálcio, fósforo e potássio (Fonte: USDA, https://ndb.nal.usda.gov/ndb/search/list).
Além disso, tornam a comida mais saborosa,
como podem atestar os indianos, povo que mais consome pimenta no mundo.
Curiosidade:
Por que os produtores desenvolvem e cultivam espécies de pimentas tão fortes como a Trinidad Scorpion e a Carolina Reaper? Segundo Purgatto, essas pimentas são produzidas para obtenção da capsaicina, usada em produtos como os sprays de pimenta utilizados por forças policiais de diversos países do mundo.
Imagem: Pixabay/atribuição não requerida
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