Rótulos de alimentos podem ter “pegadinhas” e consumidor precisa estar atento

Mais do que verificar os dados quantitativos, é preciso ler com atenção a lista de ingredientes que oferece informações essenciais sobre a qualidade do produto.

Você sabia?

Muitos já estabeleceram como rotina nas suas compras observar nas embalagens a data de validade e a quantidade de calorias dos alimentos que consomem, mas há muito mais informações importantes nos rótulos. Um dos dados que os consumidores deixam frequentemente passar despercebido é a lista de ingredientes, que informa todos os ingredientes do produto, como açúcar, farinha, gordura vegetal hidrogenada etc., e tem “pegadinhas” às quais o consumidor precisa estar atento.

“As pessoas se apegam muito aos dados quantitativos exibidos nas embalagens, como a quantidade de calorias, por exemplo, mas ignoram a lista de ingredientes que oferece informações essenciais sobre a qualidade dos produtos que irão consumir”, afirma Grazieli Benedetti Pascoal, professora do curso de Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia e pós-doutoranda no Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Segundo ela, a primeira dica para compreender o que há por trás da lista de ingredientes é observar a ordem em que aparecem os componentes do produto, pois ela não é aleatória. “A lista segue uma ordem decrescente, sendo que o primeiro ingrediente é o que está presente em maior quantidade no produto”, explica. Como o rótulo não traz as quantidades de cada ingrediente, a nutricionista aconselha a olhar sempre os três primeiros ingredientes, com ênfase no primeiro. “Se observar que o açúcar ou a gordura é o primeiro elemento ou um dos primeiros da lista, geralmente já é motivo para se preocupar com a quantidade desses ingredientes e a qualidade nutricional do produto em questão”, alerta.

Ela também recomenda verificar o número de vezes em que o açúcar e/ou a gordura aparecem na lista de ingredientes. “Às vezes um mesmo produto apresenta vários tipos de açúcares e/ou gorduras em diferentes posições da lista”, conta.

Menos é mais – Na lista de ingredientes, especial atenção deve ser dada ao açúcar, que aparece com diversos sinônimos ou repetições. “Pode ser que ele figure, por exemplo, na quarta ou quinta posição da lista de ingredientes, mas isso não necessariamente indica que o alimento tem pouco açúcar”, afirma. Isso por que o açúcar pode aparecer de outras formas ou termos: açúcar invertido (um tipo de açúcar industrializado), açúcar mascavo, mel, sacarose, glicose, maltose, xarope de milho etc., que são todos açúcares ou fontes de açúcares. “Se aparecerem vários desses nomes, mesmo que em posições mais intermediárias da lista, a somatória vai resultar em um produto com muito açúcar”, destaca.

A nutricionista chama a atenção para os néctares, bebidas à base de frutas que contêm, a depender da fruta, entre 10% a 40% de polpa/suco na composição, exceto os néctares de laranja ou uva, que devem ter, no mínimo, 50% de polpa/suco. “Na lista de um néctar de abacaxi comercializado no mercado, os ingredientes, por ordem decrescente, são: água, açúcar, suco concentrado de abacaxi e suco concentrado de maçã, que tem o papel de auxiliar no adoçamento do produto. Ou seja, os néctares são basicamente uma mistura de água, açúcar e polpa de fruta.”

Também é preciso observar na lista de ingredientes se há adição artificial de componentes. Um caso clássico é o leite pasteurizado (popularmente conhecido como leite de “saquinho”) e o leite UTH (leite de “caixinha”). O leite pasteurizado contém apenas leite, nada mais. Ao passo que o leite UHT, dependendo da marca, pode ter até dez ingredientes, começando pelo leite, vitaminas e minerais adicionados artificialmente e estabilizantes com sódio. A pesquisadora destaca: “Os ingredientes adicionados artificialmente podem não ser aproveitados pelo organismo da mesma forma que se estivessem naturalmente no alimento”.

O iogurte grego é outro exemplo. Teoricamente, a receita clássica do produto é formada por apenas dois ingredientes: leite e fermento lácteo. “Algumas marcas no Brasil trazem até 19 ingredientes, considerando-se os ingredientes compostos. O valor nutricional diminui quando temos uma lista de ingredientes grande, pois o valor proteico cai e há acréscimo de muitos aditivos alimentares”, diz. “Pode parecer contraditória essa queda, uma vez que há mais ingredientes, mas o fato é que neste tipo de produto temos um aumento no teor de carboidratos, com a adição de açúcares, amido modificado e mel, por exemplo, e de aditivos alimentares, o que impacta a qualidade nutricional”, aponta.

Comprar granola, outro produto que tem boa fama junto ao consumidor, também requer atenção. Diversas marcas, além de vários tipos açúcares ou componentes fontes de açúcares (rapadura, melado de cana, açúcar mascavo, açúcar demerara, mel, maltodextrina, açúcar invertido, extrato de malte e uva-passa, por exemplo), contêm aditivos. “Algumas marcas apresentam muitos aditivos, como o corante caramelo IV, e antioxidantes BHT e BHA, por exemplo, vitaminas, minerais e fibras alimentares adicionados artificialmente, e poucos grãos e/ou cereais integrais”, destaca. Segundo a nutricionista, não é um bom sinal quando na lista de ingredientes aparecerem muitos aditivos, gorduras (especialmente as trans), diversos açúcares e sal.

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Brechas na lei deixam o consumidor confuso

Segundo Grazieli Benedetti Pascoal, professora do curso de Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia e pós-doutoranda no Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, é preciso estar atento aos produtos que alardeiam nos rótulos “não conter gorduras trans” ou aqueles ditos “integrais”.

A resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (RDC 54/2012), que regulamenta as informações nutricionais fornecidas pelos fabricantes, permite que as empresas aleguem que o produto tem 0% de gorduras trans na seguinte situação: se o alimento contiver até 0,1 grama de gorduras trans por porção e se a soma de gorduras saturadas e trans for de no máximo 1,5g. “O problema é de ordem cumulativa. Se cada porção de uma embalagem de biscoito, por exemplo, tiver essa quantidade limite de gordura trans, isso significa que se forem consumidas várias porções a pessoa estará ingerindo o componente”, destaca a nutricionista.

Muitas vezes o produto alega “0% gorduras trans”, mas contém diversos ingredientes que podem ter este tipo de gordura em sua composição: gordura vegetal, gordura vegetal hidrogenada, por exemplo. A gordura trans pode aparecer descrita de diversas formas: até 23 componentes podem contê-la. “Isso é um grande problema, não há padronização da terminologia para os componentes que são fontes de gorduras trans, deixando o consumidor confuso sobre o que está comendo”.

Integral, pero no mucho – Outra brecha na legislação ocorre em relação aos alimentos integrais. Não há normas específicas que estabeleçam quais são as características mínimas necessárias para um alimento ser considerado integral.

Uma pesquisa do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) com as 14 marcas de biscoito “integral” mais consumidas no Brasil mostrou que apenas três delas continham farinha de trigo integral ou outro cereal integral como primeiro elemento da lista de ingredientes, ou seja, em maior quantidade. Outros seis produtos apresentavam farinha integral ou outro cereal na lista de ingredientes, mas em quantidade menor que a farinha branca refinada.

Uma constatação alarmante foi a de que cinco produtos não apresentavam nenhuma farinha/cereal integral na lista de ingredientes, mas somente farelo ou fibra de cereal.  Para um alimento ser integral, deve haver adição do cereal inteiro, e não de suas partes isoladas, como farelo ou fibra de cereal. “O correto seria os fabricantes informarem que o produto é fonte de fibras alimentares, se caso o fosse, e que não se trata de um produto integral.”

Pela RDC 54/2012, resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que regulamenta as informações nutricionais fornecidas pelos fabricantes, se um produto que se diz integral tiver um mínimo de 2,5 gramas de fibra alimentar por porção, ele deve ser classificado como ‘fonte’ de fibra alimentar. Já se tiver mais de cinco gramas por porção, ele pode ser classificado como rico em fibra alimentar. “Um dado curioso é que os produtos da pesquisa que alegavam ser ‘integrais’ não eram ricos em fibras, ou seja, não continham o mínimo de cinco gramas de fibra alimentar por porção”, destaca.

Mas, tirando essas definições, não há, infelizmente, uma legislação específica que regulamente os alimentos integrais. Por isso, a pesquisadora dá algumas dicas valiosas para fazer uma boa escolha: “Primeiramente, veja se há farinha integral como primeiro ingrediente; se o produto é, pelo menos, fonte de fibras (mínimo de 2,5 gramas de fibra alimentar por porção); se há cereal/grão inteiro na formulação, e não somente a presença de farelo/fibra de cereal adicionado; observe também o número de itens da lista de ingredientes e seus componentes, pois uma longa lista não é condizente com que ser espera de um alimento “integral”, finaliza.


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