Salgado, doce, ácido, amargo e umami: esses são os gostos que sentimos na superfície da língua, onde principalmente se encontram os nossos receptores sensoriais. Existem diversas classes de substâncias químicas presentes nos alimentos que são responsáveis por esses gostos. Muito além de agradar o paladar, a função primordial do gosto é o reconhecimento de nutrientes importantes para o funcionamento do organismo e de eventuais substâncias tóxicas. É o que explica o químico Jorge Behrens, professor da Unicamp e especialista em Ciência Sensorial dos alimentos.
O amargo, por exemplo, está associado à percepção de substâncias potencialmente tóxicas na natureza, como os alcaloides – um exemplo que consumimos diariamente é a cafeína. “Nas doses usuais que consumimos, a cafeína não causa problema. Mas alguns alcaloides têm uma potência muito maior e podem até matar, pois bloqueiam as sinapses no sistema nervoso. É o caso dos alcaloides presentes na Atropa belladonna, uma planta extremamente tóxica”, afirma o pesquisador. Outros exemplos de alcaloide são a morfina, extraída da flor da papoula, e a nicotina, presente nos cigarros, que podem causar dependência. Por outro lado, o gosto amargo também está presente em alimentos benéficos à saúde, como folhas verde-escuras, ricas em fibras e compostos antioxidantes.
Já o gosto doce permite a identificação de alimentos com açúcares, que são fontes de energia. Além da sacarose, o gosto pode ser obtido por outras substâncias não glicídicas, naturais ou artificiais. “A sucralose, por exemplo, presente nos adoçantes, tem uma estrutura química muito similar à sacarose, porém ela não tem aporte calórico. Essa substância tem uma potência de gosto doce cerca de 600 vezes maior do que a sacarose. Ou seja, com uma ínfima quantidade de sucralose, é possível conferir ao alimento a mesma intensidade de gosto doce que uma grande quantidade de sacarose oferece”.
Os gostos ácido e salgado são os únicos que dependem de canais iônicos – proteínas de membrana celular que permitem o transporte de íons para dentro e fora das células - para serem percebidos. O ácido está relacionado à presença do próton (H+) dissociado de ácidos orgânicos em alimentos, como limão, laranja e abacaxi. Esse gosto também teria a função de sinalizar perigo, indicando processos de deterioração dos alimentos. Já o gosto salgado ocorre na presença do cátion sódio (Na+), importante para o funcionamento de diversos mecanismos do corpo, como equilíbrio hídrico, metabolismo, contrações musculares e impulsos nervosos.
Intensificando sabores – “Umami” é uma palavra de origem japonesa cuja tradução mais próxima para o português seria “delicioso” ou “saboroso”. Tendo seus receptores sensoriais descobertos em 2002, o gosto umami está relacionado principalmente ao ácido glutâmico, particularmente em sua forma ionizada L-glutamato. Esse aminoácido é muito presente em fontes de proteína animal, como carne, queijos curados e frutos do mar, mas também em alimentos de origem vegetal, como tomate e algas marinhas. Quando a proteína que contém ácido glutâmico é quebrada, seja por cozimento ou fermentação, o L-glutamato é liberado.
Estudos científicos recentes têm mostrado que a função do gosto umami seria aumentar a palatabilidade dos alimentos, isto é, o poder de agradar o paladar. “A indústria de alimentos costuma utilizar o glutamato associado a outras substâncias, como o inosinato (IMP) e o guanilato (GMP), para realçar o sabor de produtos como salgadinhos, biscoitos, molhos, pratos congelados etc.”, afirma Behrens. Além disso, o glutamato também pode ser usado como estratégia para reduzir a quantidade de sal nos alimentos, por sinergismo dos gostos salgado e umami. [Saiba mais sobre o glutamato aqui]
Mecanismos complexos – O gosto é um sentido químico, resultado da estimulação de nossos receptores gustativos por determinadas substâncias. Presentes na língua, os receptores são organizados em arranjos de células chamados de botões gustativos, que por sua vez localizam-se em estruturas anatômicas conhecidas como papilas. A ligação da substância ao receptor gera um impulso elétrico que é propagado pelas vias neuronais até uma região específica do cérebro, e então ocorre a percepção do gosto.
O sabor dos alimentos, por outro lado, é algo muito mais complexo: está relacionado não só ao gosto, mas à percepção olfativa (aromas) e às sensações bucais (como textura e temperatura). Trata-se da interpretação que o cérebro faz de todas essas sensações ao mesmo tempo. Por exemplo, conseguimos distinguir uma laranja de um limão, frutas com gosto ácido, porque seus aromas são diferentes – e consequentemente os sabores também.
Os aromas são um dos principais reforçadores da aceitabilidade do alimento, por isso são muito utilizados pela indústria. “O sentido do olfato está ligado a uma área do cérebro chamada sistema límbico. Essa região é a sede da nossa memória e controla nossas emoções. Então se eu provar um alimento de aroma agradável, essa memória positiva é fixada. Se eu for novamente exposto ao mesmo aroma, ocorre uma ativação dessa memória e emoções positivas vem à minha mente, incentivando o consumo do alimento”, explica o pesquisador.
Além de paladar e olfato, há ainda outra sensação chamada quimioestesia: a estimulação das terminações nervosas livres da mucosa oral. Alguns exemplos são: a ardência das pimentas, a refrescância da menta, o “calor” do álcool, entre outros.
Novo gosto? – O químico destaca que existiria ainda um possível sexto gosto, porém ainda não é plenamente aceito pela comunidade científica e exige mais estudos. O oleogustus, apresentado em 2015 pela Universidade de Purdue (EUA), está relacionado à percepção de ácidos graxos de cadeia média ou longa não esterificados. A pesquisa realizada com 102 participantes sugeriu que esses ácidos graxos são reconhecidos por receptores específicos de nossas papilas gustativas, promovendo uma sensação única e não relacionada aos outros gostos básicos.
No primeiro experimento, os participantes receberam amostras que continham um dos seis gostos isolados e tiveram que separá-las em grupos, mas as amostras de oleogustus foram agrupadas com as amargas. Já no segundo teste, os indivíduos receberam apenas os três gostos que tiveram dificuldade de separar anteriormente: amargo, umami e oleogustus. As amostras foram divididas corretamente em três grupos, mostrando que o oleogustus é diferente dos demais.
Curiosidade
Você sabia que “apimentado” não é um gosto? Não existe um receptor específico para a capsaicina – substância presente nas pimentas e que é responsável pela ardência. O que acontece é que essa substância estimula os receptores de dor, os chamados nociceptores, e o cérebro entende que a boca está “queimando”. Mas por que, então, algumas pessoas gostam tanto de pimenta? De acordo com o professor Jorge Behrens, a resposta está na compensação da dor pelo organismo. “Quando os receptores de dor da boca são estimulados pela capsaicina, o organismo reage liberando um neurotransmissor, a endorfina, que causa uma sensação de prazer. Então sempre que ocorre a estimulação causada pela capsaicina, existe logo em seguida a liberação de endorfina”.
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