02/09/2022 - De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado no início de junho pela Rede PENSSAN, 15,5% dos brasileiros vivem em insegurança alimentar grave, o equivalente à situação de fome. Os dados mostram um aumento vertiginoso comparado aos resultados da última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-2017-2018) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontou que 4,6% dos brasileiros viviam nessa circunstância. Isso, evidentemente, condiciona o país a uma situação alarmante em diversas avaliações nutricionais, e que pode ser exemplificado pelo alto número de pessoas com deficiência de vitamina A.
Segundo a POF-2017-2018, divulgada em outubro de 2019, mais de 80% dos homens (adultos, idosos e adolescentes) e 72% das mulheres (índices de, 80,1% em adultas, 78,9% em adolescentes e 72,3% em idosas) estavam com concentrações de vitamina A aquém do indicado no sangue. Isso pode acarretar, principalmente, em problemas na visão como, por exemplo, na penumbra, também conhecida como cegueira noturna; afetar o desenvolvimento do organismo (proliferação e diferenciação celular) e diminuir a imunidade. “Os índices são reflexo do momento econômico do país. Não tenho dúvidas de que a situação em 2022 está ainda mais grave”, afirma Silvia Franciscato Cozzolino, pesquisadora do Centro de Pesquisas em Alimentos (FoRC – Food Research Center) e docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).
Crianças, maior risco – Embora os relatórios citados não tragam dados sobre a deficiência dessa vitamina em crianças, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de um terço das crianças entre seis meses e cinco anos no mundo sofrem dessa deficiência. Esse é o grupo em que o problema se torna mais urgente de ser resolvido. “Podemos dizer que as crianças são o principal grupo de risco. Nelas, a falta de vitamina A pode levar à cegueira total, além de afetar o crescimento e a imunidade do organismo”, aponta Cozzolino.
É essencial também que gestantes e lactantes estejam com as concentrações de vitamina A adequadas, pois sendo uma vitamina lipossolúvel ela pode ser acumulada no organismo, e assim, garante-se um suprimento adequado para a criança de até seis meses de idade, aproximadamente. “O leite materno é a principal forma para aquisição do nutriente para as crianças de até dois anos. Ele supre a maior parte das necessidades dessa vitamina na criança. Entretanto, se a mãe tem deficiência tanto durante a gestação como após o parto, a criança vai apresentar deficiência com graves consequências”, acrescenta.
Programa sem avaliação – Além da melhora da situação socioeconômica do país para diminuir a insegurança alimentar, é necessária uma atenção maior ao Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (PNSVA). O projeto criado pelo Ministério da Saúde em 2005 oferece, a cada quatro meses, suplementação com doses de 100.000 Unidades Internacionais (UI) e 200.000 UI para crianças de seis meses a cinco anos. Essa quantidade é suficiente para garantir as concentrações necessárias de vitamina A pelo período.
Segundo Patrícia de Carvalho Rondó, professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, o PNSVA atua nos locais de maior vulnerabilidade do país, como as Regiões Norte e Nordeste e alguns municípios do Centro-Oeste, Sul e Sudeste. “No entanto, não temos ferramentas para avaliar se o programa tem funcionado conforme o esperado. Infelizmente faltam avaliações periódicas que deveriam ser realizadas pelos governos federal e estaduais juntamente com pesquisadores, gestores e os municípios”, afirma.
Cautela na suplementação – A suplementação é uma medida emergencial, como nos casos cobertos pelo PNSVA, que deve ser adotada com muita precaução. A suplementação deve ser avaliada e acompanhada por profissionais da saúde, pois doses altas de vitamina A podem levar à toxicidade. Isso compromete o sistema nervoso, gerando náuseas, dores de cabeça, anorexia e problemas na coordenação motora; no fígado pode gerar um aumento acima do normal do órgão; nos ossos gera dores nas articulações, espessamento dos ossos longos; e na pele causa secura excessiva, escamação e rachaduras, descamação e alopecia.
“Como forma de prevenção, a indicação é que a vitamina seja suprida, fornecida ou obtida por meio da alimentação. Os suplementos são indicados quando existe deficiência comprovada por meio de exames clínicos e bioquímicos. No caso de idosos, deve-se ter ainda maior cuidado pois pode levar a toxicidade”, afirma Cozzolino. Caso a suplementação seja recomendada, é preciso estar atento ao tipo de suplemento adquirido bem como sua dosagem. É o profissional de saúde quem pode indicar o melhor produto individualizado para o paciente.
Fontes da Vitamina A – A vitamina A é um termo que abrange o conjunto de quatro compostos da classe dos retinoides: retinol todo-trans, ácido retinóico, retinal e éster de retinila. Esses compostos não são produzidos pelo organismo e precisam ser obtidos pelos alimentos. Eles são mais abundantes em alimentos de origem animal que são fontes de vitamina A pré-formadas, como as carnes de fígado (bifes de fígado de boi e frango, e óleo de fígado de peixe), laticínios e ovos.
Além dos retinoides, é importante ingerir os carotenoides, conhecidos como fontes precursoras de vitamina A. Trata-se de nutrientes capazes de transformar parte de sua composição em vitamina A pelo organismo. Isso ocorre especialmente com os betacarotenos, que são pigmentos encontrados principalmente nos vegetais de cores verde escuras e amareladas, e frutos, como cenoura, batata-doce, manga, espinafre e brócolis.
O zinco é um aliado na coleta dos benefícios da vitamina A. “Para que a vitamina A seja transportada na corrente sanguínea ela necessita estar ligada a uma proteína que é dependente de zinco. Portanto, na ausência do mesmo, ela pode até estar armazenada no fígado sem, entretanto, exercer sua função”, explica Cozzolino. Esse mineral está presente em frutos do mar, carnes bovinas e de frango, e oleaginosas (nozes, castanhas, amêndoas, amendoins etc).
A vitamina A ingerida pelos alimentos raramente causará problemas, dentro de um consumo normal e variado de alimentos. Entretanto, já foram relatados casos com o consumo de fígado de urso polar, que contém quantidades muito altas do nutriente.
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