Muita gente se pergunta se é verdade mesmo que pessoas com insuficiência renal não devem consumir carambola. A resposta? Sim, é verdade. O que pouca gente sabe é que foram pesquisadores brasileiros que descobriram e isolaram a substância responsável por essa “incompatibilidade”. Ela se chama caramboxina e foi identificada graças a uma pesquisa realizada em colaboração entre a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) e a Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), ambas da Universidade de São Paulo (USP).
Como explica a professora Neuza Hassimotto, do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), até um tempo atrás se pensava que o responsável pelo efeito adverso que a fruta provocava em pessoas com insuficiência renal era o ácido oxálico. “Trata-se de um composto presente em grande concentração na carambola, e acreditava-se que pudesse provocar uma precipitação nos rins, por conta da alta toxicidade. Na realidade ele pode, sim, agravar o estado de uma pessoa que já tem problemas nos rins. Mas não é o único responsável pelos sintomas agudos observados após o consumo do fruto em pessoas com essa condição.”
Segundo ela, a caramboxina foi detectada há cerca de cinco anos pelo professor Norberto Peporine Lopes, da FCFRP, em parceria com o professor Norberto Garcia-Cairasco, da FMRP. “Ela tem a estrutura de um aminoácido, mas não sintetiza proteína. É uma estrutura muito simples. E as pessoas que têm problemas nos rins não conseguem eliminar esse composto, porque os rins não executam sua função de filtrar o sangue. São pessoas que, geralmente, têm de fazer diálise para compensar o mal funcionamento renal. Só que esse composto é neurotóxico. Como não é eliminado por pessoas nessa condição, pode provocar vômito, confusão mental, convulsão e, dependendo do caso, até mesmo óbito.”
Ao identificar a substância, os dois professores da USP perceberam que a concentração presente na carambola é muito pequena. Entretanto, até mesmo uma pequena quantidade pode fazer mal àqueles com predisposição a ter problemas com a fruta, por conta de mal funcionamento renal. “Em uma pessoa com funcionamento renal normal, a caramboxina não provoca problemas. Agora, dependendo da condição da função renal do indivíduo, estudos detectaram que um único copo de suco pode acarretar alguns sintomas. Eles serão mais ou menos intensos de acordo da gravidade do comprometimento da função renal, da sensibilidade do indivíduo e da quantidade de fruta ou suco consumidos. Por conta disso, é complicado estabelecer a quantidade mínima de consumo que pode provocar problemas”, explica Neuza.
Segundo ela, outra coisa que ainda não está bem estabelecida é a variação da concentração de caramboxina em frutos de diferentes safras. “Como acontece com todo composto, deve haver safras de carambola cujos frutos possuem mais ou menos caramboxina. Mesmo a variação de concentração de ácido oxálico é muito grande. Também se sabe que essa neurotoxina descoberta recentemente sofre degradação quando misturada e conservada por um longo período em água. Ou seja: quando se faz o suco, a caramboxina se converte em outro composto, teoricamente inativo. Mas sabemos que um suco natural é, quase sempre, consumido rapidamente. Assim, é recomendado que pessoas com problemas renais não façam a ingestão do suco.”
De acordo com a pesquisadora, não há muito a fazer no tocante à prevenção de uma intoxicação, a não ser retirar a fruta da dieta dos que sofrem de insuficiência renal. “Quem não tem bom funcionamento renal deve evitar ingerir carambola. No caso de haver intoxicação, uma hemodiálise poderia ajudar a diminuir os sintomas, e no geral resolve, principalmente quando o diagnóstico é feito precocemente. O problema é que, muitas vezes, não se consegue identificar a causa dos sintomas apresentados pelo paciente. Ele chega com uma convulsão no hospital e ninguém sabe o que ele tem.”
O que se espera, após a descoberta da toxina, é que sua caracterização possibilite a produção de “antagonistas” – moléculas que simulam a toxina e que podem se adiantar na ligação junto aos receptores cerebrais, evitando os sintomas mencionados. Mas essas são cenas para um próximo capítulo.
Enquanto isso, na cidade de São Paulo, o tema já é objeto de um Projeto de Lei Municipal (PL 89/2016). O PL exige dos estabelecimentos que vendem a fruta (e produtos dela derivados) a fixação de cartazes de alerta quanto aos riscos de seu consumo, em especial aos portadores de doença renal crônica. Atualmente, ele está sendo apreciado pela Comissão de Saúde, Promoção Social e Trabalho da Câmara Municipal.
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