Pesquisas buscam alternativas de processamento e melhoramento da produção do cambuci

Uma delas, conduzida no âmbito do Centro de Pesquisa em Alimentos, mostrou ser possível aumentar a vida de prateleira do fruto por meio da desidratação osmótica.

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29/03/2021 - Rico em compostos antioxidantes, o cambuci é um fruto nativo brasileiro que já esteve à beira da extinção, mas que nas últimas décadas passou a ganhar cada vez mais espaço na agricultura familiar de alguns estados. O problema é que ele é muito perecível. Como alguns outros frutos, apresenta alta concentração de água (cerca de 89%), o que reduz sua vida de prateleira e requer que seja comercializado congelado, tornando a logística mais complexa. O processo de secagem por ar quente aumenta a estabilidade do fruto, mas, no entanto, além de demandar consumo elevado energético, a exposição prolongada a altas temperaturas pode degradá-lo e causar perda de compostos bioativos.

A boa notícia é que uma pesquisadora do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC) demonstrou em sua tese de doutorado que o pré-tratamento com desidratação osmótica pode reduzir o tempo de secagem por ar quente, o que ajudaria a preservar as características nutricionais e sensoriais do fruto. O trabalho foi coordenado pela professora Carmen Tadini, da Escola Politécnica da USP.

Processo simples – A engenheira de alimentos Mariana Schincariol Paes, autora do estudo, explica que o processo de desidratação osmótica consiste na imersão de pedaços da fruta em uma solução aquosa concentrada de açúcares ou sais. Assim ocorre a transferência da água do alimento para a solução e do soluto para o alimento, devido à diferença de pressão osmótica. O soluto escolhido foi o sorbitol, que é utilizado como substituto do açúcar em produtos consumidos por diabéticos. “O cambuci é rico em compostos bioativos que ajudam a controlar o nível glicêmico. Nossa intenção era manter esse benefício, por isso utilizamos sorbitol em vez de sacarose.”

As fatias de cambuci foram colocadas durante duas horas em solução de sorbitol com concentração de 60 g/100 g. O pré-tratamento reduziu em mais de 80% a água do fruto e conferiu dulçor ao alimento. “Essas alterações podem implicar em melhor aceitação sensorial do fruto em pedaços, já que o cambuci possui elevada acidez, semelhante à do limão”, afirma. Constituído por 90% de polpa, o fruto é utilizado na fabricação artesanal de geleias, sorvetes, compotas, sucos, aromatização de cachaças etc., mas tem grande potencial de industrialização.

Segundo Paes, após esse pré-tratamento, é necessário ainda submeter o fruto à secagem por ar quente, pois apenas a desidratação osmótica não o deixa estável o suficiente para minimizar as reações de deterioração. Essa segunda etapa foi feita em um secador de bandejas com ar de secagem a 20% de umidade relativa. Com o pré-tratamento, o tempo necessário de secagem a 50 ºC foi reduzido em 13,8%. “Como a secagem é um processo de alta demanda energética para o aquecimento, esse resultado mostra o benefício do pré-tratamento. Também é esperado que o tempo mais curto de secagem permita menor degradação de compostos bioativos e, com isso, maior qualidade nutricional”.

Em termos técnicos, explica a pesquisadora, a desidratação osmótica é simples de ser reproduzida. “No entanto, para que esse pré-tratamento seja empregado em larga escala, ainda é necessário estudar a sua viabilidade econômica, além de avaliar todas as questões que envolvem transferência de tecnologia”, ressalta.

Benefícios à saúde – O cambuci é rico em vitamina C e compostos fenólicos dos grupos de elagitaninos e proantocianidinas. Com isso, o fruto apresenta alta capacidade antioxidante, maior do que a do morango, amora, goiaba e romã, por exemplo, além de ação anti-inflamatória. Esses compostos auxiliam no controle do colesterol e do nível glicêmico.

“Os compostos fenólicos apresentam alta eficiência para as atividades inibitórias de α-amilase e α-glucosidase, enzimas que atuam na hidrólise de carboidratos. A inibição dessas enzimas resulta no controle glicêmico ao reduzir picos de glicose pós-prandial [após a refeição]. Por isso, o consumo de cambuci pode trazer benefícios ao controle de diabetes mellitus tipo 2”, explica a pesquisadora Mariana Paes.

Produção e melhoramento – Nativo da Mata Atlântica, o cambucizeiro é uma árvore de pequeno porte, resistente e rústica, que também se adapta em regiões mais altas e até no nível do mar. Sua ocorrência se dá na Serra do Mar paulista e em outras regiões dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro e Minas Gerais. O cambucizeiro frutifica de fevereiro a julho, mas a maior quantidade ocorre entre março e maio. Seus frutos lembram o formato de um disco voador. Quando verdes, têm a casca dura e brilhante; maduros, ficam moles e com cor opaca.

A planta ainda está em processo de domesticação – ou seja, os cultivares não têm um padrão ideal que possibilite impulsionar sua produção. Além de ter vida útil de poucos dias após a colheita, o sabor muito ácido do cambuci dificulta o seu consumo in natura. Nesse sentido, as pesquisas científicas estão tendo um papel fundamental.

O professor Angelo Pedro Jacomino, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), por exemplo, trabalha com técnicas de melhoramento para potencializar a comercialização do cambuci e de outras frutas nativas. Parte do trabalho é entender a fisiologia do amadurecimento dos frutos e desenvolver técnicas para estender a sua vida útil in natura. A equipe acredita que seja possível manter a qualidade do cambuci por aproximadamente duas semanas.

Outra parte da pesquisa visa à conservação do fruto na forma de polpa congelada, pasteurizada, liofilizada ou desidratada que permitam fornecer matéria prima para a indústria de processamento durante o ano todo. Hoje, a técnica de conservação mais comum é o congelamento. “Todos os anos coletamos frutos para avaliar a qualidade, fazer estudos sobre genética e prospecção de compostos bioativos. Também esperamos selecionar plantas com características favoráveis para o consumo in natura, com frutos mais doces”, afirma Jacomino.

Arranjo produtivo – No estado de São Paulo, outra importante iniciativa é a Rota do Cambuci, criada pelo Instituto Auá, que oferece assistência aos produtores. A iniciativa atua em três frentes: Festival Gastronômico, que promove a cultura local e os produtos do cambuci; o Arranjo Produtivo, que visa unir produção, processamento e comercialização do fruto, gerando renda aos produtores familiares; e o Roteiro Turístico, envolvendo a experiência de turismo associada à história e cultura do cambuci, por meio de atrativos diferenciados em cada cidade. Recentemente, a entidade fechou parceria com um fabricante de sorvetes que resultou no lançamento de um produto com sabor de cambuci.

Participam da Rota do Cambuci os municípios de Mogi das Cruzes, Natividade da Serra, Santo André (Paranapiacaba), Rio Grande da Serra, São Paulo, Salesópolis, Paraibuna, São Lourenço da Serra, Ribeirão Pires e Bertioga. Juntos, eles produzem anualmente em torno de 100 toneladas do fruto, e para este ano é esperada uma colheita recorde de 200 toneladas.



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