Nos últimos 15 anos, o estado de São Paulo vem conseguindo produzir vinhos finos de qualidade, alguns até premiados internacionalmente. O pulo do gato foi a adaptação da variedade Syrah, natural do Vale do Rhône, na França, às peculiaridades climáticas da região. A Syrah já era cultivada em cidades como Espírito Santo do Pinhal, Itupeva e São Miguel Arcanjo. Agora, também começam a aparecer vinhedos em cidades como Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí e Indaiatuba. E o que esperar de um vinho Syrah paulista, em termos de compostos fenólicos e aromáticos?
É o que o enólogo Lucas Bueno do Amaral está tentando entender em seu mestrado na Faculdade de Ciências farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) sob a orientação do professor Eduardo Purgatto, integrante da equipe do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC). Amaral quer obter dados básicos sobre a variedade que melhor se adaptou a São Paulo e ao sul de Minas Gerais. O objetivo da pesquisa é conhecer o perfil da mesma variedade Syrah em diferentes condições climáticas.
“A Syrah se adaptou muito bem, mas ainda faltam dados sobre as características das uvas e desses vinhos dessa região. Estou caracterizando duas novas regiões produtoras de vinhos finos em São Paulo: São Bento do Sapucaí, de clima frio e alto, e Indaiatuba, de clima quente e baixa altitude. O foco é, principalmente, a parte aromática e fenólica”, explica ele, formado em enologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), campus São Roque. “Há pouquíssimos estudos sobre a produção de uvas para vinhos finos na região. Quero ajudar a prover dados iniciais de caracterização para que tenhamos ideia de como estamos evoluindo.”
Dupla poda – A recente produção de vinhos finos em São Paulo, incluindo vinhos premiados, só tem sido possível graças à inversão do ciclo da uva, proporcionada pela prática da dupla poda (ciclo de inverno). A dupla poda consiste em podar a videira duas vezes, de modo a jogar a colheita para o período que vai de julho a setembro. “No mundo todo, praticamente, as uvas são colhidas no verão. Acontece que nosso verão é muito chuvoso e, com a colheita do fruto feita nessa época, nossos vinhos não conseguiam grande quantidade de açúcar, portanto não conseguiam teores alcoólicos altos, e também não tinham coloração boa.
A força das chuvas de verão diluía todos os compostos da fruta, o que impossibilitava os produtores de conseguir uma boa maturação dela. Mas o inverno do Sudeste é seco e ensolarado e, quando o ciclo foi invertido, conseguiu-se maturar bem a fruta e fazer bons vinhos”, resume. Segundo ele, a fruta tem de maturar em clima seco para que concentre os compostos desejados.
Amaral explica que o que determina o teor alcoólico do vinho é a região em que é plantada a uva e a maturação que ela terá. “A Syrah de inverno no Estado de São Paulo dá 14%, 15%, 16% de teor alcoólico. Mas a de verão dá um vinho de ter alcoólico bem mais baixo. Quanto mais sol e menos chuva, maior será o teor alcoólico. Mas tudo isso é meio manipulável hoje em dia”, ressalta.
O enólogo revela que uma outra variedade bem adaptada a São Paulo e Sul de Minas Gerais é a Sauvignon Blanc. “Há novos testes sendo feitos para verificar se há outras variedades que se adaptam à região. E há instituições e pesquisadores tentando inverter ciclos de outras variedades de videiras no Sudeste, ampliando o leque de opções para produção de vinhos finos na região.”
Compostos fenólicos – Amaral vai caracterizar as antocianinas do vinho Syrah “paulista” e, possivelmente, procurar pelo resveratrol, composto que faz bem à saúde. Ele também quer caracterizar os aromas primário, secundário e terciário do vinho. Aromas primários são os aromas da própria uva, após colhida. Os secundários são os que vêm da fermentação, lembrando que, no vinho, há duas fermentações: a alcoólica, que transforma açúcar em álcool, e a fermentação malolática, que transforma o ácido málico em ácido lático. E os terciários são os aromas do envase, estabilização da bebida evolução em garrafa e barricas.
“Para saber quais aromas vêm de cada uma das etapas, fiz o meu próprio vinho, com uvas obtidas de um produtor de São Bento do Sapucaí. Primeiro eu amasso a uva e pego só o mosto. Analiso os aromas. Depois, induzo a fermentação alcoólica, pego uma amostra e novamente analiso os aromas. Após a fermentação malolática eu faço a mesma coisa. E, durante o envase, colho outra amostra, para saber que aromas aparecem após a estabilização. Realizarei, ainda, a coleta e a análise de amostras do mesmo vinho após 6 meses e um ano de envase. Assim, conseguirei mapear os aromas um ano depois, pois a pesquisa dura dois anos.”
A etapa de fabricação da bebida e coleta das amostras foi realizada no IFSP, que tem os laboratórios específicos. Para a caracterização, que está sendo feita nos laboratórios do FoRC, ele está usando cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa.
De acordo com Amaral, a pesquisa é importante para prover dados para os passos futuros, tais como a realização de melhoramentos na planta, ou a formação de uma indicação de procedência ou uma denominação de origem, por exemplo. “Pra isso tudo, precisamos saber o que essa uva tem em termos de compostos.”
Segundo ele, caracterizar a planta também é essencial para auxiliar os produtores na escolher da variedade mais adequada a seus objetivos de negócio. “Há muita gente investindo e entrando no mercado, e não são famílias que tradicionalmente produzem vinho. São novos empreendedores. Há gente investindo em parreirais no Rio de Janeiro, na Bahia, e até em Goiás. No caso do Sudeste, esses novos produtores geralmente fazem enoturismo também, ou mantêm um balcão de degustação, uma loja pequena. É assim que ganham nome. Eles estão produzindo e vendendo bem. Uma garrafa de um bom vinho Syrah feito em São Paulo pode ir de R$ 50 a R$ 350 reais.”
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