Você saberia dizer, ao tomar uma bebida industrializada, se ela é suco, suco tropical, suco misto, néctar, néctar misto, refresco ou outra bebida qualquer? Não se preocupe: quase ninguém sabe. Embora a legislação e as normativas brasileiras diferenciem essas bebidas, as categorias são pouco conhecidas pelos consumidores e a rotulagem dos fabricantes ainda induz a equívocos.
A lei que dispõe sobre a obrigatoriedade de registro, padronização, classificação, inspeção e fiscalização da produção e do comércio de bebidas é de 1994 (Lei nº 8.918, de 14 julho 1994). Ela foi regulamentada pelo decreto nº 6.871, de 4 de junho de 2009. Veja as definições de algumas bebidas disponíveis no mercado, segundo o decreto:
• Suco ou sumo é a bebida não fermentada, não concentrada, ressalvados casos especificados, e não diluída, destinada ao consumo, obtida da fruta madura e sã, ou parte do vegetal de origem, por processamento tecnológico adequado, submetida a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento do consumo. O suco poderá ser adicionado de açúcares na quantidade máxima fixada para cada tipo de suco, observado o percentual máximo de dez por cento em peso, calculado em gramas de açúcar por cem gramas de suco, tendo sua denominação acrescida pela designação: “adoçado”.
• Suco misto é o suco obtido pela mistura de frutas, combinação de fruta e vegetal, combinação das partes comestíveis de vegetais ou mistura de suco de fruta e vegetal, sendo a denominação constituída da expressão “suco misto”, seguida da relação de frutas ou vegetais utilizados, em ordem decrescente das quantidades presentes na mistura.
• Suco tropical é a bebida não fermentada obtida pela dissolução, em água potável ou em suco clarificado de fruta tropical, da polpa de fruta polposa de origem tropical, por meio de processo tecnológico adequado, devendo ter cor, aroma e sabor característicos da fruta, submetido a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento do consumo.
• Suco tropical misto é a bebida obtida pela dissolução, em água potável ou em suco clarificado de fruta tropical, da mistura de polpas de frutas polposas de origem tropical, por meio de processo tecnológico adequado, não fermentada, devendo ter cor, aroma e sabor característicos das frutas, submetido a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento do consumo. Os teores de polpas de frutas utilizados na elaboração do suco tropical deverão ser superiores aos estabelecidos para o néctar das respectivas frutas.
• Néctar é a bebida não fermentada, obtida da diluição em água potável da parte comestível do vegetal ou de seu extrato, adicionado de açúcares, destinada ao consumo direto.
• Néctar misto é a bebida obtida da diluição em água potável da mistura de partes comestíveis de vegetais, de seus extratos ou combinação de ambos, e adicionado (sic) de açúcares, destinada ao consumo direto.
• Polpa de fruta é o produto não fermentado, não concentrado, obtido de fruta polposa, por processo tecnológico adequado, atendido o teor mínimo de sólidos em suspensão.
Além dessas categorias, a lei traz ainda as de suco desidratado, suco reconstituído, refresco, refresco gaseificado... Isso sem contar os refrigerantes. As normas específicas que regulamentam cada uma dessas categorias estão espalhadas por uma série de instruções normativas (INs) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A IN 12, de setembro de 2003, aprova o regulamento técnico para fixação dos padrões de identidade e qualidade gerais para Suco Tropical (e também os padrões dos sucos tropicais de abacaxi, acerola, cajá, caju, goiaba, graviola, mamão, manga, mangaba, maracujá e pitanga). Traz ainda os padrões de dos néctares de abacaxi, acerola, cajá, caju, goiaba, graviola, mamão, manga, maracujá, pêssego e pitanga. Em 2013, foram editadas as INs nº 17, 18, 19 e 42. A última trata especificamente de néctares de laranja e de uva.
Néctares - “No caso de néctares de uma fruta só, existem regras sobre a quantidade mínima de polpa ou suco que aquela bebida deve ter. Para os néctares de laranja e uva, por exemplo, a normativa especificou um tempo de adaptação a partir de 2013, quando foi editada. Eles deveriam ter 30% de massa de suco a partir da publicação da Instrução Normativa; 40% a partir de 31 de janeiro de 2015; e 50% a partir de 31 de janeiro de 2016. Portanto, os néctares de uva e laranja que tomamos hoje devem ser compostos de 50% de suco da fruta”, ressalta Eric de Castro Tobaruela, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos da USP e pesquisador do Centro de pesquisa em Alimentos (FoRC- Food Research Center). Ele começou a se interessar pelo tema quando o grupo de estudos ao qual pertence pesquisava sobre a presença de fibras em sucos industrializados.
A lei diz ainda que o néctar cuja quantidade mínima da polpa de fruta ou do suco de fruta ou de vegetal não tenha sido fixada em regulamento técnico específico e o néctar misto devem conter, no mínimo, 30% de massa da respectiva parte comestível da fruta ou do vegetal, ressalvado o caso de vegetal com acidez muito elevada ou sabor muito forte, em que o conteúdo da polpa de fruta ou do suco de fruta ou de vegetal não deve ser inferior a 20% da composição do néctar.
Já no caso de néctar misto, exige-se uma quantidade mínima de polpa ou suco na bebida, mas eles podem vir de duas ou mais frutas. “Na embalagem, portanto, a alegação deve ser de que é um néctar misto, e não de que é de uma fruta só. Mas o que vinha acontecendo nos últimos anos é que a indústria fazia a propaganda de uma fruta só e, quando a gente ia ver a composição, não era bem assim. Normalmente, essa mistura era feita da fruta alegada na embalagem com o suco de maçã. Então, ao checar a composição, percebia-se que ali havia tanto suco de maçã quanto da fruta principal”, alerta Tobaruela, destacando que, nesses casos, o néctar se encaixa na legislação como misto, mas algumas marcas vendiam como se fosse de uma fruta só.
Ele explica que o suco de maçã não tem um sabor muito acentuado e possui o açúcar da fruta, ou seja: adoça sem interferir muito no sabor da fruta predominante. “Segundo alegam os produtores, a ideia é tentar reduzir o açúcar adicionado à bebida. O segundo motivo do uso do suco de maçã nas misturas seria custo: o suco de maçã é mais barato que alguns outros sucos.”
Recentemente, o que se vê é que apenas algumas marcas mudaram a aparência da embalagem e a alegação da mistura. Na maioria dos casos apenas a alegação do tipo de néctar foi alterada, mantendo-se a embalagem que pode confundir o consumidor. “Agora já vemos marcas que trazem, na descrição do produto, os dizeres: “néctar misto de uva e maçã.” Já é alguma coisa. Porque, há alguns anos, nem essa ressalva havia, embora ela seja exigida por lei desde 1994.”
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