Nova rotulagem de alimentos ajudará brasileiro a fazer escolhas por uma dieta mais saudável

Rótulos trarão alertas dos níveis de nutrientes que são considerados críticos à saúde quando ingeridos em demasia. Mudanças começam a valer a partir de outubro.

Políticas públicas e legislação

04/08/2022 - Em outubro deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) implantará um novo padrão de exibição de valores nutricionais obrigatórios nas embalagens de alimentos, publicado na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 429 e na Instrução Normativa Nº 75, ambas de 2020. A indústria alimentícia terá um ano para se adequar às novas orientações. A principal novidade é a exibição de uma lupa na parte frontal do rótulo da embalagem, indicando se os níveis de sódio, gordura saturada e açúcares adicionados são elevados. Já os valores nutricionais, que constam no verso das embalagens, passarão a ser apresentados de duas formas: com os valores em porção (colher, xícara) e em uma base de 100 gramas ou mililitros do alimento.

Na parte frontal, a mudança adota o modelo Front-of-pack labelling (FOPL) – alerta que fica bem visível aos olhos do consumidor. Já usado em diversos países, como Reino Unido, Chile, Austrália e Coreia do Sul, o FOPL é considerado uma ferramenta importante para reduzir o consumo elevado de nutrientes que a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) considera críticos para a saúde humana. No caso, açúcares, gorduras saturadas e sódio – todos associados aos três principais fatores de risco de mortalidade nas Américas: pressão alta, níveis elevados de açúcar no sangue e obesidade.

Entre os modelos gráficos disponíveis, optou-se pelo da lupa. “A lupa ‘amplia a visão’ do consumidor. Ela não inclui cores ou valores, que podem causar confusão. A informação é a mais objetiva possível”, afirma o coordenador de Padrões e Regulação de Alimentos na Anvisa, Tiago Lanius Rauber. “É uma ferramenta que irá ajudar muito o consumidor no momento da compra, uma vez que possibilita um entendimento rápido de quando um alimento tem alta concentração de nutrientes e que, portanto, deve ser consumido com moderação”, acrescenta.

lupa

Na lupa, serão incluídos alertas sempre que os índices dos nutrientes superarem alguns parâmetros. No caso, os limites são: açúcares adicionados (15 g por 100 g de alimento para alimentos sólidos ou semissólidos e 7,5 g por 100 mL de alimentos líquidos); gordura saturada (6 g por 100 g de alimentos sólidos ou semissólidos e 3 g ou mais por 100 mL de alimentos líquidos); e sódio (600 mg por 100 g de alimentos sólidos ou semissólidos e 300 mg por 100 mL de alimentos líquidos).


Maior atenção – Já a mudança na tabela nutricional exigirá do consumidor um pouco mais de atenção. Hoje, os valores nutricionais são apresentados por porção. Exemplo: uma colher de chá (5 gramas) ou uma colher de sopa (30 gramas). A partir de outubro, os valores nutricionais também serão apresentados por 100 gramas ou mililitros. Na visão da Anvisa, isso tornará mais fácil a comparação entre produtos, sem a necessidade de efetuar cálculos em função dos diferentes tamanhos de porções definidas para cada alimento. No entanto, os valores por porção serão mantidos porque são medidas usuais, que fazem mais sentido para o consumidor.

A mudança poderá gerar confusão em alguns casos, especialmente entre os alimentos que exigem preparo antes do consumo. Na tabela de informação nutricional também serão apresentadas as duas colunas, mas aquela por 100 g ou mL deve ser calculada para o produto pronto para consumo, considerando os valores de todos os ingredientes adicionados, de acordo com as instruções indicadas pelo fabricante. Por exemplo, no leite achocolatado em pó haverá uma coluna com dados por 100 mL do produto preparado, somando dados do leite com os do achocolatado para esse volume (no caso - 10 g). Na coluna por porção, os valores são somente da quantidade de pó recomendada para uso na porção desse produto (20 g), sem contabilizar valores do líquido onde será diluído (leite ou extrato vegetal, por exemplo). A engenheira de alimentos Eliane Miyazaki, da empresa de consultoria em regulamentação FoodStaff, considera que além de serem muitos dados, ficará confuso para o consumidor porque alguns dados serão apenas do pó e outros da preparação. “São muitos dados. Acho que o consumidor vai demorar para entender”, diz. Importante lembrar que para o rótulo frontal a regra é diferente, os alertas serão baseados na quantidade usada na porção do alimento pronto para o consumo, conforme recomendações do fabricante no rótulo, mas sem considerar o valor nutricional dos ingredientes adicionados (20 g no caso do achocolatado).

Ela acredita que isso também poderá causar uma distorção na leitura da quantidade de nutrientes de alguns alimentos. “O adoçante, por exemplo, conta com uma quantidade mínima de carboidratos, oriunda do uso de lactose, maltodextrina [resultado da quebra de moléculas do amido de milho] ou de outro componente utilizado para diluir o edulcorante. Como eles têm alto poder adoçante, são usados em quantidades muitíssimo pequenas, como de um sachê de 1 grama. No entanto, ao apresentar o valor nutricional à base de 100 gramas, 100 vezes maior do que o tamanho do sachê, o resultado será um valor muito alto, relativo aos carboidratos usados na veiculação do edulcorante. Isso pode afastar o consumidor do produto, principalmente os diabéticos”.

Novos nutrientes – Além das mudanças nas porções, serão incorporados novos nutrientes à tabela. Os principais deles são os açúcares totais e os açúcares adicionados (uma mistura de açúcares simples, como glicose, frutose ou sacarose). Os açúcares adicionados não são naturais do alimento, mas sim acrescidos durante a preparação na indústria para deixá-lo mais doce. “Os açúcares adicionados são críticos no desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis e precisavam constar da tabela”, destaca Rauber. “A meu ver, a definição de açúcares adicionados é confusa. Porque no rótulo dá a impressão que é o mesmo que açúcares totais. É preciso que a Anvisa explique para a população do que se trata esse conceito”, pondera Miyazaki.

Outra mudança é sobre as “alegações nutricionais” – informações que podem ser incluídas no rótulo de forma voluntária pelo fabricante, indicando um aspecto positivo na composição do alimento. Exemplo: “Valor reduzido de açúcar” ou “Alto conteúdo de fibras”. Já haviam sido criados parâmetros para controlar as alegações na RDC Nº 54, de 2012. Agora, está proibido incluir alegações que sejam de critérios que estão na lupa. “Para evitar engano ou confusão ao consumidor, um alimento que apresente um alto conteúdo de sódio na lupa, por exemplo, não poderá alegar que tem menos sódio só por que o fabricante fez uma redução em relação à formulação original”, afirma explica Rauber.

Adequação às mudanças - As alterações entram em vigência no dia 9 de outubro. A partir dessa data, todos os novos produtos deverão estar de acordo com a norma. Os produtos que já se encontram no mercado passarão por um período de adequação que dura até 9 de outubro de 2023. Na perspectiva da indústria, alterar a rotulagem é um processo demorado. “O fabricante precisa fazer as adequações no design da embalagem e no conteúdo do rótulo, submeter a embalagem à uma gráfica e produzir um enorme contingente de rótulos novos. Esse processo demora cerca de oito a dez meses para ser concluído, a depender do tamanho da empresa”, explica Miyazaki.

Por esse motivo e por possíveis interpretações equivocadas da norma, Miyazaki espera que a fiscalização das vigilâncias sanitárias seja mais branda nos primeiros dois anos. “Quando um rótulo está em desacordo com a norma, a empresa primeiro recebe uma notificação com um prazo para a adequação. Caso o problema não seja solucionado, após esse prazo ela é multada e posteriormente, o que é raro de acontecer, a fábrica é fechada. Com base nas experiências das últimas alterações na rotulagem, imagino que as fiscalizações não passem da fase de notificações nos dois primeiros anos, independentemente do tamanho da empresa”.

Mesmo assim, ela defende que os dois primeiros anos deveriam ser restritos à adequação da norma, sem caráter punitivo. “Acredito que poderíamos ter um período de educação, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos. Seria um período em que tanto a Anvisa, quanto os consumidores e as empresas, poderiam avaliar o que está dando certo e o que está dando errado, a fim de aprimorar a legislação. Haveria também mais tempo para equacionar as dúvidas que a mudança deve gerar”.

Alterações imprescindíveis – Independentemente do tempo para adequação, a nova rotulagem é um avanço para ajudar o consumidor a fazer escolhas mais saudáveis na hora de comprar alimentos. Segundo Rauber, as alterações tiveram origem em um diagnóstico que a Anvisa fez entre 2014 e 2016. Um grupo de trabalho que contou com o suporte de representantes do setor produtivo, academia e sociedade civil constatou que os consumidores tinham dificuldade de compreender as informações nutricionais. “Identificamos uma série de problemas relacionados à rotulagem nutricional e por isso a população não fazia questão de ler. Os problemas estavam principalmente na dificuldade de leitura e de compreensão das informações. Ou os dados eram muito técnicos, ou eram deficitários, ou omitiam informações que eram relevantes. E a legibilidade deles, ou a maneira como as informações eram impressas, como um todo, era ruim”, explica.

Rauber lembra que as mudanças que entrarão em vigor são fruto de um processo regulatório que durou de 2017 a 2020, com a realização de diversos estudos e consultas públicas. A escolha do Front-of-pack labelling (FOPL), por exemplo, foi feita após uma análise de diversos estudos científicos comparando os padrões de rotulagem adotados no mundo.

Esses estudos mostraram que os modelos que apontam quando os alimentos apresentam alto conteúdo de um nutriente obtêm melhores resultados quanto à compreensão do consumidor. Isso quando comparados com o modelo britânico de semáforo (critério de avaliação por cor, sendo verde a menos prejudicial à saúde) e o modelo francês de ranqueamento (critério de avaliação que usa as três primeiras letras do alfabeto, sendo que A corresponde ao mais saudável).

Por isso foi selecionado o modelo da lupa, utilizado de forma semelhante no Canadá. O design do símbolo foi aprimorado na etapa de consulta pública, que contou com mais de 30 mil participantes e 80 mil contribuições.

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