No Laboratório de Engenharia de Alimentos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (LEA/Poli/USP), uma sucessão de pesquisas com novas tecnologias para embalagens vêm sendo realizadas com o objetivo de encontrar produtos que substituam, à altura, o plástico de origem fóssil na produção de embalagens e filmes plásticos, aqueles usados para proteger peixes, carnes, frutas e outros alimentos perecíveis. Desde 2005, pesquisadores desse laboratório testam diferentes matérias-primas de origem vegetal na tentativa de obter um material que seja biodegradável e que tenha atributos diferenciais, capazes de evitar a proliferação de bactérias ou indicar o grau de deterioração do alimento, por exemplo.
São pesquisas em sintonia com uma tendência de mercado: as chamadas embalagens ‘ativas’ e ‘inteligentes’. Enquanto as primeiras teriam substâncias capazes de interagir com o alimento para prolongar sua vida de prateleira, as segundas teriam mecanismos para detectar processos de deterioração, oscilações de temperatura sofridas no armazenamento ou até indicar, pela mudança da cor, se uma fruta está madura para o consumo.
Da bancada para a indústria - “No nosso caso, um dos principais desafios é desenvolver um filme biodegradável resistente e maleável, que possa ser produzido em larga escala e por um preço competitivo em comparação ao plástico de origem do petróleo”, diz a coordenadora do LEA, a professora Carmen Tadini, que também é diretora de Transferência de Tecnologia no Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC). “Paralelamente, buscamos encontrar substâncias com atributos diferenciais, como antioxidantes ou antimicrobianos”, exemplifica.
O emprego de matérias-primas de origem vegetal e também resíduos agroindustriais foi o caminho encontrado para baratear o custo do produto e torná-lo mais competitivo em relação aos plásticos tradicionais. Com o tempo, os pesquisadores começaram a ficar atentos para as propriedades naturais que esses resíduos continham, e perceberam que seu uso poderia resultar em produtos com atributos diferenciais.
Uma das promessas neste sentido é um filme à base de amido de mandioca, aditivado com antocianina obtida da casca da uva, que está sendo testado no LEA. Segundo a doutora Bianca Chieregato Maniglia, coorientadora dessa pesquisa, ao ser usado para embalar carnes e peixes esse filme muda de cor, do roxo para o azul, quando ocorre o processo de deterioração. “No processo de deterioração, esses alimentos liberam amônia, o que torna o pH do meio mais básico. Ao reagir à mudança de pH, a antocianina muda de cor”, explica.
O diferencial dessa pesquisa, segundo Bianca, é que todo o processo é feito via extrusão – um sistema já utilizado na indústria. “Esse é o grande gargalo das embalagens biodegradáveis: encontrar um processo que possa ser implantado em larga escala”, ressalta.
Ela explica que os materiais biodegradáveis disponíveis hoje, os biopolímeros, são muito sensíveis à temperatura, pois são feitos a partir de amidos ou de proteínas, por exemplo. “Eles têm temperaturas de degradação bem inferiores aos polímeros convencionais, como polipropileno e polietileno. Por isso, o maior desafio é produzir esses materiais em temperaturas mais baixas e produzir filmes com as características desejáveis para embalar alimentos.”
Outro desafio é que os materiais produzidos não sejam solúveis em água, o que pode parecer um contrassenso à primeira vista, já que materiais biodegradáveis devem solubilizar em água. Nesse caso busca-se, por meio da extrusão, promover alterações na estrutura do material de modo a diminuir sua solubilidade em água a um nível em que ele ainda possa ser considerado biodegradável, mas também ter uma vida útil superior ao produto embalado, nas condições adequadas de armazenamento. “Isso é um problema, sobretudo para embalagens de produtos com alto teor de água”.
Potencial para ser explorado – O primeiro passo para saber se uma matéria-prima de origem vegetal ou resíduo agroindustrial tem potencial para formar um filme plástico é fazer testes laboratoriais usando o método casting. É quando se verifica a composição do material para saber se é capaz ou não de formar uma matriz polimérica. No laboratório da Poli/USP estão sendo testados vários: amido de mandioca e de batata, o refugo do processo de retirada do óleo do babaçu, a farinha que sobra do processo de extração do corante da cúrcuma (esta rica em antioxidantes e com potencial antimicrobiano), entre outros.
Segundo a pesquisadora, há diversos tipos de resíduos que são candidatos a virar matéria-prima na indústria de embalagens, ricos em compostos fenólicos e que podem acrescentar atributos a elas, além do apelo biodegradável. “Resíduos de frutas, palhada de soja, bagaço de cana-de-açúcar, casca do camarão e exoesqueletos de outros animais, estes ricos em carragena e quitina, respectivamente”, exemplifica.
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