22/07/2020 - Com a chegada do inverno, as temperaturas mais baixas nos convidam a tomar bebidas quentes, que ajudam a relaxar e a aquecer o corpo. Os chás são uma boa pedida nesse período por combinarem sabor e propriedades funcionais que amenizam os sintomas de gripes e resfriados, mais frequentes nesse período do ano. Esse texto é um resumo sobre as propriedades dos monoterpenos – compostos encontrados em vegetais que podem ser úteis no alívio dos sintomas de gripes e resfriados.
Os chás medicinais são bebidas que podem ser preparadas por infusão, decocção ou maceração de matérias vegetais como folhas, flores, frutos, sementes e raízes de plantas in natura (frescas) ou secas. A medicina popular propaga o uso de chás para combater e prevenir doenças há milênios e a ciência comprova a eficácia de alguns compostos presentes nesses chás. Podemos encontrar na literatura científica a forma adequada de preparo dessas bebidas, possíveis reações adversas, interações medicamentosas e com alimentos.
Apesar da existência de grande número de mitos associados à medicina popular e até mesmo da toxicidade de certos chás, é sabido que muitas plantas produzem compostos químicos que podem afetar positivamente o funcionamento do organismo. Por serem produzidos pelas plantas, esses compostos são conhecidos como compostos fitoquímicos bioativos. Existem diversas classes desses compostos, cujos efeitos na prevenção ou tratamento de doenças já foram amplamente estudados, como os flavonoides, carotenoides, fitoesteróis etc. Esses compostos são encontrados em alimentos de origem vegetal, comumente presentes em uma dieta balanceada.
Os monoterpenos e monoterpenoides (passaremos a nos referir a esses dois grupos de compostos como monoterpenos) são compostos fitoquímicos bioativos cujos efeitos são comparativamente menos estudados que os demais grupos. Nas plantas, esses compostos têm diversas funções como a atração de polinizadores e participação em mecanismos de defesa, repelindo insetos, animais herbívoros e protegendo a planta contra o ataque de microrganismos.
Os monoterpenos são encontrados em abundância em ervas, temperos e frutas e, por serem voláteis, participam da formação do aroma desses alimentos. Os aromas da laranja, limão, menta, orégano, manjericão, eucalipto e várias outras plantas e frutas são formados principalmente por monoterpenos. Existe grande variabilidade no conteúdo desses compostos nas plantas: diferentes variedades da mesma espécie apresentam diversos conteúdos de monoterpenos e o ambiente onde a planta é cultivada (duração do dia, tipo de solo, irrigação etc.) influencia muito o conteúdo de monoterpenos das plantas. Apesar disso, cada espécie vegetal rica em óleos essenciais possui um ou alguns monoterpenos mais abundantes e característicos, mas é comum que uma mistura de monoterpenos seja encontrada em cada espécie.
Assim, temos o limoneno, que é abundante em frutas cítricas, e o eucaliptol, principal monoterpeno do eucalipto, mas também encontrado em grandes concentrações em ervas aromáticas como sálvia e alecrim. Devido ao seu aroma agradável, a indústria alimentícia e de produtos de higiene utiliza monoterpenos na composição de produtos variados como sucos, sobremesas, confeitos, cremes dentais, enxaguantes bucais e outros.
A ação dos monoterpenos no organismo já descrita na literatura científica é bastante variada e inclui efeitos antimicrobianos, hipolipemiantes (reduzem a concentração de lipídios em modelos animais), antitumorais, cicatrizantes, antioxidantes, anti-inflamatórios, analgésicos, entre outros. Os mecanismos de ação dos monoterpenos ainda não são completamente compreendidos, mas sabe-se que o mentol e o eucaliptol, abundantes em hortelãs e no eucalipto, e em produtos como Vaporub® e Gelol®, causam uma sensação de frescor quando aplicados na pele ou em mucosas por ativar canais iônicos de certos neurônios. A ativação desses neurônios na mucosa no trato respiratório é um dos mecanismos responsáveis pelos efeitos dos monoterpenos no alívio dos sintomas de gripes e resfriados.
Veja abaixo outros efeitos desses monoterpenos:
• Efeito antitússico (tratamento da tosse): Tanto a inalação como a aplicação tópica de mentol e eucaliptol são efetivas na redução da tosse. Outros monoterpenos também apresentam essa propriedade. Na Alemanha existem medicamentos antitússicos registrados, que são preparados à base de eucaliptol e outros monoterpenos. No Brasil, o mais conhecido é o Vaporub®, produto à base de monoterpenos que alivia a tosse e a congestão nasal.
• Efeito descongestionante das vias aéreas: Por serem voláteis, os monoterpenos podem agir no trato respiratório por inalação, e já foi demonstrado que a inalação de mentol alivia a sensação de congestão nasal. Na verdade, trata-se de uma ilusão dos sentidos, pois o composto não tem propriedades capazes de ‘abrir’ as vias respiratórias. A inalação de mentol e outros monoterpenos apenas causa a sensação de desbloqueio das vias aéreas, o que proporciona conforto.
• Broncodilatação: Tanto o mentol quanto o eucaliptol são broncodilatadores.
• Propriedades anti-inflamatórias: O eucaliptol, carvacrol, timol e outros monoterpenos possuem propriedades anti-inflamatórias que são importantes no tratamento dos sintomas de gripes e resfriados. Esses efeitos incluem a redução da secreção de mediadores inflamatórios e a atenuação da inflamação em diferentes modelos.
• Efeito expectorante: Diferentes monoterpenos possuem propriedades mucolíticas e expectorantes, reduzindo a deposição de muco nas vias aéreas e a frequência de ataques de tosse.
• Propriedades antivirais: Existem estudos sobre os efeitos de diversos monoterpenos (eucaliptol, carvacrol, timol etc.) e óleos essenciais em vírus como o da gripe e da herpes. Redução da carga viral e da replicação viral já foram demonstrados em modelos experimentais, justificando a necessidade de realização de estudos em humanos. Ainda não existem dados sobre o efeito dos monoterpenos ou outros compostos fitoquímicos sobre o novo coronavírus, causador da Covid-19. Por isso, fique atento às fake news e não confie em terapias baseadas em chás para o tratamento dessa doença.
Os efeitos apresentados acima foram observados em estudos que avaliaram os monoterpenos purificados ou em óleos essenciais. Ainda faltam evidências de que os chás de plantas ricas em monoterpenos possam apresentar os mesmos efeitos, sendo a concentração do princípio ativo o principal limitante. Apesar disso, existem diversas receitas de chás que são utilizados para aliviar os sintomas de gripes e resfriados. Os chás mais populares utilizam gengibre, limão, capim limão – também chamado de capim santo ou capim cidreira –, laranja, hortelã, eucalipto, canela, erva cidreira – também conhecida por melissa (Veja abaixo tabela com modos de preparo).
Todos esses ingredientes possuem como característica comum conterem grandes quantidades de monoterpenos que, como vimos, possuem propriedades favoráveis ao alívio dos sintomas da gripe (Veja abaixo tabela com os monoterpenos mais abundantes nesses ingredientes). Além dos monoterpenos, os chás possuem muitos outros compostos fitoquímicos bioativos, que também têm propriedades de interesse no tratamento de sintomas de gripes e resfriados.
Apesar dos efeitos terapêuticos dos chás, alertamos que o consumo excessivo de produtos fitoterápicos pode ser prejudicial à saúde. Os remédios naturais, como os chás medicinais, causam menos reações adversas do que os sintéticos e às vezes nenhuma, mas não é possível afirmar que por serem naturais não ofereçam risco à saúde. Os compostos fitoquímicos bioativos são produtos químicos estranhos ao nosso organismo e, por isso, podem apresentar toxicidade se ingeridos em doses elevadas.
Para evitar efeitos adversos causados por toxicidade, devemos nos atentar à forma de preparo dos chás e a quantidade ingerida por dia. O bom senso deve orientar o consumo dessas bebidas. Consultar fontes científicas e profissionais especializados, como os farmacêuticos e nutricionistas, é sempre a melhor opção quando houver dúvidas sobre a utilização de chás e produtos naturais.
Autores da pesquisa e do texto: Bruna Lamesa, estudante de farmácia das Faculdades Oswaldo Cruz; Gabriela Justamante Händel Schmitz, doutora em Ciência dos Alimentos (FCF-USP) e docente de pós-graduação na área de Fitoterapia da FMU, USCS e Estácio de Sá; Guilherme Noronha Hernandez, estudante de farmácia das Faculdades Oswaldo Cruz; Jarlei Fiamoncini, pesquisador associado ao FoRC, professor doutor do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF/USP; Lara Martins da Silva, estudante de mestrado, FCF/USP; e Stephany Gonçalves, candidata ao Programa de Pós-graduação em Ciência dos Alimentos da FCF/USP.
Fonte: Dr. Duke's Phytochemical and Ethnobotanical Databases https://phytochem.nal.usda.gov/phytochem/search
Leitura complementar
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