Microbiota intestinal e medicina personalizada

Novas tecnologias permitem sequenciamento de bactérias presentes no intestino de centenas pessoas, e elas podem ser manipuladas em prol da saúde.

Fronteira do conhecimento

A manipulação da microbiota intestinal é um tema relativamente novo na academia, mas sua interface com a alimentação e a saúde leva a crer que esse campo de estudo pode ser uma ferramenta valiosa para a viabilização de tendências como, por exemplo, a personalização da medicina. Novas pesquisas sugerem diversas formas de manejo da microbiota, desde o uso de pré e probióticos, até a manipulação da dieta e o transplante de bactérias presentes nas fezes humanas.

“Um dos interesses da comunidade científica é essa interface entre dieta e microbiota, porque a modulação da dieta seria um ponto de acesso bem fácil e com menos efeitos colaterais do que a administração de medicamentos ou afins”, afirma Chris Hoffmann, pesquisador do FoRC e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Segundo ele, é sabido que existe um padrão de relação entre dieta e microbioma, a longo prazo. “Esse efeito dos hábitos alimentares da pessoa a longo prazo é muito mais forte do que o efeito daquilo que ela comeu ‘ontem’. O que ela ingeriu ontem tem um impacto momentâneo. Mas como tudo no corpo humano tende a buscar a homeostase, a tendência é uma volta ao equilíbrio”, diz ele.

Hoffmann explica que ao menos dois padrões de alimentação estão claramente conectados com microbiomas intestinais distintos: a dieta rica em carboidratos e a dieta rica em proteínas de origem animal. “Nós sabemos, por exemplo, que uma dieta com muita carne vermelha rica em gordura dá propensão a arteriosclerose, risco cardiovascular, aumenta o colesterol. Entretanto ainda existiam algumas lacunas em como tais dietas causavam estas doenças. Agora, algumas dessas lacunas estão sendo preenchidas por esse link do microbioma intestinal”, resume.

A ascensão do tema coincidiu com o surgimento de novas tecnologias de sequenciamento de DNA, mais baratas e rápidas. “O desenvolvimento de novas tecnologias de sequenciamento permitiu estudos com centenas de pessoas ao mesmo tempo, sequenciando milhares de bactérias dessas pessoas. E com esses grandes estudos alguns padrões emergiram”, esclarece Hoffmann.

Segundo ele, uma pessoa normal tem uma composição definida de microorganismos. “A gente sabe, de maneira geral, quais os microorganismos que devem povoar o intestino grosso. Estudos indicam que a dieta mais industrializada está modificando a microbiota. Nos EUA e Europa, onde as dietas são muito manipuladas, percebemos que o padrão da microbiota não é o mesmo, se comparado a locais na América do Sul e África, onde a dieta não é tão processada.”

Formas de manipulação – De acordo com Hoffmann, a manipulação da microbiota pode se dar por diversos acessos. Um deles é o uso de probióticos, algo que já se faz há algum tempo. “O que há de novo é que a próxima geração de probióticos que chegará ao mercado é completamente distinta do que já existe. O que temos hoje são produtos que, muitas vezes, levam em consideração grupos bacterianos que a gente não tem como adulto no nosso intestino. Fazem efeito? Em algumas pessoas sim, em outras não. Um bom exemplo são as bifidobactérias, presentes nos probióticos mais famosos que conhecemos. As crianças as têm, mas os adultos geralmente têm poucas.”

Segundo ele, hoje em dia os cientistas estão re-isolando bactérias e tentando encontrar aquelas que são realmente interessantes para um adulto. A outra ideia é utilizar os prebióticos. “Em vez de alimentar as pessoas com as bactérias, a ideia aqui é alimentar as bactérias que estão precisando ser incentivadas, com compostos criados exclusivamente para isso. É outra via de manipulação de microbiota”, aponta Hoffmann.

O transplante fecal é mais uma ferramenta, utilizada para repovoar o intestino com as bactérias que deveriam estar lá e que, por algum motivo, perderam espaço para um patógeno qualquer. “Isso está sendo muito usado para tratar pessoas que pegam infecção hospitalar. São bactérias super resistentes, agressivas, imunes à última linha de antibióticos. A pessoa vai morrer de sepsis, o que é medieval. Elas destroem a mucosa intestinal, a impermeabilidade, podem passar para a corrente sanguínea... Reintroduzir as bactérias que não estavam mais ali pode fazer com que o organismo pare de reconhecer simplesmente o patógeno”.

Hoffmann explica que, geralmente, o procedimento só é usado quando nada mais funcionou. “Porque há um risco, a gente não sabe exatamente o que está lá dentro, pode haver, por exemplo, um vírus que não se conseguiu detectar...”. Segundo ele, já existem empresas trabalhando para criar uma comunidade padronizada de bactérias, isoladas e sequenciadas, e que teriam os mesmos efeitos do transplante.

“Uma grande tendência hoje é a chamada personalização da medicina. Com o acesso ao genoma humano, a gente sabe qual é a fisiologia básica. Mas existem condições e características que são bem específicas de cada pessoa, ou grupo. A personalização da medicina tem de levar em conta toda a fisiologia do organismo e o estudo da microbiota intestinal certamente poderá contribuir para isso.”

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