05/09/2019 - O látex encontrado no mamão (principalmente na casca) contém uma enzima proteolítica chamada papaína, que tem funções bactericidas, anti-inflamatórias e bacteriostáticas (impede a proliferação de determinadas bactérias), além de ser usada em medicamentos para auxiliar a digestão. É um comprovado acelerador do processo de cicatrização, inclusive em feridas contaminadas. Na indústria, é usada em processos de clarificação de cerveja, e ainda como amaciante de carnes.
Apesar de tantos usos, sua presença no fruto também está relacionada a alergias. “A papaína presente no látex do mamão é um alérgeno bem descrito dessa fruta, chamado Cari p papain. Porém, quem tem alergia a mamão pode ser alérgico a outras proteínas dele que ainda não foram descobertas. Isso significa que não só a papaína pode causar alergia. Lembrando que a papaína é encontrada, em maior parte, no fruto verde”, revela Gabriela Justamante Händel Schmitz, doutora em Ciência dos Alimentos pelo Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF/USP).
Ela explica que a produção de látex é um mecanismo de defesa da planta contra predadores e situações de estresse. “O látex do mamão, assim como outras substâncias produzidas por diversas plantas, tem ação biológica. Tudo aquilo que utilizamos como fitoterápicos possui substâncias que têm ação biológica. E, em quase todos os casos, essas substâncias são sintetizadas pela planta para a sua defesa, o que significa que são substâncias tóxicas para os predadores. Assim, em grandes quantidades, podem ser tóxicas para nós”, resume Gabriela.
À medida que os frutos vão amadurecendo, o látex vai ‘desaparecendo’ e o teor de papaína vai diminuindo. Eduardo Purgatto, pesquisador principal do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), ressalta que a redução do látex se dá porque, do ponto de vista fisiológico, a planta completou o ciclo de formação do fruto e está na hora de gerar outra planta.
“Não é que o látex ‘desaparece’. É que os genes envolvidos na síntese do látex são desativados por conta do processo de amadurecimento. Ainda não está totalmente estabelecido, mas há quase um consenso de que é a semente que comanda o processo e dá o sinal de que atingiu a maturidade fisiológica e está pronta para iniciar uma nova planta. No mamão, a maturação da semente é, inclusive, visível: a fruta verde tem as sementes brancas e, na madura, elas são pretas”, explica ele, que é professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF/USP).
Tempo certo – Segundo ele, o látex que determinadas frutas contêm age no sentido de afastar herbívoros, insetos, pássaros e outros animais que, como possíveis dispersores de sementes, poderão ser bem-vindos num futuro próximo, quando o fruto estiver maduro, mas que são ameaças enquanto isso não acontece. “Quando o fruto está verde e a semente não está pronta ainda, se acontecer alguma coisa, se um herbívoro comer aquele fruto e soltar essa semente em algum lugar, todo o esforço, o investimento que a planta fez para poder se perpetuar, e toda sua carga genética, estarão perdidos. Por isso, as plantas foram desenvolvendo estratégias evolutivas para atrair os agentes dispersores somente quando a semente está pronta, e repelir os visitantes inconvenientes enquanto isso não acontece.”
Assim, o látex é produzido pelo fruto enquanto esses agentes são considerados uma ameaça para o seu desenvolvimento, e enquanto é necessário se proteger deles. “Quando o fruto fica maduro é hora de atraí-los, e o látex já não tem mais função”, diz Purgatto.
Faz mal pra gente? – Segundo ele, o látex é prejudicial ao ser humano somente se houver excesso de ingestão, o que é pouco comum. “O látex está principalmente na casca do mamão; a polpa também tem, mas não tanto quanto a casca. Se a pessoa começar a comer mamão verde todo dia, essa ingestão exagerada pode causar um problema intestinal ou algo do gênero, porque há no látex algumas substâncias que possivelmente afetam a nossa flora microbiana. Mas a pessoa não vai ter uma intoxicação aguda.”
Ele lembra que, no caso dos pratos que levam mamão verde, o preparo também influencia. “Há pratos da cozinha oriental que levam mamão verde, e no preparo se retira a casca, depois a polpa é ralada e refogada. O doce de mamão verde também é feito com o mamão sem casca, e há tratamentos que antecedem o mergulho dos frutos na calda”.
Curiosidades
Doce de mamão verde – Para tirar o amargo do látex, há quem deixe os frutos descascados de molho por algumas horas, com uma colher de bicarbonato, antes de colocá-los na calda. Tem gente que deixa de molho só na água, que vai sendo trocada ao longo de um determinado período. Outros, ainda, fervem uma panela de água com uma colher de bicarbonato e deixam os frutos descascados nessa água por um minuto.
Aplicação na indústria – As enzimas proteolíticas possuem grande aplicação industrial, e estão entre os três maiores grupos de enzimas industriais, sendo responsáveis por 60% da venda internacional de enzimas. Quando fresco, o látex do mamão possui alta atividade proteolítica, a maior parte inicialmente ativa, mas que pode ser inativada pela oxidação. Assim, as papaínas comerciais não podem ficar armazenadas por muito tempo, pois perdem a sua atividade em poucos meses.
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Imagem: Marcos Santos/Banco de Imagens da USP
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