11/02/2021 - Sabe aquele sanduíche natural pronto para consumo que está na prateleira do supermercado quase chegando na data do vencimento? Para a maior parte das pessoas, ele não representa risco à saúde. Mas, para o grupo descrito no título deste post, pode não ser assim. Isso por conta de uma bactéria, a Listeria monocytogenes, cuja correlação com doenças ainda é pouco investigada no Brasil. Segundo a bióloga Maria Teresa Destro, que foi professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e hoje é consultora na área de microbiologia de alimentos, a Listeria é um problema sério e pouco endereçado no País.
Encontrada no solo, água e em alimentos in natura, a Listeria monocytogenes é uma bactéria que se desenvolve com ou sem oxigênio, e consegue sobreviver em baixas temperaturas. Os tratamentos térmicos e químicos, destinados a eliminá-la do alimento contaminado – que é o principal meio de transmissão para o ser humano –, nem sempre conseguem acabar com a totalidade dos micro-organismos presentes. Pode haver ainda contaminação pós-processamento e a contaminação cruzada na manipulação do alimento após esse tratamento.
Meio favorável – O perigo é maior para alimentos contaminados do tipo minimamente processados, queijos macios e frios fatiados com período de validade muito grande. Vegetais pré-embalados, sanduíches industriais pré-preparados, frutas pré-cortadas; queijos, como brie, camembert e frescal; e frios fatiados pré-embalados oferecem condições propícias para proliferação dessa bactéria. Sob refrigeração, armazenadas por um bom período, a
Listeria monocytogenes
pode se proliferar à vontade. “Além disso, ambientes com alta atividade de água, que é o caso dos queijos frescais e brancos macios, também são propícios para o desenvolvimento dessa bactéria”, afirma a bióloga.
Ao ingerir um alimento contaminado por
Listeria monocytogenes, uma pessoa com boa imunidade é capaz de debelar o ataque das bactérias ou, dependendo da quantidade de bactérias, ter uma infecção alimentar, cujos sintomas são febre, dor de cabeça, calafrios, diarreia, por exemplo. O problema é quando se trata de pessoas suscetíveis.
Imunodeprimidos – Em grávidas, idosos e pacientes com problemas de imunidade – transplantados, diabéticos, portadores de HIV etc. – a
Listeria monocytogenes
pode resultar numa doença infecciosa chamada de listeriose invasiva. Neste caso, as bactérias se multiplicam e se espalham pelo organismo, podendo causar meningite, encefalite, pneumonia, entre outras doenças graves. Em gestantes, a infecção pode resultar na morte do bebê e em parto prematuro.
Segundo a bióloga, a
Listeria monocytogenes
tem pouca incidência, mas, quando ocorre, causa um número muito alto de mortes. “A mortalidade por Listeria alcança de 30% a 50% dos infectados. Para se ter um comparativo, a mortalidade por Salmonella é de cerca de 1% dos afetados pelo microrganismo”, revela.
Prevenção – Por isso, ela desaconselha a ingestão dos alimentos citados quando as datas de vencimento estiverem próximas de expirar. Exceção são os frios fatiados na hora, consumidos em dois, três dias, que têm risco baixo de veiculá-la, porque não há tempo de a bactéria atingir uma população que vá causar problema. “Mas há donos de estabelecimentos que não são honestos e mudam o rótulo da embalagem dos frios fatiados quando a data de vencimento expira”, alerta.
“Aquele presunto que foi cozido na indústria, já dentro da embalagem, de maneira adequada, apresenta baixo risco de conter
Listeria. Agora, quando se tira da embalagem para fatiar, a própria máquina fatiadora pode ser um meio de transmissão, seja na padaria, no supermercado ou na própria indústria, que vende frios fatiados embalados a vácuo com 45 dias de validade”, acrescenta.
Exagero? – Maria Teresa Destro lembra que, em países desenvolvidos, onde há um sistema eficiente de notificação de casos, os alimentos minimamente processados são os grandes responsáveis por surtos de listeriose. Nos países da União Europeia, nos EUA e na Austrália, a ligação da
Listeria monocytogenes
com abortos e outras doenças graves é objeto de investigação por parte das autoridades sanitárias, enquanto no Brasil não parece ser o caso.
Aqui sobram estudos sobre a presença dessa bactéria nos alimentos, mas faltam dados conectando a incidência da
Listeria monocytogenes
com as doenças causadas por ela. “Quantos casos de aborto estão ligados à Listeria? Quantos casos de meningite? E quantos deles conseguiram ser relacionados aos alimentos? Não sabemos.”
Legislação – No Brasil, o estabelecimento de padrões microbiológicos para alimentos é objeto da Instrução Normativa 60 e da RDC 331 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ambas publicadas em dezembro de 2019. “Eu participei do grupo que estabeleceu esses novos parâmetros, junto com as professoras Mariza Landgraf e Bernadette Gombossy de Melo Franco, do FoRC, além de outros especialistas. Essa regulamentação está alinhada com o que outros países seguem para o controle da segurança microbiológica dos alimentos. Buscamos fazer o melhor possível, mas sempre existirão segmentos que se sentirão incomodados em adotar os novos padrões”.
Segundo ela, a indústria brasileira de porte médio faz apenas o que está previsto por lei. Já a grande indústria tem uma preocupação maior com segurança e inocuidade. Às vezes, faz até mais do que está na legislação, porque exporta, e lá fora as regras são mais rígidas. Assim, acaba adotando controles mais rígidos também para os produtos voltados ao mercado interno. “Porém, há indústrias que usam as exigências legais para se precaver: se sabem que pode ocorrer em seus produtos um microrganismo capaz de causar doenças, mas não existe legislação para esse microrganismo, não reportam. E isso acontece no mundo todo, não só no Brasil.”
A bióloga também chama a atenção para a baixa quantidade de recalls de alimentos que se tornam públicos no País. “Aqui dificilmente se sabe de uma empresa que tenha problema de contaminação. Essas notícias não são muito comuns. Quantos recalls de alimentos temos no país? Poucos, se compararmos a países como os Estados Unidos. Lá eles fazem recall de tudo que apresenta problema, microbiológico ou não, e ele é publicado, sendo a informação aberta ao consumidor. Transparência é muito importante.”
Em sua avaliação, o consumidor tampouco exige uma postura diferente porque não tem informação para isso. “Enquanto não tivermos consumidores esclarecidos, ou entidades de consumidores que possam pressionar para que isso mude, vamos continuar assim.”
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