Guaraná e açaí serão estudados para reduzir o risco de depressão

Em ensaio clínico com mil indivíduos, pesquisadores da USP vão analisar os efeitos das frutas sobre biomarcadores e sintomas depressivos. Alimentos tem potencial antioxidante e anti-inflamatório.

Fronteira do conhecimento

Um projeto da Universidade de São Paulo (USP) irá analisar os efeitos do guaraná e do açaí, frutas nativas do Brasil ricas em compostos bioativos, sobre biomarcadores e sintomas depressivos em adultos. Coordenado pela professora Elizabeth da Silva Torres, do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, o grupo fará um ensaio clínico com mil indivíduos saudáveis para verificar se a intervenção é capaz de reduzir o risco de depressão e melhorar a cognição. Se for constatado o efeito esperado, os frutos podem servir como adjuvantes na prevenção e tratamento de sintomas depressivos.

 
Os voluntários passarão por uma triagem e receberão placebo, cápsulas de guaraná ou cápsulas de açaí. Os cientistas optaram pelas cápsulas em vez das frutas in natura pois, além de reduzir o volume e facilitar a ingestão, é possível padronizar a quantidade de compostos bioativos. “Se os indivíduos consumissem a fruta, seria preciso uma quantidade muito maior para conseguir atingir o teor desejado de compostos bioativos”, explicam a nutricionista Lara Natacci, especialista em dietas e saúde mental, e o nutricionista Leonardo Negrão, integrantes do estudo.


O guaraná e o açaí foram escolhidos por serem ricos em substâncias com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias – mais especificamente, os compostos fenólicos. Segundo Natacci, o guaraná tem um alto teor de flavonoides (uma classe de compostos fenólicos), como as catequinas e as epicatequinas. Já o açaí apresenta ácidos fenólicos, como os ácidos clorogênico, pecumárico e ferúlico; e é rico em antocianinas – flavonoides responsáveis pela coloração roxa do fruto.


Essas substâncias, importantes para a proteção das frutas, também trazem benefícios ao consumidor: reduzem os radicais livres do organismo, que podem estar presentes em situações de estresse ou na ocorrência de doenças, e diminuem a inflamação. Estudos anteriores do grupo de Torres, que trabalha com guaraná desde 2007, já mostraram que essa fruta também diminui os níveis lipídicos e glicêmicos e reduz a captação de colesterol.

 
De acordo com Natacci, a neuroinflamação está altamente relacionada a transtornos mentais, como a depressão, e os compostos fenólicos podem inibir enzimas associadas a problemas nos neurotransmissores. Outro componente importante nesse contexto são as fibras, que beneficiam a nossa microbiota e melhoram a função intestinal. “Nós produzimos una grande quantidade de neurotransmissores no intestino. E quando há alterações na microbiota, ocorre um aumento da permeabilidade intestinal, o que eleva o estresse oxidativo e a liberação de citocinas pró-inflamatórias. Isso também pode estar relacionado à neuroinflamação”, diz a nutricionista.


Biologia da depressão – Os principais mecanismos biológicos envolvidos na depressão são justamente o estresse oxidativo e a neuroinflamação. De acordo com o psiquiatra Rafael Sousa, coordenador do Grupo de Transtornos de Humor no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP, uma substância muito relacionada à depressão é o BDNF, neurotrofina responsável por manter as sinapses (conexões entre neurônios) e pela sobrevivência das células neuronais. “As evidências indicam que pacientes com depressão costumam ter o BDNF reduzido e que o antidepressivo aumenta os níveis dessa substância”, afirma o pesquisador.


Outra característica comum em pacientes com depressão é o aumento dos níveis de cortisol, conhecido como “hormônio do estresse”, devido à hipertrofia do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. “O hipotálamo é uma região do cérebro que atua na glândula hipófise (ou pituitária), que produz substâncias que atuam na glândula suprarrenal, produtora de cortisol. Em média, os pacientes com depressão apresentam níveis elevados desse hormônio em relação a indivíduos saudáveis”. 

De modo geral, segundo o psiquiatra, uma alimentação saudável do ponto de vista cardiovascular, assim como a prática regular de exercícios físicos, pode interferir em todos esses aspectos e reduzir o risco de episódios depressivos. “Os problemas cardiovasculares têm uma relação com a depressão. E provavelmente essa biologia comum a ambos – aumento de inflamação e de estresse oxidativo –, que aumenta o fator de risco cardiovascular, aumenta também o risco de depressão”, aponta.


Você sabia?


A dieta mediterrânea, composta por frutas, legumes, verduras, peixes e oleaginosas, já foi associada à redução do risco de depressão em diversos estudos da literatura científica. Um deles, publicado em 2015 pela Universidade de Las Palmas, na Espanha, acompanhou mais de 10 mil indivíduos durante quatro anos e verificou que, quanto maior a adesão à dieta mediterrânea, menor era a incidência de episódios depressivos. Os indivíduos que seguiram essa dieta tiveram uma diminuição do risco de depressão de até 42%.
Segundo a nutricionista Lara Natacci, a dieta mediterrânea é rica em compostos bioativos com funções antioxidantes e anti-inflamatórias. O ômega 3, por exemplo, presente principalmente em peixes como salmão, truta, bacalhau e sardinha, é um nutriente anti-inflamatório. Já os polifenóis, encontrados em frutas e hortaliças, são antioxidantes e anti-inflamatórios.

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