O consumo de cogumelos pode ir muito além de shiitake, shimeji e champignon. Um grupo de pesquisadores está investigando cogumelos comestíveis silvestres da Mata Atlântica que tenham potencial de mercado. Entre a prospecção na mata e o trabalho em laboratório, um grupo de biólogos do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), desde 2018, já descobriu cinco novas espécies, sendo duas delas comestíveis.
As buscas estão sendo feitas nos estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Bahia e contam com a colaboração de pesquisadores do IFSP e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Depois de coletados e identificados, os cogumelos passam por análises químicas em laboratório para a determinação dos valores nutricionais e testes de cultivo e análises sensoriais para consumo. Em colaboração com o Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC) os dados de composição química serão inseridos na Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA), o que permitirá divulgar essas informações de forma padronizada e ampliar o número de informações de alimentos da biodiversidade brasileira da tabela.
“Existe uma infinidade de espécies de cogumelos que ainda não conhecemos. Dentre as 22 mil espécies conhecidas em todo o mundo, cerca de 2 mil são comestíveis. Porém apenas 100 são cultivadas. No Brasil, temos uma variedade grande: chegamos a um número de 400 espécies de cogumelos comestíveis já registradas para o país. No nosso estudo fizemos uma peneira, pois muitos registros são antigos ou duvidosos, e concluímos que existem mais de 80 espécies de cogumelos comestíveis com registro confiável para o país, sendo 72 só na Mata Atlântica e 51 delas com registro de consumo, sobretudo por comunidades indígenas. São espécies bastante promissoras para o estudo de cultivo e para futura inserção no mercado nacional”, conta Nelson Menolli Jr., biólogo e professor do Instituto Federal de São Paulo. O trabalho coordenado por Menolli recebe o apoio da FAPESP (https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/104977/cogumelos-da-mata-atlantica-diversidade-e-potencialidades-de....
No total, os pesquisadores do IFSP já cultivaram em laboratório nove espécies de cogumelos comestíveis silvestres encontrados na Mata Atlântica. É o caso das espécies Auricularia cornea, Auricularia fuscosuccinea, Favolus brasiliensis, Irpex rosettiformis, Lentinus berteroi, Oudemansiella cubensis, Oudemansiella platensis, Pleurotus albidus e Pleurotus djamor.
“No laboratório, testamos questões relacionadas ao cultivo como temperatura ideal, substrato mais indicado para a espécie se desenvolver e também receitas. Não por acaso, as espécies que estamos estudando se adaptam muito melhor no nosso clima e temperatura do que o shiitake e o shimeji, por exemplo, espécies que são originárias do Hemisfério Norte e amplamente comercializadas no Brasil”, explica.
“Apesar de termos uma grande variedade de espécies de cogumelos, não somos um país com o hábito de comer esse alimento. A gente vai ao supermercado e encontra três ou quatro espécies de cogumelo apenas, mas existe uma grande variedade e com grande potencial de consumo”, afirma.
Os pesquisadores estimam que 1% dos cogumelos no mundo sejam tóxicos, podendo até matar uma pessoa que o consumiu. Por isso, vale o alerta de nunca comer um cogumelo silvestre, a não ser que um especialista indique o consumo. “Alguns cogumelos são tóxicos. No entanto, não é viável fazer testes de toxicidade, pois não conhecemos todas os compostos tóxicos presentes nos cogumelos, além de não existir uma característica única que indique se uma espécie é tóxica ou não. O nosso conhecimento tem base no conhecimento tradicional que foi sendo repassado. Por isso, é importante estar acompanhado de alguém que tenha prática de reconhecimento para saber se uma espécie pode ser consumida”, alerta Menolli Jr.
Na Bahia, pesquisadores da UNEB também estão investigando a ocorrência de cogumelos no Parque Nacional da Chapada Diamantina e no Parque Estadual da Serra do Conduru. É o projeto Micotrilhas, patrocinado pela Fundação O Boticário, que realiza expedições científicas para coletar cogumelos. Numa outra fase do projeto, ocorreram trilhas guiadas para proporcionar aos turistas a observação e reconhecimento da biodiversidade, além da importância dos fungos para a sustentabilidade dos ecossistemas.
O projeto Micotrilhas é coordenado por Alexandre Lenz, professor da UNEB. O pesquisador conta que um exemplo de cogumelos silvestres comestíveis que vêm ganhando o mercado e, sobretudo, o coração de chefs de cozinha da região Sudeste do país, são os cogumelos do sistema agrícola Yanomami. O povo Sanöma, que habita a região de Awaris, na Terra Indígena Yanomami do extremo noroeste de Roraima, coleta mais de 10 espécies de cogumelos, resultado de um profundo conhecimento da ecologia e do manejo do seu ambiente.
“Na Mata Atlântica também existe uma infinidade de espécies a serem descobertas, ou redescobertas. Muitas com grande potencial de produção. Esses projetos são pontos importantes tanto de resgate de uma cultura alimentar, quanto para proporcionar uma maior diversidade da nossa alimentação”, diz Lenz, que é bioinformata e estuda a genômica e regulação gênica de fungos. Sua participação no projeto está voltada para a taxonomia, filogenia e análise evolucionária dos fungos.
No projeto realizado na UNEB, os cogumelos também têm a composição química determinada. “É um trabalho multidisciplinar que envolve pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Além da prospecção na mata, da taxonomia e análise genética, também investigamos as propriedades químicas e nutricionais desses cogumelos silvestres. Com isso, é possível identificar propriedades importantes como compostos antioxidantes ou a riqueza em determinados minerais, como ferro e cálcio, por exemplo. Todos esses dados também serão incluídos TBCA, o que é muito importante, pois amplia nosso conhecimento sobre a diversidade alimentar brasileira, abrindo possibilidade para produção e comercialização desses cogumelos”, diz Aníbal de Freitas Santos Junior, professor da UNEB.
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