Gosto de terra no peixe não significa que ele está estragado

Você sabia?

É uma sensação comum: na primeira mordida, a gente sente um gosto estranho no pescado. Alguns associam a gosto de terra, outros acham mais parecido com mofo. O que provoca essa sensação ruim no paladar, também acompanhada de um odor característico, são duas substâncias produzidas por microalgas e cianobactérias presentes na água: a geosmina e o metilisoborneol (MIB).

“Elas não são tóxicas, mas sua presença é desagradável, pois ambas alteram o gosto e o cheiro da água. Além de representarem um problema para a água, também afetam os peixes, que acumulam essas substâncias e ficam com gosto de terra. Sua ocorrência é bem comum em lagos, represas, pesque-pagues e criadouros de peixes em todo o estado de São Paulo”, resume o professor Ernani Pinto Júnior, pesquisador associado do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC - Food Research Center).

Segundo ele, o olfato humano e nossas papilas gustativas conseguem percebê-las mesmo numa escala de parte por bilhão. “Daí que elas viram um estorvo para os piscicultores, já que o gosto e o cheiro deixados no peixe prejudicam sua comercialização.”

Embora atrapalhem a comercialização e o consumo do pescado, a geosomina e o MIB não são prejudiciais à saúde. O mesmo não se pode dizer de outras substâncias, também produzidas por microalgas e cianobactérias, consideradas tóxicas.

“Existem três categorias de toxinas produzidas por microalgas: as hepatotoxinas, que causam complicações hepáticas; as neurotoxinas, que causam efeitos no sistema nervoso central e toxinas que não possuem mecanismo ainda totalmente esclarecido e que causam alergias de pele. Entretanto, ao contrário da geosmina e do MIB, as toxinas não deixam nenhum rastro sensorial para nos guiar: não têm cheiro, odor ou cor característicos”, ressalta o pesquisador. Ele lembra que, com relação à água tratada para consumo humano, as probabilidades de intoxicação por essas substâncias são mínimas, pois existe um rígido controle por parte das empresas que fornecem e tratam a água, obedecendo a uma legislação que controla sua qualidade (no Brasil, a portaria 2914 do Ministério da Saúde). 

Mas, quando se ingere uma dessas toxinas via pescado (ou frutos do mar, porque elas também podem ser produzidas em água salgada), os sintomas podem incluir alterações neurológicas, dores abdominais, mal-estar, tontura, entre outros sintomas. “Um sintoma que ninguém relaciona com esse tipo de intoxicação é a diarreia. Em casos mais graves, como a ingestão de uma neurotoxina, o indivíduo pode até morrer. Pode ter parada cardíaca, entre outros sintomas graves.”

Floração - O fenômeno de reprodução dessas microalgas em água doce é chamado de floração, e sua ocorrência é fácil de detectar, pois ela deixa a água verde. Para combater a floração das cianobactérias que produzem todas essas substâncias (tanto as tóxicas quanto as não tóxicas) são usados algicidas. Mas é preciso cuidado ao utilizá-los pois, em quantidades grandes, também afetam os peixes.

“A ocorrência da geosmina e do MIB é mais comum do que a de toxinas. Graças a essas duas substâncias que mudam o gosto do peixe, os criadouros fazem um controle da água utilizada, e então o risco de intoxicação por ingestão de pescado contaminado por toxinas é pequeno. O mesmo não se pode dizer, por exemplo, dos pesque-pagues, onde o controle é bem menor. Em locais onde não há o controle, o risco de intoxicação aumenta.”

Para livrar o peixe do gosto e do cheiro ruins causados pela geosmina e pelo MIB, os criadores lançam mão de um processo chamado de “depuração”. Grosso modo, trata-se de mudar o peixe de uma água em que está ocorrendo floração para uma água mais limpa, e mantê-lo lá por um período, até que as substâncias desapareçam.

“A geosmina e o MIB são um problema para o criador, mas não para o consumidor. Já as toxinas são um problema para todos. E não há, no Brasil, legislação dando conta do pescado contaminado por toxinas produzidas por microalgas e cianobactérias. Tampouco registramos ou contabilizamos possíveis casos de intoxicação causados por elas. É preciso criar essa legislação, e também mecanismos e organismos de controle da água de criadouros, pesque pagues, represas e afins.”


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