Enriquecimento com minerais intensifica propriedades nutricionais dos cogumelos

Manipulando o substrato de cultivo, grupo de cientistas altera a concentração de selênio e lítio de um cogumelo comestível; estratégia pode contribuir para ampliar as propriedades benéficas deste tipo de alimento.

Fronteira do conhecimento

20/01/2021 - Cogumelos comestíveis são ricos em proteínas e minerais, e muitos têm propriedades medicinais já reconhecidas pelo meio científico. Exemplo disso é o Pleurotus ostreatus, conhecido como hiratake, shimeji ou cogumelo ostra, que tem atividade imunoestimulante e propriedades antitumorais. Mas as funções dessa espécie, que já são muitas, podem ainda ser “turbinadas” com o enriquecimento do substrato onde ela é cultivada. É o que está fazendo um grupo de cientistas liderado pela professora Maria Catarina M. Kasuya, do Laboratório de Associações Micorrízicas da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

“Os cogumelos geralmente são cultivados em blocos feitos com resíduos agrícolas: pó de serra, cavaco, bagaço de cana, casca de café, folha de bananeira, sabugo de milho, entre outros. A composição desses substratos tem influência tanto na produção como na composição química do alimento. Em nossa pesquisa, enriquecemos substratos como casca de café ou bagaço de cana com selênio e lítio, separadamente, para produzir cogumelos com maior concentração desses minerais”, resume a professora.

Segundo Kasuya, os benefícios à saúde do selênio e do lítio são conhecidos, assim como o limite de ingestão para evitar que se tornem tóxicos ao organismo humano. “O selênio tem propriedades antioxidantes e pode contribuir para o funcionamento normal da tireoide e da função imune. Também compõe enzimas que atuam no controle do stress. Já o lítio, embora não seja essencial para as funções vitais, age no controle do humor e pode influenciar o comportamento. Em razão disso, esse mineral tem sido utilizado em drogas para transtornos do humor.”

Resultados positivos – No caso do selênio, os pesquisadores avaliaram a biodisponibilidade do mineral in vivo, com ratos, comparando o plasma de grupos de animais alimentados com diferentes dietas. Ou seja, dieta com cogumelos enriquecidos; com cogumelos não enriquecidos; com suplementação de selenito de sódio (selênio solúvel em água) e dieta convencional (grupo controle). “Ao avaliarmos o plasma sanguíneo dos ratos que consumiram os cogumelos enriquecidos, constatamos uma maior quantidade de selênio que nos demais grupos. A concentração foi cerca de 25% maior do que a observada no grupo que consumiu selenito de sódio, e mais de 100% maior do que a registrada nos que consumiram cogumelos não enriquecidos. O substrato também provou ser biologicamente eficiente para enriquecimento com os minerais e cultivo dos cogumelos enriquecidos”, conta.

Já a biodisponibilidade do lítio foi avaliada por meio de extração sequencial e testes in vitro. Foi comparada a acessibilidade do mineral em cogumelos enriquecidos e não enriquecidos com a acessibilidade da substância em uma droga psiquiátrica contendo carbonato de lítio, usada no tratamento de transtorno bipolar. 


“Concluímos que os cogumelos enriquecidos podem ser uma boa fonte de lítio, até porque há poucos alimentos ricos nesse mineral. A concentração de lítio aumentou de duas a cinco vezes nos cogumelos cultivados nos blocos enriquecidos com o mineral”, afirma. “Também associamos a alta concentração dos minerais na biomassa do fungo ao maior grau de acessibilidade na extração sequencial e na digestão in vitro em relação à droga psiquiátrica. É um resultado que fundamenta o potencial uso de cogumelos enriquecidos como fonte do mineral”

Propriedades medicinais – Há décadas que pesquisadores no mundo todo investigam as propriedades medicinais dos cogumelos comestíveis, que têm suas origens na medicina tradicional oriental. “Eles possuem betaglucanos em suas paredes celulares, substâncias que modulam o sistema imune, além de propriedades bioativas e antitumorais”, afirma a professora. Também produzem importantes compostos como o ergosterol, um precursor da vitamina D. “A lentinana, um polissacarídeo com propriedades antitumorais encontrado no shitake, é inclusive patenteado e usado em tratamentos contra o câncer.”

Segundo Kasuya, a composição dos blocos de substratos afeta a qualidade nutricional dos cogumelos e, muitas vezes, a cor do cogumelo. “É preciso cuidado com a produção do substrato porque os fungos são como esponjas; absorvem tudo o que está ali,
Mercado brasileiro - No Brasil, as pessoas não têm a cultura de consumir esses alimentos em grande quantidade, como na Ásia e na Europa, mas desde a década de 1990 o consumo no mercado nacional vem crescendo. A Embrapa estima que o consumo per capita no país hoje seja de 288 g/ano. Há 25 anos, era de menos de 100 g/ano. Para se ter um comparativo, na França o consumo per capita é de 2 kg/ano.
  
Um dos fatores responsáveis por impulsionar o mercado no País é a crescente demanda por alimentos com baixo teor de gordura, que sejam fontes de nutrientes como proteínas, minerais e vitaminas. “Fungos, em geral, são ricos em proteínas, e têm baixo teor de gorduras. A maioria dos cogumelos à venda nos supermercados possui todos ou quase todos os aminoácidos essenciais”, afirma. Os aminoácidos são os blocos de construção das proteínas.

O mercado mundial de cogumelos comestíveis movimentou 12,74 milhões de toneladas em 2018, e a estimativa é que até 2026 alcance 20,84 milhões de toneladas, de acordo com a Fortune Business Insights. No Brasil, é difícil avaliar o volume de produção. A Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos (ANPC) estima que sejam produzidas pouco mais de 12 mil toneladas in natura. A Embrapa, entretanto, estimava essa produção em 17 mil toneladas em 2017. De qualquer maneira, é pouquíssimo, se comparado a outros países produtores, como a China – com produção de mais de 5 milhões de toneladas.

Estima-se que existam duas mil espécies consideradas comestíveis, das mais de dez mil conhecidas atualmente. O Brasil cultiva poucas delas. As mais comercializadas são o champignon, ou cogumelo Paris (Agaricus bisporus), o shitake (Lentinula edodes), o shimeji/hirataki (Pleurotus ostreatus) e o “cogumelo do sol” (Agaricus blazei), também conhecido como cogumelo medicinal no Brasil.

Hoje o Brasil conta com cerca de mil produtores, boa parte deles agricultores familiares. O maior produtor brasileiro é o estado de São Paulo e as regiões que se destacam são Mogi das Cruzes, Bragança Paulista e Sorocaba.

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