19/02/2020 - Quando você compra um ovo orgânico, ou um ovo caipira, pagando mais por ele do que paga por um produto convencional, talvez pense que ele lhe trará vantagens nutricionais significativas. Mas, segundo a professora Cristiane Soares da Silva Araújo, do Departamento de Nutrição e Produção Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (Campus Pirassununga-SP), apesar daquela gema mais pigmentada característica desses produtos alternativos, as diferenças nutricionais entre os ovos caipiras, orgânicos e industriais são muito pequenas.

“Essa diferença é mínima e está relacionada à maior quantidade de carotenoides nos produtos orgânicos e caipiras que são compostos com reconhecida ação antioxidante. Isso porque galinhas criadas em sistemas orgânicos e caipiras ciscam gramíneas e outras forragens, pois têm acesso à uma área externa durante sua vida produtiva. No sistema orgânico, essa área é de um a três metros quadrados por ave; no caipira, é de meio metro quadrado por ave. E, como essas forragens têm carotenoides, a gema do ovo dessas galinhas fica mais pigmentada.”

De acordo com a professora, sob este ponto de vista, o consumo de antioxidantes pode ser considerado um dos benefícios da ingestão de ovos caipiras e orgânicos para quem opta por esse tipo de produto. “Mas, com relação à presença dos demais nutrientes, os estudos existentes mostram que não há diferença substancial entre os orgânicos, os caipiras e os convencionais.”

Mesma galinha, diferentes sistemas de criação – Os sistemas orgânicos ou caipiras, na medida do possível, tentam “imitar” a maneira antiga de criar galinhas, típica de pequenos sitiantes e pessoas que tinham poedeiras de “fundo do quintal”, criadas soltas. Conforme explica a professora, as primeiras galinhas chegaram no Brasil no ano de 1502, com a expedição exploradora de Gonçalo Coelho, e eram de raças crioulas, rústicas. Esse tipo de criação perdurou por muito tempo – e existe até hoje.

“Mais tarde, com a evolução da cadeia produtiva de ovos, com o uso do melhoramento genético, fomos conseguindo linhagens mais produtivas do que essa galinha rústica, por meio de cruzamentos e de seleção. Assim, aumentamos bastante a oferta e, por outro lado, a demanda também foi aumentando, conforme a população crescia.”

Entretanto, para garantir essa alta produtividade com qualidade sanitária, foi preciso “tirar as galinhas do chão”, como diz Cristiane. “Tivemos de tirar essa galinha do chão e colocá-la na gaiola. Assim, conseguimos aumentar a produção de ovos e minimizar problemas como a coccidiose, por exemplo, uma doença entérica causada por um protozoário, que compromete o intestino da ave. Por outro lado, surgiu a questão: essa galinha na gaiola consegue expressar todos os seus comportamentos normais, tais como ciscar, ter acesso a insetos e gramíneas, ou se espojar na areia...?”

Em vista da evidência de que esses comportamentos talvez não fossem garantidos com a criação industrial, surgiram outras formas de criação em grande escala, com o viés da preocupação com o bem-estar do animal.

Porém, salienta Cristiane, apesar de parecer contraditório, as linhagens utilizadas por um produtor de ovos orgânicos ou caipiras não precisam ser, necessariamente, as consideradas “caipiras”, ou seja, como as desenvolvidas por instituições como a Embrapa e a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz). 

“Para produzir ovos considerados orgânicos ou caipiras, o produtor também pode trabalhar com as linhagens comerciais, altamente produtivas, pois atualmente é permitido. Os ovos das linhagens caipiras terão aparência um pouquinho diferentes, por conta da coloração da casca, que pode ser azulada, às vezes meio rosa. Isso porque a cor da casca do ovo depende da genética da poedeira. Já a cor de gema, como já vimos, é determinada pela alimentação.”

Sem gaiolas – No sistema orgânico, assim como no caipira, além de ter acesso a uma área externa, a galinha não passa a vida na gaiola, mas vive no piso, em um galpão onde há ninhos e poleiros. No galpão, essas aves recebem ração e água. Na área externa, elas têm contato com gramíneas, com insetos, podem ciscar e se espojar no solo – comportamento chamado de banho de areia (para limpar o corpo e a plumagem). 

Além dos sistemas de criação que originam ovos industriais, caipiras e orgânicos, há ainda um sistema denominado cage free (livre da gaiola). “Nesse sistema, a galinha também fica no chão, semelhante ao que acontece com o frango de corte. No galpão, existem ninhos e poleiros, mas a galinha não tem acesso a uma área externa. Trabalha-se com as linhagens comerciais, mas aqui a ave pode caminhar, ciscar, enfim, consegue expressar seus comportamentos naturais.”

E, por fim, existe ainda o sistema antibiotic free (livre de antibióticos). Ele segue os mesmos preceitos do sistema cage free, mas neste caso não se pode utilizar antibióticos nem profilaticamente, nem na eventualidade das aves adoecerem.

“Neste sistema, as aves recebem aditivos naturais na ração que melhoram o sistema imune e mantêm a microbiota intestinal equilibrada, pois a ideia é prevenir o aparecimento de doenças. E quando ficam doentes, recorre-se a homeopatia ou fitoterapia. Mesmo assim, se o lote requerer uso de antibióticos ou quimioterápicos para recuperar a saúde, por uma questão de bem-estar animal, os ovos têm destinação separada, não podendo ser comercializados como antibiotic free”, explica Miwa Yamamoto Miragliotta, presidente da Associação Brasileira de Avicultura Alternativa (AVAL).

Segundo ela, para que esta destinação de ovos de galinhas tratadas com antibióticos seja segregada e os ovos não sejam vendidos como antibiotic free, existe todo um processo de rastreabilidade e auditorias por certificadoras, no caso dos associados da instituição.

“No sistema orgânico também é proibido o uso profilático de antibióticos, e ainda sua utilização para tratamento de aves doentes. Quando as aves adoecem, também são tratadas com homeopatia. No sistema caipira, pode-se usar antibióticos quando as aves adoecem, mas não se pode ministrar às aves as doses profiláticas características do sistema de criação industrial”, afirma a professora Cristiane.

Alimentação – De acordo com ela, a alimentação das aves representa 70% dos custos de produção. “No Brasil, aproximadamente 95% da produção de ovos é em gaiolas. Neste caso, a ração que as aves recebem pode ter ingredientes tanto de origem vegetal quanto animal. No sistema cage free a ração também pode conter os dois tipos de ingredientes. Já na criação caipira, na livre de antibióticos e na orgânica, a ração ofertada às poedeiras não pode ter ingredientes de origem animal.”

As rações mais comuns são compostas de ingredientes tais como milho (que fornece energia), farelo de soja (proteína), farelo de trigo (fibra), fontes de cálcio (calcário ou farinha de carne e ossos), aminoácidos (como a metionina, a lisina), sal, vitaminas e minerais, entre outros. No caso das criações que originam ovos orgânicos, os ingredientes da ração precisam ser orgânicos também. “A normativa brasileira permite que se utilize até 20% de ingredientes não orgânicos, mas não se pode usar transgênicos”, ressalva a professora.

Veja abaixo um quadro com os principais tipos de criação de galinhas poedeiras e, logo depois, o resumo dos produtos originados de acordo eles:

            Fonte: Cristiane Soares da Silva Araújo. Design: Larissa Albuquerque Galvão

Ovos industriais: são obtidos de galinhas criadas em gaiolas durante a fase de produção. As linhagens utilizadas, brancas ou vermelhas, são de alta produtividade. Os ingredientes das rações podem ser de origem vegetal e animal. Quando ficam doentes, podem ser tratadas com antibióticos. Geralmente, são utilizados antibióticos de forma preventiva.

Ovos de galinhas cage free: são produzidos por galinhas criadas livres de gaiola, soltas em galpões com ninhos e poleiros. As linhagens utilizadas, vermelha ou branca, também são de alta produtividade, e os ingredientes das rações igualmente podem ser de origem vegetal e animal. Quando ficam doentes, podem ser tratadas com antibióticos. Podem ser utilizados antibióticos de forma preventiva.

Ovos de galinhas antibiotic free: também produzidos por galinhas criadas livres de gaiola, soltas em galpões com ninhos e poleiros. As linhagens utilizadas, vermelha ou branca, são igualmente de alta produtividade, mas as rações só podem conter ingredientes de origem vegetal. Quando ficam doentes, as galinhas não podem ser tratadas com antibióticos. Também não podem ser utilizados antibióticos de forma preventiva, como acontece no sistema convencional, em que esses medicamentos geralmente são adicionados a ração das galinhas.

Ovos caipiras: neste caso, as galinhas vivem no piso com ninhos e poleiros, porém têm acesso a piquetes fora do galpão. Nesta área (densidade de 0,5 m2 por ave), as aves têm acesso a insetos e capim. A coloração da gema do ovo é mais intensa porque possui mais carotenoides. As linhagens utilizadas podem ser de alta produtividade ou as caipiras. Os ingredientes das rações são de origem vegetal e, quando ficam doentes, podem ser tratadas com antibióticos. Não é permitido o uso de antibiótico de forma preventiva.

Ovos orgânicos: as galinhas também vivem no piso com ninhos e poleiros, mas com acesso a piquetes (como no sistema anterior, mas com densidade de 1 a 3 m2 por ave). A coloração da gema também é mais intensa. As linhagens utilizadas, vermelha ou branca, podem ser as caipiras ou as de alta produtividade. Os ingredientes das rações são de origem vegetal e devem ser orgânicos. Quando as galinhas ficam doentes, não é permitido o uso de antibióticos (apenas tratamento homeopático). Não é permitido o uso de antibiótico de forma preventiva. O produto dever ser certificado por uma certificadora reconhecida e, nas embalagens, deve aparecer o selo que indica que o produto é orgânico.

Curiosidades:

• O Brasil é o 7º maior produtor de ovos do mundo, mas exporta menos de 1% do que produz.
• O consumo per capita de ovos no Brasil em 2019 foi de 230 ovos.
• No sistema de criação industrial, uma galinha vive entre 100 e 110 semanas e produz cerca de 500 ovos.
• Ovos enriquecidos com substâncias como ômega 3 e selênio, disponíveis no mercado, são obtidos por meio da manipulação da dieta das aves.

Fique atento!
No Brasil, algumas embalagens de ovos já trazem o seguinte apelo: “ovos de galinhas criadas livres”. De acordo com Miwa Yamamoto Miragliotta, da AVAL, a expressão “criadas livres” pode significar tanto "livres no galpão" (que é o sistema cage free), como “livres a campo" ou "livres no piquete" (sistemas caipira ou orgânico). Existem embalagens que mostram a figura de galinhas pastejando no campo, com o argumento de que elas são livres de gaiolas. Mas uma coisa não é sinônimo da outra: elas podem ser livres de gaiola (cage free), e não ter acesso a uma área externa (caipira/orgânico).

Imagem: Jill Wellington por Pixabay">Pixabay