Profª Dra Silvia Maria Franciscato Cozzolino
Profª. Titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, da área de Nutrição - Minerais, e Pesquisadora do FoRC
21/04/2020 - Nesse momento de pandemia em que observamos na mídia informações de todos os tipos sobre alimentação e nutrição visando não apenas prevenir como curar aqueles que contraíram o novo coronavírus (COVID-19), nosso propósito ao escrever esse artigo é trazer conhecimentos científicos que possam servir de guia para a população sobre escolhas de alimentos que possam de alguma forma auxiliar o organismo a enfrentar esse problema. É importante, entretanto, que fique claro que nada vai acontecer de um dia para o outro, mas que a médio prazo poderá sim ajudar.
Comecemos então pelo sistema imune, que é constituído por um conjunto de células que protegem o organismo contra qualquer microrganismo ou substância não reconhecida que poderia causar algum malefício. Pois bem, a nutrição pode modular (interferir) a resposta imune. Quando o indivíduo tem hábitos alimentares saudáveis, ingerindo os nutrientes de que necessita de acordo com sua fase de vida, principalmente os micronutrientes (minerais e vitaminas) e compostos bioativos encontrados em alguns alimentos (estudos vem demonstrando suas ações na redução do risco de doenças), seu sistema imune estará mais preparado para vencer essa pandemia. Dentre os micronutrientes que teriam papel mais relevante nesse sentido podemos citar: o zinco (Zn), as vitaminas A e D, o selênio (Se) e a vitamina C, entretanto, sem deixar de considerar todos os demais nutrientes que podem afetar o estado nutricional de cada indivíduo.
Zinco: O Zn possui inúmeras funções no organismo, além da sua grande importância no sistema imune. Atua ainda no transporte de vitamina A, pois a proteína responsável por essa função é dependente de Zn. As melhores fontes alimentares são: mariscos (a ostra em especial), carnes vermelhas, vísceras, fígado, peixes, ovos, cereais integrais. A deficiência de Zn compromete o sistema imune, mas vale ressaltar que doses elevadas também são prejudiciais. A recomendação de ingestão diária para adultos e idosos é de 8 miligramas para mulheres e de 11 miligramas para homens, o limite máximo tolerável de ingestão é de 40 miligramas por dia, acima deste existe a possibilidade de efeitos adversos. No quadro abaixo pode-se observar os valores encontrados em alguns alimentos.
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.0. São Paulo, 2019. [Acesso em: 03042020 ]. Disponível em: http://www.fcf.usp.br/tbca
* Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação – NEPA. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO 4. ed. 2017.
Vitamina A: É outro nutriente com importante função imunomoduladora. Pode ser encontrada pré-formada, já na sua forma ativa, chamada de retinol, presente em alimentos do reino animal e nos precursores carotenoides provenientes dos vegetais. Ressalta-se que a biodisponibilidade (capacidade de ser utilizada pelo organismo) é bem menor quando proveniente dos carotenoides. As recomendações de ingestão são denominadas de equivalentes em retinol, exatamente devido a necessidade de expressar a bioequivalência dos carotenoides para retinol. Os alimentos mais ricos são o fígado, óleos de fígado de peixes (ex. bacalhau) e os vegetais verdes escuros e alaranjados. Ressalta-se que como as demais vitaminas lipossolúveis da dieta, o excesso pode se tornar tóxico, e muito cuidado com os idosos (principalmente se apresentarem comprometimento renal). A ingestão diária recomendada de Vitamina A é de 900 microgramas para homens e 700 microgramas para mulheres. O limite superior para ambos é de 3000 microgramas de Vitamina A. Na tabela abaixo, exemplos de quantidades de vitamina A encontradas nos alimentos.
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.0. São Paulo, 2019. [Acesso em: 03042020 ]. Disponível em: http://www.fcf.usp.br/tbca
*Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação – NEPA. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO 4. ed. 2017.
Vitamina D: Outro nutriente de grande importância que pode contribuir com o sistema imune, embora sem esquecer de sua função primordial no tecido ósseo. A principal fonte é a exposição aos raios solares UV-B, que tornam possível a síntese pela pele humana. Outras fontes naturais são os óleos de fígado de peixes, e os alimentos fortificados. Recentemente foi divulgado na imprensa que a maioria dos indivíduos que contraíram a COVID-19 eram deficientes nessa vitamina, isso era de se esperar, uma vez que os idosos, devido a menor exposição solar, principalmente após invernos rigorosos e pele mais ressecada, têm síntese diminuída. As recomendações diárias para adultos e idosos é de 600 UI (15 microgramas) e o limite superior é de 4000 UI. Na tabela abaixo os alimentos mais ricos em vitamina D:
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.0. São Paulo, 2019. [Acesso em: 03042020 ]. Disponível em: http://www.fcf.usp.br/tbca
*Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação – NEPA. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO. 4. ed. 2017.
Selênio: Outro elemento muito importante, mas nesse caso principalmente por seu poder antioxidante, embora também tenha ação no sistema imune. O Se age em conjunto com a vitamina E, e ambos, podem proteger as membranas das células contra a peroxidação lipídica. Salientando que o organismo precisa manter o estado nutricional adequado em relação a esse nutriente, sem excessos, porque quantidades elevadas, principalmente quando o indivíduo não necessita, podem levar a efeitos adversos. A recomendação para adultos e idosos é de 55 microgramas/dia, e o valor máximo tolerado é de 400 microgramas/dia. A castanha-do-brasil é o alimento mais rico em Se, mas não deve ser ingerida em excesso, somente 1 ao dia ou dependendo da proveniência (ex. Manaus) 1 a cada 3 dias. Demais alimentos, podem apresentar valores variáveis em função do teor desse elemento no solo, e da alimentação de animais de criação para consumo humano. Na tabela abaixo disponibilizamos os valores de alguns alimentos.
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.0. São Paulo, 2019. [Acesso em: 03042020 ]. Disponível em: http://www.fcf.usp.br/tbca
Vitamina C: É o mais importante antioxidante do organismo em meio aquoso, e muito estudada com inúmeras indicações para redução do risco e até cura de doenças, principalmente do trato respiratório, mas sem comprovação científica robusta. Seu consumo, entretanto, tem demonstrado que poderia ser um fator auxiliar para diminuição do tempo de duração dos episódios infecciosos. A recomendação de ingestão diária para adultos e idosos é de 75 miligramas para mulheres e 90 miligramas para homens, com valores aumentados para fumantes (95 miligramas). Embora sem efeitos tóxicos evidentes, por ter seu excesso eliminado, quantidades muito acima das recomendadas (2,5 - 3,0 gramas) podem causar desconforto intestinal (diarreia osmótica) e além disso alterar resultados de exames (ex. diabéticos). Frutos em geral, contribuem para fornecer as quantidades necessárias para sua ação. Na tabela abaixo, valores de Vitamina C em frutas.
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.0. São Paulo, 2019. [Acesso em: 03042020 ]. Disponível em: http://www.fcf.usp.br/tbca
Coronavírus e Idosos
Idosos em geral possuem um sistema imune mais deprimido, por várias razões que podemos enumerar:
1) Em geral consomem dietas desbalanceadas pela dificuldade de aquisição dos alimentos, preparo, poder econômico, convívio social, próteses dentárias mal ajustadas, dentre outros, levando a maior monotonia na alimentação.
2) Do ponto de vista fisiológico, as maiores mudanças no trato digestório se iniciam na boca, com menor secreção de saliva (em geral o idoso não se hidrata adequadamente), dificuldade para mastigação dos alimentos (seletividade), sentido do paladar diminuído (em geral pela deficiência de Zn); menor secreção de ácido clorídrico no estômago, diminuindo a absorção de vitamina B12 e de minerais. que são melhor absorvidos em meio ácido, e ainda dificultando a digestão de proteínas. No intestino, dentre outros fatores, a secreção enzimática está diminuída, levando a pior aproveitamento dos nutrientes.
3) Como consequência, o idoso está mais sujeito a doenças, não apenas as infecciosas, mas também as doenças crônicas, como obesidade, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e câncer, o que exige maior consumo de medicamentos (polifarmácia). Obviamente, nesta situação o idoso estará com seu sistema imune debilitado. Poderíamos também levantar a questão da microbiota, que devido ao uso excessivo de medicamentos, por exemplo, antibióticos, poderia causar uma disbiose, ou seja, uma diminuição de micro-organismos considerados benéficos e desequilíbrio desse sistema. Portanto existe um ciclo vicioso, que para ser mudado, a alimentação adequada é imprescindível.
Assim, o que fazer no momento para auxiliar e fortalecer o sistema imune? A médio prazo e com orientação nutricional adequada isso será possível, e a recomendação, principalmente para os indivíduos idosos, é que façam uso de suplementos vitamínicos e minerais que contenham doses baixas, próximas das recomendações de ingestão, porque certamente poderá auxiliar a melhorar o estado nutricional geral. Associado a essa suplementação, recomenda-se uma alimentação equilibrada e de acordo com o hábito alimentar nacional, que inclui o arroz com feijão, as carnes em geral, leite e derivados, ovos, vegetais folhosos e hortaliças, frutas variadas, diversificando dentro dos grupos, ingerindo quantidades adequadas de água (30-40 mililitros por quilograma de peso corporal), evitando açúcares simples (de adição), muito sal, e alimentos muito gordurosos. Se tiver dificuldade o nutricionista é o profissional mais indicado para uma orientação de forma individualizada. Desta maneira, o organismo estará mais protegido não apenas para enfrentar o coronavírus, mas também para se defender de outras doenças.
Referências Bibliográficas
1. Cozzolino,SMF. Biodisponibilidade de Nutrientes 5ed. 2015, Editora Manole,Barueri-SP.
2. Cominetti,C. & Cozzolino,SMF - Bases Bioquímicas e Fisiológicas da Nutrição: nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença, 2ed 2020, 1378p. Editora Manole,Barueri-SP.
3. Institute of Medicine Dietary Reference Intakes: the essential guide to nutrient requirements. Washington: The National Academy Press; 2006
4. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação – Nepa. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – Taco. 4. ed. 2017.
5. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.0. São Paulo, 2019. [Acesso em: 03042020 ]. Disponível em: http://www.fcf.usp.br/tbca
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