Compostos bioativos, que reduzem risco de doenças crônicas, ainda são pouco consumidos no Brasil

Substâncias diminuem a chance de desenvolver doenças cardiovasculares e neurodegenerativas. Pesquisa analisou dados de consumo alimentar de 34 mil brasileiros.

Nutrição na medida

18/08/2021 - Presentes em alimentos de origem vegetal, como frutas, hortaliças, leguminosas e cereais, os compostos bioativos dos alimentos não são essenciais para o organismo humano como os nutrientes, mas com o consumo contínuo e em quantidades significativas, conferem diversos benefícios à saúde por meio de suas ações antioxidante, anti-inflamatória, vasodilatadora e anticarcinogênica. Estudos epidemiológicos indicam que indivíduos que consomem mais compostos bioativos têm menos risco de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, doenças neurodegenerativas, degeneração macular relacionada à idade e alguns tipos de câncer.

Apesar de sua importância para a saúde, um estudo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) revelou que a ingestão de compostos bioativos pela população brasileira é muito baixa. Em sua tese de doutorado, que gerou dois artigos publicados no British Journal of Nutrition, a nutricionista Renata Alves Carnauba utilizou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) do IBGE para analisar dados de consumo alimentar de 34 mil indivíduos com 10 anos ou mais de idade, distribuídos nas cinco regiões do país e nas áreas urbanas e rurais. O trabalho foi coordenado pelo professor Franco Lajolo, do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP e integrante do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center).

Os resultados mostraram que a ingestão média de carotenoides, uma das classes de compostos bioativos, foi de 1,8 mg/1000kcal por dia. “Em países como Espanha e Estados Unidos, por exemplo, foi estimado um consumo médio diário de carotenoides de 5,9 mg e 7,4 mg, respectivamente”, aponta. Já o consumo diário de compostos fenólicos no Brasil foi de 204 mg/1000kcal, contra 820 mg na França, 863 mg na Finlândia e 1.492 mg no Japão. Para os glicosinolatos, o resultado foi ainda mais baixo, com consumo mediano próximo a zero. Para outras populações, como da Espanha e da Holanda, foi estimada uma ingestão diária de 6,5 mg e 14,2 mg.

Fatores socioeconômicos – Segundo a pesquisadora, o baixo consumo de compostos bioativos pela população brasileira está relacionado, principalmente, à baixa qualidade de sua alimentação. “Menos de 10% da população brasileira atingiu o consumo diário de 400 g de frutas e hortaliças, que é a recomendação da Organização Mundial da Saúde para reduzir o risco de doenças crônicas”, afirma. Além disso, o consumo de alimentos com alto teor energético e poucos nutrientes têm aumentado, e a ingestão de fibras alimentares e micronutrientes (como vitaminas A, D e E, cálcio e magnésio) é insuficiente, de acordo com informações das últimas duas POFs (2008-2009 e 2017-2018).

Essa baixa qualidade da dieta do brasileiro se reflete, ainda, no risco de desenvolvimento de doenças crônicas. “De forma geral, as medianas de ingestão que encontrei para o brasileiro são, no mínimo, duas vezes menores do que os valores encontrados em estudos epidemiológicos para redução do risco de desenvolvimento de doenças crônicas”.

A renda é um fator determinante para a ingestão dos compostos bioativos. Indivíduos nas faixas mais altas de renda apresentaram consumo significativamente maior de carotenoides e compostos fenólicos do que aqueles nas faixas mais baixas. “Isso acontece porque o consumo de frutas e hortaliças, principais fontes alimentares desses compostos, cresce muito com o aumento da renda. Nós observamos isso tanto na população brasileira como de outros países”, diz a pesquisadora. Por outro lado, indivíduos com rendas mais baixas apresentaram maior consumo de alimentos “tradicionais”, como milho e batata doce, que também possuem esses compostos.

“Outras razões podem explicar as diferenças de consumo observadas entre as populações, como os distintos hábitos e preferências alimentares, que se relacionam com a disponibilidade de alimentos, crença e cultura locais”, completa.

Compilação de dados – A pesquisadora ressalta que, para alguns alimentos regionais, não foram encontradas informações sobre o conteúdo de compostos bioativos. No caso dos glicosinolatos, por exemplo, há pouco conhecimento sobre o seu teor nos alimentos. “As tabelas que dispõem de mais informações sobre os glicosinolatos foram desenvolvidas por pesquisadores da Austrália, Alemanha e Espanha, e contêm até 16 alimentos com esse composto, sendo que alguns são pouco consumidos no Brasil. Essa informação indica a necessidade de mais pesquisas avaliando a presença de glicosinolatos em alimentos, sobretudo brasileiros”.

Considerando que os padrões alimentares das populações se modificam com o tempo e os bancos de dados vêm sendo expandidos, o monitoramento contínuo do consumo de compostos bioativos pelas populações é importante. “Com a divulgação da nova POF, já é possível ver que o consumo de alimentos tradicionais e saudáveis, como arroz, feijão, frutas e hortaliças, reduziu entre o período de 2008-09 e 2017-18. Novas análises estão em andamento para entender o impacto dessa redução no consumo de compostos bioativos pelo brasileiro”.

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